sábado, 24 de setembro de 2022

CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA

 

 

1.   UM POUCO DE SERGIO BLANCO EM NOSSOS PALCOS.

Meu primeiro contato com a obra de Sergio Blanco foi em 2016 no Festival de Curitiba com Tebas Land, um original exercício de metalinguagem escrito em 2012 que me chamou a atenção para o autor. Direção do autor.

No ano seguinte o inominável que liderava o Club Noir fez uma montagem equivocada (principalmente nas interpretações) de Kiev, um dos primeiros textos de Blanco, escrito em 2003.

Mas foi em 2018 sob a direção de Yara de Novaes e com uma grande interpretação de Gilberto Gawronski que Sergio Blanco morreu pela primeira vez entre nós (ele já havia morrido em 2014, quando escreveu a obra). “Eu é um outro”, frase de Arthur Rimbaud, era uma das chaves da trama. Ao final do espetáculo era entregue “santinho” ao público do tipo que se fazia antigamente nas missas de defunto com foto de Gawronski/Blanco e as datas de nascimento e morte do autor.

A obra prima El Bramido de Dusseldorf, escrita em 2016 foi apresentada no MIRADA 2018 e ali era o pai do dramaturgo que morria na cidade alemã, enquanto ele circulava entre uma exposição sobre Peter Kurten o chamado vampiro de Dusseldorf, um set de produção de filmes pornográficos e consultas a um rabino com a tentativa de se converter ao judaísmo. Direção do autor

Em 2019, o monólogo Tráfico de 2018, ocupou o palco do teatro do SESC Vila Mariana por apenas dois dias, vindo do Festival de Curitiba. Blanco não aparece em cena, mas é citado como o Francês na narrativa de Alex, garoto de programa/matador de aluguel interpretado visceralmente pelo ator colombiano Wilderman Garcia Buitrago. Direção do autor.

Nesse mesmo ano houve uma montagem brasileira de Tebas Land dirigida por Victor Garcia Peralta que não alcançou o mesmo impacto da montagem original.

Ainda em 2019 Blanco se apresentou no SESC Santana com sua saborosa “conferência” As Flores do Mal – A Celebração da Violência, concebida em 2017.

E agora chegou a vez de Cuando Pases Sobre Mi Tumba, escrita em 2016, mesmo ano de El Bramido de Dusseldorf.


2.   CUANDO PASES SOBRE MI TUMBA

Em El Bramido de Dusseldorf o elenco fazia de conta que cantava e tocava Losing My Religion do REM no início do espetáculo, aqui ele faz o mesmo com Another Love de Joe Ordell enquanto o público se acomoda em seus lugares. Isso é coisa do encenador e dramaturgo uruguaio Sergio Blanco que volta a nos surpreender com essa instigante trama sobre seu suicídio assistido em Genebra para a seguir ser devorado por um necrófilo iraniano em Londres.

E assim ele volta a morrer entre nós. Essa insistência em sua obra no tema da morte pode ser compreendida com frase contida no verso do “santinho” citado acima que era distribuído em A Ira de Narciso: “Não apenas os poetas têm medo da morte. Também todos aqueles que enfrentam a criação. Estou convencido de que uma das funções da arte é suspender ao menos por alguns instantes, esse medo que todos temos e que é o que afinal nos faz belamente humanos”.

São muitas as leituras/interpretações desse instigante texto de Blanco que cita Shakespeare, Lord Byron. Mary Shelley, Daniel Defoe, Freud e, principalmente, ele mesmo em mais um radical exercício de auto ficção que lhe é tão caro e tão característico.

Assisti à peça no MIRADA e voltei a vê-la ontem à noite na Extensão MIRADA que o SESC trouxe a São Paulo, fato que me deu a oportunidade de perceber mais nuances desse instigante texto de Blanco que além do tema da morte, tem alto teor de erotismo no desejo que, enquanto vivo, Blanco tem por Khadel, o jovem e belo necrófilo e o desejo de Khadel por ele, só quando o mesmo estiver morto.

A conclusão de Blanco é que somos apreciadores de coisas mortas, afinal o David de Michelangelo não passa de uma peça estática de mármore e As Senhoritas de Avignon permanecerão para sempre imóveis na posição que Picasso as concebeu!

Acrescento que a grande diferença é que o teatro, assim como a dança, é a arte das coisas vivas que só acontece quando estão em movimento tanto os criadores como os receptores.

VIVA O TEATRO!

 

CONCLUSÃO

 

Segundo a página de Blanco, ele já escreveu mais quatro peças após Tráfico de 2018. São elas: Zoo (2018), Memento Mori (2019), COVID – 451 (2020) e Divina Invención (2021), todas muito bem-vindas aos nossos palcos.

 

24/09/2022

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