sexta-feira, 31 de outubro de 2014

(SELVAGENS) HOMEM DE OLHOS TRISTES



            Händi Klaus é um autor desconhecido no Brasil e há pouquíssimas informações sobre ele na Internet (fonte disponível para pesquisas breves). Até onde eu sei trata-se de um jovem dramaturgo austríaco contemporâneo que já contabiliza alguns prêmios em sua carreira. O que importa é que pelas mãos do encenador Hugo Coelho nos chega o instigante Selvagens-Homem de Olhos Tristes, em cartaz no Club Noir.
            Um médico, sufocado pelo calor, desce do trem algumas estações antes daquela de seu destino. O encontro com dois irmãos, a princípio muito corteses, o faz empreender uma viagem sem volta, digna das melhores obras de Kafka.
            A peça, com diálogos breves, prima pelo uso das palavras num contexto que beira o absurdo becketiano, para citar mais um autor que deve ter inspirado Händi Klaus.
 
Divulgação
 
            Bastante curta e concisa, a peça é dividida em quatro partes:
            - A chegada do médico e a conversa com os dois irmãos.
            - A caminho da casa dos irmãos, encontro com um velho que eles agridem.
            - Na casa, encontro com a irmã. Os irmãos saem para buscar água e cria-se um clima erótico entre o médico e a moça.
            - Os irmãos voltam e o velho aparece como o pai. Há um black out e quando a luz retorna temos uma surpresa (reservada para quem assistir à peça).
            O calor do ambiente torna-se mais sufocante pela escassez de água no local, o que torna a peça mais oportuna em função da atual crise hídrica em São Paulo.
            As duas primeiras partes são bastante dinâmicas, sendo que o ritmo do espetáculo decresce na segunda metade.
            A direção de Hugo Coelho é limpa, concentrando-se na melhor maneira de fazer as intenções fluírem, quer pela expressão vocal como pelo gestual preciso concebido por Inês Aranha.  Em concordância com a direção, o cenário é limpo e vazio contando com alguns poucos objetos de cena e com a discreta iluminação de Fran Barros.
            Rubens Caribé que realizou um belíssimo trabalho no primeiro semestre em (Assim É) Se Lhe Parece, reafirma seu talento na interpretação do médico, apesar de exagerar no volume de voz em alguns momentos.
            Edu Guimarães e Vitor Placca estão excelentes no pingue-pongue vocal da primeira parte do espetáculo.

 Com o diretor Hugo Coelho e Rubens Caribé ao final do espetáculo - Foto de Eliane Verbena
 

            Selvagens-Homem de Olhos Tristes revela, por meio da eficiente encenação de Hugo Coelho, texto de um autor que merece ser descoberto. Em cartaz no Club Noir às quartas e quintas às 21h até 18 de dezembro.

 

sábado, 18 de outubro de 2014

ILHADA EM MIM - SYLVIA PLATH



        Eu queria ter veia poética para poder traduzir com palavras adequadas todas as sensações que tive ao assistir Ilhada em Mim em cartaz no auditório do Sesc Pinheiro. A encenação de André Guerreiro Lopes é absolutamente sensitiva e fica difícil escrever sobre ela de maneira racional, mas  vou tentar!
     Era muito importante contextualizar a obra e a vida da poetisa americana Sylvia Plath (1932-1963) e de seu companheiro, também poeta Ted Hughes (1930-1998) para o espectador adentrar no universo do casal; tal fato se apresentado de forma realista iria totalmente contra o viés poético que André Guerreiro Lopes concebeu para o espetáculo e a solução encontrada não poderia ser mais bela: com a presença semi estática do casal numa cena onde a água está presente no chão e nos pingos que gotejam de objetos de gelo, ouve-se uma entrevista original que Sylvia e Ted deram para a BBC no início dos anos 1960. O que se ouve (uma conversa suave sobre como se conheceram) contrasta com as ações ao vivo onde as expressões de Sylvia revelam a angústia que irá permear toda a peça e aquelas de Ted já demonstram sua indiferença e sentimento de superioridade em relação a ela. Dessa maneira o publico tem informações suficientes para o que vem a seguir.
     Em um artigo de Rodrigo Garcia Lopes sobre a poetisa, há a citação de uma frase do poeta russo Ievguêni Ievtuchenko (1933-) que diz: “A autobiografia de um poeta é sua poesia. O resto não passa de nota de rodapé”. O encenador, conhecedor ou não dessa frase, segue a mesma linha de pensamento na realização do seu espetáculo. Se não são as poesias, são frases ditas por Plath que compõem o texto costurado por Gabriela Mellão e tão bem traduzido cenicamente por Guerreiro Lopes.
 
