domingo, 7 de dezembro de 2025

MORTE E VIDA SEVERINA

 

A “Companhia Ensaio Aberto” é um grupo do Rio de Janeiro criado em 1992, bastante conhecido por seu engajamento político, sua militância em prol da liberdade democrática e responsável pela criação de excelentes espetáculos sempre denunciando a desigualdade social no Brasil. Pessoalmente fui testemunha das atividades do grupo no “Armazém da Utopia” e assisti à memorável montagem de “Sacco e Vanzeti” dirigida por Luiz Fernando Lobo; por conta disso estava bastante entusiasmado com essa primeira visita da companhia aos palcos paulistanos com o inquestionável texto de João Cabral de Melo Neto.

Merecidamente esse poema é muito lembrado por quem faz teatro.

Quem primeiro lembrou dele foi Cacilda Becker que o produziu em 1960 com direção de Clemente Portela, tendo Walmor Chagas no elenco, provavelmente no papel de Severino (ou Mestre Carpina?). A montagem foi um grande fracasso permanecendo poucos dias em cartaz.

Ocorreu em 1965 a montagem histórica do grupo TUCA formado por estudantes da PUC com direção de Silnei Siqueira e músicas do jovem compositor Francisco Buarque de Holanda.

A partir daí, as músicas de Chico não se separaram mais de todas outras montagens do poema que vieram a seguir.

Em 1969 Silnei volta a dirigir o texto, desde vez com atores profissionais liderados por Paulo Autran como Mestre Carpina. A montagem passou longe do brilho, da energia e da repercussão daquela de 1965.

Em produção do Grupo TAPA o texto volta a ser montado em 1996 novamente com direção de Silnei.

 O poema descansou nos livros por 26 anos, mas voltou para os palcos paulistanos em 2022 numa bela encenação dirigida por Elias Andreato.

Com o histórico do “Ensaio Aberto” e de seu diretor Luiz Fernando Lobo é difícil acreditar que esta montagem, a meu ver, tão equivocada tenha sido realizada por eles.

Em primeiro lugar na estreia a montagem teve sérios problemas de sonorização, dificultando a compreensão do texto, mola mestre do espetáculo. Em muitos momentos a música cantada pelo coro ou tocada pelos instrumentos cobria totalmente a voz dos atores. Logo no início, por exemplo, quando Severino quer se identificar o coro cobria totalmente a sua voz. Na cena dos coveiros, a voz deles estava tão amplificada que não se entendia o que eles falavam. Esses problemas técnicos são sérios, mas podem ser solucionados ao longo da temporada.

Para este espectador o problema maior está na concepção do espetáculo que sacrifica o texto em função de uma exagerada beleza estética. Tem-se a impressão de estar diante de uma montagem vinda da Broadway, tão comum nos Renaults e Santanders da vida ou até de uma versão assinada por Charles Möeller e Claudio Botelho. A peça tem tanto a cara desses musicais que o público até aplaude  ao fim de cada número musical, como costuma acontecer nesse tipo de espetáculo.

O cenário de J. C. Serroni com um imenso telão ao fundo e a iluminação de Cesar de Ramires são arrebatadores, assim como os figurinos de Beth Filipecki e Ronaldo Machado. O numeroso elenco interpreta e canta muito bem, assim como o acompanhamento musical é primoroso.

Mas e o texto do lindo e potente auto de Natal pernambucano?

O melhor exemplo do descaso com o texto está na cena das ciganas do Egito que no original é um libelo contra a pobreza e o futuro de crianças marginalizadas e que aqui surge com as ciganas se contorcendo ao falar o texto enquanto três atores fazem gracinha dançando defronte ao telão ao fundo. Lamentável!

Para este espectador trata-se de beleza exagerada e edulcorada para mostrar a sofrida vida severina e isso, a meu ver, não bate com os preceitos de Luiz Fernando Lobo e do Ensaio Aberto.

Por que então? Fica a pergunta.

Luiz Fernando Lobo e a “Companhia Ensaio Aberto” continuam devendo a São Paulo um espetáculo que mostre toda a garra de seus talentos e de seus comprometimentos sociais e políticos.

P.S. Pensei muito se publicava ou não esta matéria, mas foi um desabafo que achei necessário explicitar, dada a grande admiração que tenho pelos idealizadores do espetáculo. 

MORTE e VIDA SEVERINA está em cartaz no Teatro Paulo Autran do SESC Pinheiros de 05 a 21/12/2025 e de 08 a 18/01/2026 de quinta a sábado (20h) e domingo (18h). 

06/12/2025

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