terça-feira, 29 de agosto de 2017

TCHEKHOV É UM COGUMELO


        Tempo de delicadeza. Tempo de singeleza. Tempo de beleza. Tempo, tempo, tempo...

         1900, ano em que Tchekhov escreve As Três Irmãs.

Olga Knipper e Tchekhov em 1901, ano da estreia de "As Três Irmãs" em Moscou.


        1972, ano em que o Grupo Oficina monta a peça por apenas alguns dias. (tive o privilégio de assistir a essa montagem, que tinha ar bastante melancólico e triste).


        1995, ano em que Zé Celso Martinez Corrêa dá histórica entrevista para um grupo de estudantes de teatro sobre a montagem de 1972.


       2017, ano em que André Guerreiro Lopes (um dos entrevistadores de 1995), reúne tudo isso em uma delicada viagem pelo tempo e que resulta em dos mais belos espetáculos presentes em nossa cena: TCHEKHOV É UM COGUMELO.


        Em 2010 quando assisti a Ilhada Em Mim escrevi:Eu queria ter veia poética para poder traduzir com palavras adequadas todas as sensações que tive ao assistir Ilhada em Mim. A encenação de André Guerreiro Lopes é absolutamente sensitiva e fica difícil escrever sobre ela de maneira racional.” A mesma sensação eu tive ao ver O Livro da Desordem e da Infinita Coerência (anterior a Ilhada Em Mim, mas que vi posteriormente) e eis que ela novamente se repete com este belíssimo Tchekhov É Um Cogumelo! André tem o dom de transformar poesia em ato cênico.
        O espetáculo, bastante complexo, coloca em cena literalmente o que se passa no cérebro do encenador mixando de forma extremamente harmoniosa os tempos citados acima. Um ato de “esculpir o tempo” como informa o belo e informativo programa.
        A mais que lúcida entrevista de Zé Celso serve como guia para o espetáculo sendo intercalada com cenas de As Três Irmãs onde Olga, Irina e Masha são representadas com muita sensibilidade por Helena Ignez, Djin Sganzerla e Michele Matalon e as canções são lindamente cantadas por Roberto Moura. Samuel Kavalerski e Fernando Rocha completam o harmonioso elenco.  A iluminação de Marcelo Lazzaratto e a trilha sonora de Gregory Silvar embalam suavemente toda a encenação e não contente em esculpir o tempo, Guerreiro Lopes esculpe também o lugar nos trazendo da longínqua Rússia do início do século 20 para as ruas de São Paulo de 2017 por meio da surpreendente participação do Grupo Embatucadores. É muita emoção para um espetáculo só!
             A peça também comemora os dez anos do Estúdio Lusco-fusco, a companhia teatral criada por Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes.
        Cada um à sua maneira, Tchekhov É Um Cogumelo e Boca de Ouro (direção de Gabriel Villela, em cartaz no Tucarena) são, na forma, os dois mais belos espetáculos em cartaz na cidade, além, obviamente, da qualidade de seus conteúdos.
        TCHEKHOV É UM COGUMELO está em cartaz no Teatro Anchieta até 08/10/2017 às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h.
        IMPERDÍVEL!!

27/08/2017

       
       
       





domingo, 27 de agosto de 2017

ESPERANDO VISITAS



PREÂMBULO:
        Considerando o ano de 2017 até agosto, em média, aconteceram em São Paulo 57 estreias e reestreias de peças de autores nacionais por mês. Um total de 456 títulos entrou em cartaz na cidade, sem considerar espetáculos de autores estrangeiros, stand ups, teatro infantil e títulos que não constaram dos guias de teatro (fontes de dados para esta pesquisa). O número de espetáculos ao mês se mantém constante (cerca de 160), isso indica que há uma rotatividade de 57 dramaturgos nacionais ao mês. Sendo mais claro: se estreiam 57, despedem-se de cena também 57. Essa pesquisa que remonta a 1990 também indica que a maioria dos autores aparece uma única vez, desaparecendo depois ou por falta de novas oportunidades ou porque não tinha muito a dizer.
        No perverso sistema atual grande parte dos espetáculos tem a possibilidade de se apresentar apenas uma ou no máximo duas vezes por semana o que ocasiona grande dificuldade de concentração e aquecimento, principalmente para os atores.