 
     Essa tradução cênica revela-se no cenário  cheio de metáforas como a água que pinga dos objetos de gelo (A vida que se esvai? O tempo que passa?), cadeiras e sofás semi enterrados, a água que envolve a cena e que pode ser tanto sinal de vida como de morte (o gás que matou Sylvia). Aqui sinto falta daquele pendor poético citado acima para poder significar todas as sensações produzidas pelo cenário, parte integrante e fundamental da dramaturgia de cena.
     Aliem-se ao cenário, o precioso desenho de luz de Marcelo Lazzaratto e a significativa trilha sonora de Gregory Slivar.
 
 
     E por último... OS ATORES! André Guerreiro Lopes compõe um Ted arrogante e senhor de si que destrói escritos da companheira com prazer insuportável (momento excelente do espetáculo onde os efeitos sonoros sincronizados com o amassar dos papéis ampliam os gestos do ator). Djin Sganzerla, pessoa delicada e singela dotada de grande beleza, adquire em cena a máscara trágica de Sylvia Plath em seus últimos dias de vida e que expressa sua angústia interior, suas fraquezas e sua dependência e amor por um homem que só a diminuiu e desprezou.
     Ilhada em Mim revela-se um belo momento do teatro, onde a poesia sobe à cena para contar um pouco sobre Sylvia Plath, por meio da memorável interpretação de Djin Sganzerla  e da sensível e poética direção de André Guerreiro Lopes.
     Ah! Se eu fosse poeta escreveria muito mais...
 
     Auditório do Sesc Pinheiros. De quinta a sábado às 20h30. Até 01 de novembro.
 
     FOTOS DE LENISE PINHEIRO

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

A REPRESENTAÇÃO CHILENA NO MIRADA 2014


        
         Na segunda metade do século 20 praticamente todos os países da América Latina padeceram com ditaduras militares e as feridas dessas experiências estão longe da cicatrização. Perda de direitos civis, torturas, censura e desaparecimento de presos políticos foram fatos constantes nesses tempos de triste memória. Qualquer ditadura é nefasta, mas algumas foram mais violentas e/ou mais longevas. A do Brasil durou de 1964 a 1985, a da Argentina foi curta (1966-1973), mas uma das mais violentas e a do Chile, liderada pelo general Pinochet, conseguiu reunir as duas coisas: truculência e longevidade (1973-1990). Depois desses anos de fúria e de silêncio, o país se redemocratizou, seus cidadãos altamente politizados já elegeram presidentes de esquerda e de direita, mas as marcas deixadas pelas botas de Pinochet ainda podem ser notadas na sociedade chilena e por consequência na arte produzida por ela.
         O Chile foi o país homenageado na terceira edição do MIRADA (Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos promovido pelo Sesc). Os sete espetáculos apresentados primaram pelo alto nível profissional, apresentando formas e conteúdos bastante diversos, todos eles, porém, de uma maneira ou de outra denunciando (ou refletindo sobre) a luta pelo poder, o abuso de autoridade e o uso da violência pelos poderosos, fatos corriqueiros nos 17 anos em que o país viveu sob o jugo dos militares e que podem ressurgir a qualquer momento. Mais do que nunca, relembrar é preciso, conforme o fazem os trabalhos apresentados no MIRADA e que são resenhados a seguir.
 
