A “Companhia Ensaio Aberto” é um grupo
do Rio de Janeiro criado em 1992, bastante conhecido por seu engajamento
político, sua militância em prol da liberdade democrática e responsável pela
criação de excelentes espetáculos sempre denunciando a desigualdade social no
Brasil. Pessoalmente fui testemunha das atividades do grupo no “Armazém da
Utopia” e assisti à memorável montagem de “Sacco e Vanzeti” dirigida por Luiz
Fernando Lobo; por conta disso estava bastante entusiasmado com essa primeira
visita da companhia aos palcos paulistanos com o inquestionável texto de João
Cabral de Melo Neto.
Merecidamente esse poema é muito
lembrado por quem faz teatro.
Quem primeiro lembrou dele foi Cacilda
Becker que o produziu em 1960 com direção de Clemente Portela, tendo Walmor
Chagas no elenco, provavelmente no papel de Severino (ou Mestre Carpina?). A
montagem foi um grande fracasso permanecendo poucos dias em cartaz.
Ocorreu em 1965 a montagem histórica
do grupo TUCA formado por estudantes da PUC com direção de Silnei Siqueira e
músicas do jovem compositor Francisco Buarque de Holanda.
A partir daí, as músicas de Chico não
se separaram mais de todas outras montagens do poema que vieram a seguir.
Em 1969 Silnei volta a dirigir o
texto, desde vez com atores profissionais liderados por Paulo Autran como
Mestre Carpina. A montagem passou longe do brilho, da energia e da repercussão
daquela de 1965.
Em produção do Grupo TAPA o texto
volta a ser montado em 1996 novamente com direção de Silnei.
O poema descansou nos livros por 26 anos, mas
voltou para os palcos paulistanos em 2022 numa bela encenação dirigida por
Elias Andreato.
Com o histórico do “Ensaio Aberto” e de seu diretor Luiz Fernando Lobo é difícil
acreditar que esta montagem, a meu ver, tão equivocada tenha sido realizada por
eles.
Em primeiro lugar na estreia a
montagem teve sérios problemas de sonorização, dificultando a compreensão do
texto, mola mestre do espetáculo. Em muitos momentos a música cantada pelo coro
ou tocada pelos instrumentos cobria totalmente a voz dos atores. Logo no
início, por exemplo, quando Severino quer se identificar o coro cobria
totalmente a sua voz. Na cena dos coveiros, a voz deles estava tão amplificada
que não se entendia o que eles falavam. Esses problemas técnicos são sérios,
mas podem ser solucionados ao longo da temporada.
Para este espectador o problema maior
está na concepção do espetáculo que sacrifica o texto em função de uma exagerada
beleza estética. Tem-se a impressão de estar diante de uma montagem vinda da
Broadway, tão comum nos Renaults e Santanders da vida ou até de uma versão
assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho. A peça tem tanto a cara desses
musicais que o público até aplaude ao
fim de cada número musical, como costuma acontecer nesse tipo de espetáculo.
O cenário de J. C. Serroni com um
imenso telão ao fundo e a iluminação de Cesar de Ramires são arrebatadores,
assim como os figurinos de Beth Filipecki e Ronaldo Machado. O numeroso elenco
interpreta e canta muito bem, assim como o acompanhamento musical é primoroso.
Mas e o texto do lindo e potente auto
de Natal pernambucano?
O melhor exemplo do descaso com o
texto está na cena das ciganas do Egito que no original é um libelo contra a
pobreza e o futuro de crianças marginalizadas e que aqui surge com as ciganas
se contorcendo ao falar o texto enquanto três atores fazem gracinha dançando defronte
ao telão ao fundo. Lamentável!
Para este espectador trata-se de
beleza exagerada e edulcorada para mostrar a sofrida vida severina e isso, a
meu ver, não bate com os preceitos de Luiz Fernando Lobo e do Ensaio Aberto.
Por que então? Fica a pergunta.
Luiz Fernando Lobo e a “Companhia
Ensaio Aberto” continuam devendo a São Paulo um espetáculo que mostre toda a
garra de seus talentos e de seus comprometimentos sociais e políticos.
P.S. Pensei muito se publicava ou não esta matéria, mas foi um desabafo que achei necessário explicitar, dada a grande admiração que tenho pelos idealizadores do espetáculo.
MORTE e VIDA SEVERINA está em cartaz no Teatro Paulo Autran do SESC Pinheiros de 05 a 21/12/2025 e de 08 a 18/01/2026 de quinta a sábado (20h) e domingo (18h).
06/12/2025

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