A PEÇA:
        É nesse cenário que se inscreve a peça Esperando Visitas, em cartaz apenas às quintas feiras no Viga Espaço Cênico. Eu já havia apreciado as qualidades do texto de Fernando Magalhães Rangel quando fui júri do Concurso de Dramaturgia do Instituto Capobianco que classificou essa obra entre o que julgou serem os dez melhores trabalhos enviados. Os diálogos muito bem estruturados, o bom português e o jogo de não revelar quem está com a verdade deixando as conclusões e reflexões para o espectador são, a meu ver, as grandes qualidades do texto, tendo apenas um salto dramatúrgico que soa artificial quando a protagonista Margarete revela o verdadeiro motivo do seu convite a Torquato, o outro personagem da peça. O texto tem muitos pontos em comum com aqueles de Edward Albee.
        Esse jogo de palavras às vezes nostálgico e quase sempre agressivo e rancoroso é bem defendido   pelos atores Denise Machado e Fábio D’Arrochella. Denise transita muito bem entre a arrogância da mulher bem sucedida nos negócios e a fragilidade de alguém que tem algo sério a revelar. D’Arrochella defende seu Torquato com um bem vindo toque de humor e sabe tirar partido dos silêncios e das reações ao ouvir a sua interlocutora, assim como das reações violentas que seu personagem tem em certos momentos.
        A direção de Zeca Sampaio é sóbria valendo-se da atuação dos atores, do belo cenário em branco e preto estilizando a frieza de uma cidade grande e da iluminação que não só ilustra os sentimentos das personagens em determinados momentos, como separa suavemente os três curtos atos em que a peça foi dividida. Cenário e iluminação são de autoria do encenador.
        Os figurinos foram criados pela atriz Denise Machado. O da atriz segue a linha branco e preto do ambiente e o do ator tem certo ar relaxado próprio do seu personagem.
        A peça deve sair de cartaz nesta semana e por seus méritos merece uma segunda temporada na cidade, quem sabe dando uma chance aos atores de representar mais do que uma vez por semana.

27/08/2017


quinta-feira, 17 de agosto de 2017

BOCA DE OURO


Foto de João Caldas Filho

        Costumo escrever a matéria de um espetáculo um ou dois dias após a ele ter assistido, mas quando o deslumbramento é muito grande procuro dar um tempo, esperar a poeira baixar e então voltar a ele, com menor perigo de adjetivar demais. Já faz uma semana a que assisti Boca de Ouro e ainda me sinto tocado pela beleza e perfeição da leitura de Gabriel Villela para o texto de Nelson Rodrigues, que, assim como A Falecida, tem sólida estrutura dramatúrgica, seja na determinação dos personagens, no desenvolvimento da trama ou no final surpreendente. Tudo funciona no texto que faz perfeito retrato do subúrbio carioca e a encenação de Villela, sem abandonar a estética do encenador, tem ar e ambiente que condizem com o original de Nelson Rodrigues. Ao contrário de outras montagens do diretor, são poucos os elementos em cena: várias mesas, cadeiras e copos simulando cabaré da Lapa e uma poltrona no meio da cena que terá diferentes funções durante a apresentação. O toque barroco, característico de Villela, fica por conta dos figurinos coloridos e esplendorosos (cenário e figurinos são assinados pelo diretor).
        Nesse cenário, sob a luz inventiva de Wagner Freire e ao som de músicas de diversas épocas do cancioneiro popular brasileiro interpretadas por Mariana Elisabetsky desfilam e agem as personagens criadas por Nelson Rodrigues.
        Lavínia Pannunzio, dona de imenso talento já comprovado em inúmeros trabalhos, merece destaque especial como Guigui, a personagem que conduz a trama contando três versões do assassinato de Leléco (Claudio Fontana, ótimo, lembrando vocal e corporalmente de Luís Mello em Paraíso Zona Norte (1989). Mel Lisboa cresce a cada nova interpretação, sua Celeste tem ao mesmo tempo a sensualidade e a agressividade pedida pelo autor, além da voz de poderoso alcance. Chico Carvalho empresta sua irreverência ao repórter Caveirinha e diverte na pele da granfina Maria Luísa. Leonardo Ventura tem ótima máscara como o velho corcunda Agenor, marido de Guigui, mas parece menos à vontade no concurso de seios do que suas “companheiras” Cacá Toledo e Guilherme Bueno. Malvino Salvador, buscando novos caminhos, se sai bem como o protagonista. Mariana Elisabetsky tem bela voz apesar de indesejável trinado nos momentos mais agudos. Jonatan Harold se incumbe do piano e de algumas figurações. Louvem-se a coesão e o espírito de conjunto do elenco, além da perfeita emissão de voz que torna o todo audível na complicada acústica do Tucarena.
        Na trilha sonora cabem tanto clássicos (Cidade Maravilhosa) como canções contemporâneas (De Frente Pro Crime) e até Bang Bang (My Baby Shot Me Down) todas elas adequando-se e comentando a ação.
        Boca de Ouro é espetáculo que beira a perfeição. Villela conseguiu, de maneira criativa e talentosa, transformar a tragédia carioca de Nelson Rodrigues em impactante melodrama expressionista, sem trair a intenção do autor.
        E não se pode deixar de comentar sobre o inventivo uso dos dedais que exercem várias funções durante a peça.