A Imaginação do Futuro - Foto de La Resentida

         A peça que abriu a mostra santista foi A Imaginação do Futuro da Compañia La Resentida. Espetáculo anárquico e politicamente incorreto que procura retratar a situação política do Chile atual por meio de uma visão irreverente e pouco abonadora de Salvador Allende e de seus últimos dias na presidência do Chile. A visão que o grupo tem do governo socialista de Allende é bastante discutível, porém não se pode negar que o espetáculo tem muita energia e conta com elenco jovem e talentoso.
 
O Jardim das Cerejeiras - Foto de Dana Hosova

         Em outro extremo, seguindo a linha mais tradicional do chamado teatro “bem feito”, o grupo Teatro Camino apresentou O Jardim das Cerejeiras, um Tchekhov na medida certa: boas interpretações para as já clássicas personagens da peça, cenário simples e sugestivo, iluminação dando ao ambiente cor sépia e direção delicada que privilegia as palavras do belo texto do autor russo. A peça é um manifesto contra o uso do poder econômico, no caso representado pelo personagem Lopakhin.
 
Otelo - Foto de Rafael Arenas

         Otelo da Compañia Viajeinmóvil é ótimo exemplo de como realizar adaptação inteligente de um clássico: dois atores/manipuladores representam o quarteto principal da tragédia de Shakespeare: Otelo e Desdemona (bonecos), Iago e Emília (atores). A manipulação dos bonecos é precisa e em certos momentos o corpo do boneco se confunde com o do ator criando efeito bastante interessante. Jaime Lorca e Teresita Iacobelli são atores com pleno domínio de seu ofício alterando com muita flexibilidade as entonações de cada personagem a que dão voz. Apenas uma cama, alguns objetos e os bonecos com as cabeças de Otelo, Desdemona e Cassius são suficientes para os dois atores nos contarem a triste história do mouro de Veneza, sob o ponto de vista do maquiavélico manipulador Iago.
 
O Cavaleiro da Morte - Foto de José Cetra
 
O Homem Vindo de Nenhuma Parte - Foto de Pablo Sepulveda

         O teatro de rua é bastante difundido no Chile e se fez representar com dois espetáculos no MIRADA: O Cavaleiro da Morte do grupo La Pato Gallina usa a estética dos filmes mudos para contar a saga do herói nacional Manuel Rodriguez que lutou pela liberdade do Chile. Visualmente muito bonita a peça apresenta os atores com máscaras expressionistas de cor preta que contrastam com o cenário branco, a música que comenta a ação é tocada ao vivo por uma banda de rock. É importante notar que o espetáculo está em repertório há 14 anos com o elenco original. O Homem Vindo de Nenhuma Parte do grupo La Gran Reyneta se vale de estética bastante distinta usando enormes aparatos técnicos e humanos para movimentar uma nave que vira barco, uma mão gigantesca que persegue o herói, tablados que podem ser ora um cemitério ora uma ilha paradisíaca, efeitos de explosão e de bombas. Em oposição a essa tecnologia pesada a trama é bastante simples contando as viagens de um homem no tempo e no espaço. Ambos os espetáculos são exemplos de teatro de rua bem produzido e que atinge o público a que se destina.

A Reunião - Foto de Jorge Becker

         Além de O Jardim das Cerejeiras, o teatro essencialmente de palavras foi muito bem representado pelo mais radical A Reunião, trazido pelo grupo Teatro em El Blanco (do qual São Paulo já teve a oportunidade de receber Diciembre e o emblemático Neva). Estreia de Trinidad González como autora e diretora, A Reunião reafirma o grande talento interpretativo da atriz como a Rainha Isabel da Espanha num embate com Cristovão Colombo que foi aprisionado por abuso de poder. Diálogos ágeis e cortantes num trabalho com pouca movimentação cênica e cenário mínimo, onde a presença do ator faz o espetáculo. Trinidad revela todo seu potencial dramático tanto nas falas como nos silêncios e é bem coadjuvada por Nicolas Pavez como Colombo.
 
