domingo, 4 de maio de 2025

CAVALO BRAVO NÃO SE AMANSA


    Existem duas canções que poderiam fazer parte do “experimento cênico documental” da Cia Teatro Documental. 

    Uma delas é “Onze Fitas” de Fatima Guedes eternizada na voz de Elis Regina “Onze fitas fizeram a avaria/E o morto já tava conformado/.../Onze tiros num morto e pra quê tantos? / Esses tempos não estão pra ninharia/Não fosse a vez daquele, um outro ia” que faz coro com a crônica de Clarice Lispector que inspirou o grupo na realização desse trabalho.


    A outra é “Tiro de Misericórdia” de Aldir Blanc e João Bosco: "Grampearam o menino do corpo fechado/E barbarizaram com mais de cem tiros/Treze anos de vida sem misericórdia/E a misericórdia no último tiro."

    E a isso somem- se todas as chacinas que acontecem no Brasil diariamente em nome da ordem, mirando sempre gente pobre e negra; que servem como pano de fundo para este importante e belo espetáculo.


    A trama contando o assassinato de Mineirinho com treze tiros (o elenco comenta: “podia ser só um”), um malandro que atuou no Rio de Janeiro nos anos 1950/1960, é apenas a ponta do iceberg e o grupo a conta com muita poesia e muita música numa festa que denuncia as mazelas e as perversidades da nossa sociedade.

    A dramaturgia de Marcelo Soler e Eder Lopes contando a saga de Mineirinho é bem construída e inclui fatos sobre o Jardim da Amizade, espaço debaixo de um viaduto no coração do Bixiga onde a peça é apresentada. Pessoas da comunidade marcam presença e participam de algumas cenas.

    Marcelo Soler dirige com mestria um grupo de cerca de vinte atuadoras/atuadores e músicos que brilham tanto nos solos (quase todos têm a chance de um momento solo) como nas cenas corais. Todos interpretam, cantam e dão seus passos coreográficos. Uma festa de quase duas horas que passam voando.


    É muito importante destacar o cuidado que o grupo tem com os espectadores. É muito comum nos espetáculos de rua itinerantes o público se atropelar para ir atrás dos artistas, não enxergar nada quando outras pessoas estão em pé na sua frente e muitas vezes nem ouvir o que o elenco fala. Com a bem organizada mediação realizada por três simpáticos integrantes todos esses problemas são sanados com um respeito digno de nota. Eu, um octogenário com mobilidade reduzida e portador de uma bengala, sou testemunha disso, uma vez que assisti ao espetáculo com conforto e pude ver e ouvir plenamente.

    Aplausos para essa gente simpática e talentosa que forma a Cia Teatro Documentário. VIDA LONGA!!

    CAVALO BRAVO NÃO SE AMANSA é apresentado no Viaduto Júlio Mesquita Filho, na encruzilhada das ruas Major Diogo e Prof. Laerte Ramos de Carvalho, nas proximidades do Teatro Oficina. Sábados 16h30 e domingos 11h.

Só mais duas semanas em cartaz. NÃO PERCA!

03/05/2025






   

Nenhum comentário:

Postar um comentário