terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

ÁGUAS QUEIMAM NA ENCRUZILHADA

 

 

        No espaço cênico do Teatro do Incêndio personagens de universo bem conhecido de cada um de nós, paulistanos/bixiguentos ali presentes, deslocam-se mostrando fragmentos de suas vidas, ora nos fazendo rir, ora nos emocionando com seus dramas e seus cotidianos.

        Marcelo Marcus Fonseca, autor, diretor e ator do espetáculo cria  cenas com personagens críveis como a manicure que esconde sua doença grave (Elena Vago excelente, apesar de gritar muito no primeiro ato, mas que tem uma cena sublime ao final do segundo ato), o jovem poeta homossexual migrante e deslocado no novo ambiente, o marido violento e a mulher grávida e muitas outras, todas costuradas com as presenças do velho compositor alcoólatra (Marcelo Marcus Fonseca, patético na medida certa) e da catadora de lixo Seu Luiz (Gabriela Morato, que tem seu melhor momento ao falar sobre o seu passado).  

        A peça tem como pano de fundo a preparação de uma escola de samba para o desfile de carnaval e para isso se vale de uma excelente trilha sonora que comenta toda a ação executada ao vivo por grupo de músicos/percussionistas.

        As estruturas, tanto da dramaturgia (pequenas cenas cotidianas independentes, mas que vão se relacionando), como da encenação (os praticáveis), me remeteram àquelas do memorável espetáculo Os Efêmeros, apresentada aqui em São Paulo em 2007 pelo grupo francês Théâtre du Soleil. Essa semelhança (proposital ou não) em nada desmerece o significativo resultado desse belo e emocionante espetáculo.

        Marcelo Marcus Fonseca é mais um bravo guerreiro dessa batalha enorme contra a indiferença e o desprezo pela nossa cultura. O seu belo Teatro do Incêndio, adquirido com enormes sacrifícios, sofre com a presença de lixo no seu entorno e com ataques à sua estrutura, mas Marcelo grita, esbraveja e resiste... SEMPRE!

        ÁGUAS QUEIMAM NA ENCRUZILHADA saiu de cartaz em 05 de fevereiro, mas volta de 02 a 25 de março às segundas, sábados e domingos às 19h.

        NÃO DEIXE DE VER!

        06/02/2024

 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

OS RAPAZES DA BANDA

 

 

MEMÓRIA DO TEATRO PAULISTANO/OS RAPAZES DA BANDA 1970

Em 1970 estreava no antigo Teatro Cacilda Becker localizado na Avenida Brigadeiro Luís Antônio Os Rapazes da Banda, peça do dramaturgo norte americano Mart Crowley (1935-2020). O fato de ser produzida sob a chancela de um casal de prestígio e notadamente heterossexual (Eva Wilma e John Herbert) colaborou para que a peça tivesse ampla aceitação pelo público e não provocasse maiores escândalos mesmo ao tratar de assunto ousado para a época: reunião de homossexuais onde o anfitrião presenteia o amigo aniversariante com um garoto de programa. O elenco reunia nomes importantes de nosso teatro como Walmor Chagas/Michael, Otávio Augusto/Donald, Benedito Corsi/David-Emery, Denis Carvalho/Arthur-Hank, Roberto Maya/Douglas-Larry, Bene Silva/Bernard, John Herbert/Allan, Paulo Adário/Cowboy e Paulo César Pereio/Harold e a direção era de Maurice Vaneau, encenador e coreógrafo belga de muito prestígio na época.

O que a memória me traz depois de tanto tempo é que se tratava de uma comédia com alguns estereótipos do universo gay, bastante inofensiva e leve, apesar do final dramático e discutível onde Michael lamentava-se de sua solidão por ser homossexual (!).

A peça havia estreado dois anos antes em Nova York e virou filme dirigido por William Friedkin em 1970 sempre com muito sucesso. Em 2018 a peça foi remontada na Broadway e depois se tornou filme dirigido por Joe Mantello.

Os tempos mudaram, muitos armários se escancararam, movimentos surgiram, mas permanecem o preconceito e a violência com aqueles que fogem aos valores estabelecidos por uma  sociedade hipócrita e conservadora.