Castigo - Foto de Valentino Saldivar

         Castigo do grupo Teatro La Memoria é espetáculo singular. Aqui a palavra é mínima e o gestual também. O pouco que acontece o faz de maneira muito lenta como o menino olhando para o espelho, a empregada preparando a mesa para o jantar e depois servindo a sopa, a reza antes da refeição, a criada cantando enquanto a família come. Após o castigo que o menino recebe do pai, o realismo é bruscamente quebrado por meio de uma tempestade de neve que invade a casa e aniquila quase toda a família (o menino se safa entrando em cena após o desastre com ar de vitória e de vingança). Baseado em texto autobiográfico de August Strindberg o espetáculo é muito bonito e tem feições da Europa nórdica lembrando os quadros do pintor holandês Vermeer. 60 minutos do mais puro teatro.                                   
         Ao meu modo de ver, Castigo e A Reunião foram os melhores espetáculos não só da representação chilena, mas de todo o MIRADA.

         Como se vê a representação chilena primou pela diversidade e pela alta qualidade sempre lembrando que a liberdade de expressão é um direito adquirido com muita luta e que deve ser preservada a qualquer custo.   Outra prova da efervescência teatral chilena é a realização em janeiro de cada ano do Santiago a Mil, um dos mais importantes festivais internacionais de teatro realizados na América Latina.
 
 

 

 

 

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

QUE ESPAÇO OCUPA UMA AUSÊNCIA?


 
                Curitiba tem presenteado São Paulo com ótimos e consistentes espetáculos teatrais. A Companhia Brasileira de Teatro dirigida por Marcio Abreu é uma presença constante desde 2006 quando se apresentou por aqui com Suite 1 no Instituto Capobianco. Neste segundo semestre de 2014, após o mágico Tchekhov da  Ave Lola Espaço de Criação, dirigida por Ana Rosa Tezza (ainda em cartaz no Sesc Santana), eis que nos chega este instigante Obscura Fuga da Menina Apertando Sobre o Peito Um Lenço de Renda de autoria do dramaturgo argentino Daniel Veronese, pela CiaSenhas de Teatro dirigida por Sueli Araujo que estreou ontem no Sesc Belenzinho.
                Um espaço cênico muito interessante representando os cômodos de uma casa em processo de deterioração (metáfora para a condição daquela família) recebe o público que é acomodado, parte em uma plateia tradicional em arena e parte em cadeiras giratórias bem no olho do furacão aonde vai se desenrolar a ação.
 
 
                O primeiro estranhamento acontece quando os papéis do casal são invertidos: um ator representa a mãe e uma atriz representa o pai. Fazem isso com pequenos adereços na parte superior do corpo (um bigode e uma gravata para o pai; peruca, brincos e blusinha de renda para a mãe).
                Martina, a filha do casal, abandonou o lar e deixou uma carta para os pais. A peça inicia com um jogo de acusações mútuas entre o pai e a mãe e tudo leva a crer que o público vai presenciar um melodrama familiar. A salutar reviravolta acontece quando entram em cena o namorado e uma amiga da garota cada um deles trazendo uma carta que receberam de Martina. Contar mais seria tirar o prazer de quem vai assistir ao espetáculo, mas posso dizer que os diálogos travados entre os quatro são absurdamente interessantes. O dramaturgo, sabiamente, coloca um carteiro em cena para o desfecho de sua narrativa.
 
 
                A direção de Sueli Araujo dá ênfase ao trabalho dos atores e às suas movimentações em cena. Os objetos de cena também mudam de lugar como para demonstrar a instabilidade daquela casa.
                Por que Martina foi embora? Quem ali está com a razão? Martina realmente existe ou é fruto da imaginação daquele casal frustrado e problemático?  QUE ESPAÇO OCUPA UMA AUSÊNCIA? A peça não quer responder a essas questões, mas sim colocá-las para o público que sai aturdido após a forte cena final entre o pai e a mãe. Avis rara no atual cenário teatral, Obscura Fuga... é espetáculo de reflexão, para ser digerido na hora de colocar a cabeça no travesseiro e esperar que depois dessa experiência se tenha um sono tranquilo.
 
 
                Luiz Bertazzo que foi visto há pouco em Homem Piano (outro espetáculo do grupo) desempenha com rigor a mãe. Trabalho de composição precisa com perfeita dosagem entre emoção e razão. Greice Barros o acompanha à altura e sua fragilidade física dá um toque especial à figura do pai. Ciliane Vendrusculo sai-se bem como a agressiva amiga (que parece também ter tido um caso com a garota desaparecida). Em papéis menores, Jeff Bastos e Rafael di Lari dão conta dos mesmos.
                A trilha sonora de Ary Giordani é irregular. Tem momentos muito interessantes que reforçam o suspense das cenas, por outro lado às vezes é tão presente que parece querer tornar-se mais importante desviando a atenção do espectador que se pergunta: Para que esse som neste momento?
 
                Obscura Fuga da Menina Apertando Sobre o Peito Um Lenço de Renda é espetáculo obrigatório para quem espera do teatro algo mais do que puro entretenimento. Faz-nos refletir não só sobre nosso comportamento no seio familiar, mas como em toda a sociedade. Em cartaz no Sesc Belenzinho de quinta a sábado às 21h30 e domingo às 18h30 até 02 de novembro. Duração:70 minutos.
 
Fotos de Lenise Pinheiro
               
               
 

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ROBERT LEPAGE – BATE-PAPO


 
                O primeiro contato que tive com a obra de Robert Lepage foi em 2002 quando assisti no Rio de Janeiro à montagem de Monique Gardenberg de Os Sete Afluentes do Rio Ota. O impacto foi imediato o que me fez rever o espetáculo por mais três vezes quando foi apresentado em São Paulo (naveguei pelos afluentes do Ota por 20 horas, já que a peça tinha cinco horas de duração). A partir daí pesquisei o trabalho do artista e em 2004 assisti ao filme O Lado Secreto da Lua que foi outro impacto e me fez buscar mais informações sobre ele.
 
Cenas da montagem brasileira de Os Sete Afluentes do Rio Ota       (2002-2003)
 
O Lado Escuro da Lua (filme)
 
                Ontem tive a oportunidade de conhecer pessoalmente Robert Lepage no Sesc Santo Amaro onde ele participou de um bate-papo com o público, mediado pelo Prof. Luís Fernando Ramos  e tendo a diretora Beatriz Sayad como intérprete.
 
 
 
                Ramos abriu a sessão comentando que apesar de muito criativos e inovadores na forma os espetáculos de Lepage têm narrativa clara e direta o que vai contra os preceitos do teatro pós dramático que tem um dos seus baluartes na anti-narrativa . Lepage respondeu à questão dizendo que Quebec (sede de sua companhia Ex Machina no Canadá) é uma cidade pequena e é necessário fazer espetáculos que sejam acessíveis aos seus moradores. Senti uma ponta de ironia nessa resposta, mas o assunto não foi levado adiante.
                O encenador/ator/diretor cinematográfico comentou sobre as diferenças em fazer cinema (que é uma arte horizontal) e teatro, que segundo ele é vertical, tendo o homem no centro, suas aspirações no alto e embaixo seu inferno. Falou também de suas experiências em dirigir óperas e um espetáculo do Cirque du Soleil.
                Fez uma exposição sobre o processo de criação de seus espetáculos onde as personagens normalmente surgem antes da história. Chamou as improvisações feitas durante o período inicial do processo de “balde sem fundo”. Segundo ele, seus espetáculos começam a ter forma após a estreia.
                Quanto à sua companhia Ex Machina, disse que ela existe há aproximadamente 20 anos e está sediada num antigo quartel do corpo de bombeiros em Quebec. O grupo tem elementos do mundo todo e não se fazem testes (auditions) para a admissão no mesmo. A companhia não tem a hierarquia do teatro tradicional.
                Lepage disse que procura fazer espetáculos que tenham duas histórias: uma com H maiúsculo e outra com h minúsculo cujo tema universal e cotidiano seja uma porta para o espectador melhor compreender a primeira.
 
Jogo de Cartas: Espadas
 
                A seguir falou da tetralogia Jogos de Cartas cujas duas primeiras partes (espadas e copas) serão apresentadas em São Paulo. Tudo realmente começou com improvisações com jogos de cartas. Ao descobrir que o jogo foi uma invenção árabe, o grupo foi tomando consciência da influência da cultura dessa parte do oriente na cultura ocidental e o mundo árabe acabou se tornando o tema de todo o projeto. Cada naipe do baralho tem um significado bastante claro e este se tornou o norte para cada uma das encenações: espadas (militarismo), copas (crenças, religião), ouros (negócios) e paus (trabalhador). As duas últimas partes ainda estão em fase de preparação.
 