THE BOYS IN THE BAND – OS GAROTOS DA BANDA

2023

                No dia 31/10/2023 Ricardo Grasson dirigiu e estreou no Teatro Procópio Ferreira uma nova montagem da peça, a qual assisti na estreia com muitas ressalvas pessoais a parte do elenco e ao ritmo arrastado da festa de Harold.

        Exatos três meses após, voltei a assistir à montagem com uma banda bem mais afinada/azeitada que conduz a peça em ritmo excelente. Foi para mim um outro e muito melhor espetáculo.

Muito bem-vindas as entradas na banda de Robson Catalunha/Larry, Fabrício Pietro/Hank (apesar que Otávio Martins também estava bem), Heitor Garcia (apesar que Leonardo Miggiorin também estava bem), Julio Oliveira/Emory, Gabriel Santana/Cowboy (excelente!) e Edgar Cardoso/Harold. Caio Paduan que estava extremamente artificial na estreia como Allan, o hetero convicto, agora atinge um perfeito equilíbrio na composição da personagem. Tiago Barbosa/Bernard e Mateus Ribeiro/Michael continuam ótimos como antes.

A peça termina a temporada nesta sexta feira, dia 03, mas é bem provável que volte ao cartaz no Teatro do Shopping Frei Caneca.

Que se mantenha a afinada banda atual!!!

02/02/2024

 

 

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

KING KONG FRAN

 

Não há dúvida que Rafaela Azevedo é muito engraçada e seu carisma se revela desde a entrada em cena como a enjaulada Mulher Gorila.

Não resta dúvida também que sua crítica/denúncia ao machismo e aos assédios masculinos é bastante oportuna e contundente.

Mas será que este tipo de espetáculo vai mudar o comportamento dos machões? O espetáculo talvez constranja o homem do público, batizado de Padrão, escolhido para subir ao palco com ela e sofrer por parte dela todos os assédios normalmente sofridos pela mulher, mas o restante do público masculino presente na plateia se diverte muito e não creio que vá mudar seu comportamento diante das mulheres, seja ele qual for.

Deixando de lado essas “ranhetices” críticas, King Kong Fran diverte demais e revela para São Paulo uma atriz/palhaça talentosíssima com pleno domínio do palco e do público (feminino e masculino) que ela conduz pra onde ela quer.

Pedro, o Padrão escolhido dessa sessão, entrou na brincadeira e teve participação brilhante em cena, fazendo até strip-tease para os uivos da plateia feminina. Era a personificação do homem objeto manipulado pela mulher gorila. O recado estava dado... para quem, não sei! Parabéns Pedro, que não participou dos calorosos aplausos ao final.

KING KONG está em cartaz às segundas e terças em duas sessões às 19h e 21h no Teatro Morumbi Shopping.

Corra porque os ingressos estão esgotando.

 

31/01/2024

segunda-feira, 29 de janeiro de 2024

PRÊMIO APCA DE TEATRO ADULTO 2023

 

Em reunião realizada no Sindicato dos Jornalistas no dia 29 de janeiro de 2024, os críticos da área de teatro da APCA: Bob Souza, Celso Curi, Edgar Olimpio de Souza, Ferdinando Martins, José Cetra Filho, Kyra Piscitelli, Miguel Arcanjo Prado e Vinicio Angelici; elegeram, por votação, os premiados do ano de 2023:

 

ATOR:  Marco Antônio Pâmio – A Herança


ATRIZ: Grace Gianoukas – Nasci Pra Ser Dercy


DRAMATURGIA: Alan Mendonça, Cleydson Catarina, Naruna Costa e Uberê Guelè - Boi Mansinho e a Santa Cruz do Deserto     


DIREÇÃO: Ione de Medeiros – Vestido de Noiva


ESPETÁCULO: A Aforista


PRÊMIO ESPECIAL: Cia. Antropofágica pelos 20 anos de atividades celebrados na Ocupação no TUSP.


GRANDE PRÊMIO DA CRÍTICA: Clara Carvalho por sua atuação como atriz, tradutora e diretora no ano de 2023.


A  cerimônia de premiação ocorrerá no dia 22 de abril no Teatro Sérgio Cardoso.