                Algumas pérolas ditas durante o bate papo:
                - Há uma grande diferença em incentivar um aluno a ser o “número um” e a ele ser “único”.
                - O teatro é semelhante ao esporte. Cada vez é uma coisa única. O espectador deve se sentir privilegiado ao estar presente a um ato efêmero que nunca mais vai se repetir  daquela maneira. Citou a lenda da escultura em gelo feita por Michelangelo que segundo as testemunhas oculares foi a mais bela obra do artista italiano. Quem vai desmenti-las?
                - Usualmente os ocidentais representam uma árvore com o tronco e os ramos, já os chineses e os japoneses a representam com o tronco e as raízes. É necessário sempre conhecer e aprofundar as raízes.
 
                Se já havia uma forte expectativa em relação aos espetáculos que serão apresentados, ela se tornou muito maior após as palavras do simpático e acessível encenador.
                Curioso e lamentável notar a presença muito pequena de atores e gente ligada ao teatro no público presente.
 
                JOGO DE CARTAS :ESPADAS estará em cartaz de 11 a 15 de outubro e JOGO DE CARTAS:COPAS de 22 a 25 de outubro no ginásio do Sesc Santo Amaro.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O HOMEM DE LA MANCHA


 
         Após 42 anos esta peça de Dale Wasserman, depois convertida em musical com músicas de Mitch Leigh e letras de Joe Darion volta a ser montada no Brasil. A primeira montagem brasileira dirigida por Flávio Rangel data de 1972 e tinha Paulo Autran e Bibi Ferreira nos principais papéis.
 
Capa do programa da montagem de 1972

         A transposição da ação de uma prisão da época da inquisição espanhola para um manicômio brasileiro da década de 1930 permitiu ao encenador Miguel Falabella não só se apropriar do universo de Bispo do Rosário nos cenários e figurinos como também se inspirar na montagem de Marat Sade de Peter Brook (encenada em São Paulo por Ademar Guerra em 1967) no que diz respeito à circulação dos loucos pelo espaço cênico. A encenação resulta num dos melhores musicais produzidos em São Paulo nos últimos anos com soluções cênicas bastante originais e bonitas como, por exemplo, a luta com os moinhos de vento, as movimentações das escadas e a cena de Quixote diante do espelho.
 
Foto de Rose Nagib
 
         Com physique du rôle perfeito para Cervantes/D.Quixote e interpretação e voz poderosas, Cleto Baccic domina o espetáculo e é muito bem secundado por Jorge Maya, um hilário Sancho Pança ; por Sara Sarres, que compensa alguns deslizes na voz pela beleza e forte presença cênica e Guilherme Sant’Anna que apesar de alguns trejeitos exagerados compõe com vigor o Governador, alter ego do próprio Bispo do Rosário.Nos papéis secundários cabe destacar a voz de Ivan Parente como o Padre.
 
Foto de Rose Nagib
 

         Lutar com todas as forças por uma causa, mesmo que aparentemente utópica é a bela mensagem da peça e ela pode ser resumida na letra da canção Sonho Impossível, interpretada por Cleto Baccic num dos momentos mais fortes e comoventes do espetáculo.
         Numa época onde impera o individualismo, a alienação e o comodismo O Homem de la Mancha chega em boa hora levando-se em conta que é um espetáculo de fácil assimilação, com acabamento de alto nível e  apresentado gratuitamente no Teatro do Sesi que é frequentado por público pouco acostumado à linguagem teatral. Pela reação calorosa ao final da peça no dia em que assisti o objetivo está plenamente alcançado.

         O Homem de la Mancha está em cartaz no Teatro do Sesi na Avenida Paulista 1.313 de quarta a sexta às 21h, sábados às 17h e 21h e domingos ás 19h. Espetáculo gratuito cujos ingressos devem ser reservados no site: www.sesisp.org.br