29/01/2024

sábado, 27 de janeiro de 2024

PUMA

 

O puma é um animal arredio, predador e solitário, em tudo parecido com o personagem criado pelo dramaturgo Sergio Mello que parece ter saído de uma obra do escritor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989).

Sabe-se muito pouco sobre o passado desse homem tenso que não deixa pedra sobre pedra em seu discurso de revolta contra os parentes e contra o mundo que parece não terem entendido seus pendores literários. Ele não consegue ficar parado, nem sequer ficar sentado em uma cadeira, durante o tempo que esbraveja contra tudo e todos.

O sempre talentoso Ricardo Gelli transmite essa inquietude desde os primeiros momentos da peça, só parecendo se acalmar quando pinta o quadro de uma mulher que deve ter sido a sua companheira.

Em um cenário entulhado de livros e de páginas soltas de livros belamente iluminado pela luz de Caetano Vilela o personagem destila seu ódio, convivendo de maneira nada cordial com o pai e com o filho.

A dramaturgia de Sergio Mello é um pouco caótica, parecendo imitar o estado do seu personagem e isso pode, segundo este espectador, dificultar a compreensão de alguns trechos da trama.

Alexandre Reinecke dirige o espetáculo de maneira discreta focando sua atenção na interpretação visceral de Gelli que também é responsável pelo cenário.

PUMA está em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade de 19/01 a 26/02 às segundas e sextas às 19h30 e aos sábados às 18h. Ingressos gratuitos.

 

27/01/2024

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

CODINOME DANIEL

 

        Zé Henrique de Paula e Fernanda Maia vêm se especializando em original maneira brasileira de fazer teatro musical onde a forma é suporte para conteúdos sociais e políticos importantíssimos. Foi assim com Brenda Lee e o Palácio das Princesas e é agora com Codinome Daniel.

        O biografado neste novo musical da dupla é Herbert Eustáquio de Carvalho (1946-1992), jornalista brasileiro que na primeira fase de sua vida atuou como militante de esquerda no combate à ditadura civil-militar (daí seu codinome Daniel na clandestinidade) e depois foi um ativista na luta pelos direitos dos portadores de HIV/Aids.

        A peça tem início na casa dos pais de Herbert onde o jovem tímido convive com uma família alegre e feliz. A seguir, a ação se transfere para Herbert/Daniel já na clandestinidade após ter atuado como guerrilheiro. Ele continua tímido e inseguro como na primeira cena e se torna mero coadjuvante ao imaginar encontros com Wanda/Dilma Rousseff (1947-), Iara Iavelberg (1944-1971), Carlos Lamarca (1937-1971) e Zequinha Barreto (1946-1971). A mudança abrupta de cena e a continuidade das atitudes tímidas do personagem, não deixam claro para o espectador a transformação do jovem no revolucionário/guerrilheiro. A meu ver, a dramaturgia deveria dar conta desse processo.

O segundo ato começa com o exílio de Herbert em Paris onde viveu com seu parceiro Claudio onde ele trabalhou em uma sauna gay. Contaminado pelo vírus da AIDS, voltou para o Brasil onde se tornou um militante pelos direitos dos portadores do vírus da Aids e por lutar contra a “morte civil” imposta a eles. Fundou a Pela Vidda e uma das cenas mais pungentes da peça acontece quando ele faz o discurso de abertura dessa organização.

De emoção em emoção, chega-se à última cena que se passa nas proximidades do Natal na casa de seus pais. Mãe, pai, irmãos, cunhada e o parceiro fazem uma homenagem a ele, agora bastante debilitado pela doença. O narrador (que representa James Green, o biógrafo de Herbert Daniel) encerra a peça informando que três meses depois Herbert morreu.

Nesse momento não dá mais pra segurar, as lágrimas saltam aos olhos do público que aplaude emocionado o afinado elenco.

Todo o elenco interpreta e canta muito bem, mas alguns destaques precisam ser dados: Cleomácio Inácio como Lamarca, Lola Fanucchi como Iara, Fabiano Augusto como o biógrafo James Green, Davi Tápias como Herbert Daniel, principalmente no segundo ato e, por último, para dar destaque maior: Luciana Ramanzini, sempre ótima como a médica e a mãe (até um tique nervoso ela incorpora na personagem), mas estupenda como Wanda/Dilma na mais emocionante cena da peça.

A cenografia de César Costa iluminada pelo sempre competente Fran Barros serve de fundo para todos os ambientes em que se passam as ações.

As músicas de Fernanda Maia com letras de Zé Henrique de Paula executadas ao vivo, interferem harmoniosamente na ação sem interromper as intenções dramáticas.

Em uma temporada recém iniciada, Codinome Daniel já pode ser considerado um espetáculo a inscrever-se entre os melhores do ano, além de tratar de dois momentos cruciais da realidade brasileira: os desmandos e a crueldade da ditadura e os estragos provocados pela Aids.

CODINOME DANIEL está em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental às sextas, sábados e segundas às 21h e aos domingos às 19h.

Por se tratar de espetáculo relativamente longo seria interessante que os espetáculos das 21h começassem meia hora mais cedo para facilitar a vida dos espectadores que dependem de condução.

24/01/2024

domingo, 21 de janeiro de 2024

BOM DIA ETERNIDADE


 

UM BONDE CHAMADO TALENTO

Tenho especial carinho e admiração por esse grupo de jovens “negros e periféricos” como se definem os integrantes d’O Bonde. Sua trajetória iniciada em 2017, começou a marcar presença em nossos palcos com o infantil Quando Eu Morrer Vou Contar Tudo a Deus, seguiu entrando em nossos notebooks com a premiada peça-filme Desfazenda- Me Enterrem Fora Desse Lugar, que após a pandemia estreou nos palcos da cidade e agora completam o que eles chamam de Trilogia da Morte tratando da velhice em Bom Dia Eternidade.

O bonito dessa Trilogia da Morte, que denuncia como são (mal) tratados na nossa sociedade os corpos negros na infância, na vida adulta e na velhice é que ela o faz com muita poesia e com a visão de uma utopia possível, mas ainda não realizada. É uma trilogia da morte que exalta a vida.

A peça inicia com um verdadeiro show com lendários músicos Cacau Batera (80 anos), Luiz Alfredo Xavier (85 anos), Maria Inês (73 anos) e Roberto Mendes Barbosa (60 anos) acompanhados com a presença iluminada dos quatro integrantes d’O Bonde: Ailton Barros, Filipe Celestino, Jhonny Salaberg e Marina Esteves. Esse momento brilhante e alegre que contagia o público, é o início/fim do espetáculo.

A seguir desfilam perante os espectadores os relatos gravados dos quatro idosos do elenco, permeados por lembranças dos jovens, que aos poucos vão se amalgamando criando um todo, onde cada jovem é o espelho de um idoso. A narrativa não linear é muito bem amarrada na dramaturgia assinada por Johnny Salaberg.

Em certos momentos, os relatos dos idosos são tão potentes e emocionantes, que chegam a ofuscar a cena ao vivo que acontece em seguida. Por sinal, para este espectador, algumas cenas ao vivo são muito longas, merecendo um corte que reduziriam beneficamente o espetáculo em uns vinte minutos.

Luiz Fernando Marques, nosso querido Lubi, assina direção, cenografia (que belas cortinas!) e figurinos do espetáculo da forma lúdica como é a proposta do grupo, auxiliado pela excelente direção musical de Fernando Alabê, pela precisa videografia concebida e operada por Gabriela Miranda e pela luz de Matheus Brant.

Bom Dia Eternidade é um trabalho que atinge profundamente corações e mentes dos espectadores, fazendo-os refletir sobre a situação da velhice (não só dos negros) e se emocionar com os belos momentos poéticos e com as músicas.

Voltar naquele quintal e sentir novamente o batuque dos quatro tamborins tocados por Marina, Johnny, Ailton e Filipe ao som da contagiante música é o desejo de todo espectador, que aplaude entusiasticamente o elenco no final da peça.

BOM DIA ETERNIDADE está em cartaz no Teatro Anchieta até 25/02 às sextas e aos sábados às 20h e aos domingos e feriados às 18h. Sessões extras nos dias 15 e 22/2 às 15h.

NÃO PERCA!!

21/01/2024