        BOCA DE OURO está em cartaz no Tucarena às sextas e sábados às 21h e domingos às 18h30.
        ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

17/08/2017


segunda-feira, 14 de agosto de 2017

AS CRIADAS


        ... E o verbo se fez carne nas presenças hipnóticas de Bete Coelho e Magali Biff. Há muito tempo não se presenciava em teatro texto tão bem pronunciado e interpretado como nesta montagem extraordinária da não menos extraordinária peça de Jean Genet.
        A peça joga com a alteridade de maneira absolutamente perfeita. Logo em seu início a criada Claire incorpora a Madame enquanto sua irmã Solange a incorpora: está criado o jogo de espelhos que por meio das artimanhas das irmãs para assassinarem a Madame nos leva até o inesperado final. Genet escreveu o texto em 1947, época de desencanto da Europa do pós guerra, terreno fértil para surgir o teatro do absurdo de Beckett, Ionesco e onde ele também se situa. Genet, porém, pelo seu próprio modo de vida, acrescenta enorme dose de crueldade em seus escritos e As Criadas é exemplo disso.
        A montagem do polonês Radoslaw Rychcik tem simples, mas grande achado cênico que é a colocação de telão no alto do palco onde se pode ver os vários ângulos dos rostos e expressões das atrizes; outro fator que enriquece a montagem é a trilha sonora minimalista dos poloneses Michal Lins e Piotr Lis que comenta a ação e amplia o suspense da trama. A trilha é tocada ao vivo por músicos brasileiros.
        As interpretações das duas criadas são milimetralmente planejadas no gestual, na emissão de voz e na movimentação cênica. Atreladas a duas poltronas na maior parte do tempo, Bete Coelho e Magali Biff deixam os perplexos espectadores sentados na ponta da poltrona aguardando o que vai acontecer. É surpreendente e estimulante acompanhar esse jogo cênico dessas duas grandes atrizes.


        Toda a organização interpretativa das criadas cai por terra com a chegada da Madame numa explosiva interpretação de Denise Assunção. Denise parece não respeitar texto nem marcação sendo um ótimo contraponto para os trabalhos comedidos de Bete e Magali, no entanto a atriz podia ser menos over em sua concepção da personagem e em suas improvisações. Diga-se de passagem, que a atriz abre o espetáculo com exuberante figurino cantando O Morro Não Tem Vez, emblemática canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes que cai como uma luva para a proposta do diretor de colocar uma negra no papel de Madame.
        As Criadas de Jean Genet revisitada por Radoslaw Rychcik vai ficar para a história e as interpretações de Bete Coelho e Magali Biff deverão fazer parte das antologias que reúnem trabalhos excepcionais de nossas atrizes.
        A peça cumpriu temporada no Sesc Santana de 14/07 a 13/08, após ter sua estreia mundial no FIT – Festival Internacional de Teatro de Rio Preto. QUEM VIU, VIU!


14/08/2017

terça-feira, 8 de agosto de 2017

CÉLIA HELENA




        Com seu olhar melancólico, seu corpo esguio, seu belo rosto e sua voz personalíssima Célia Helena iluminou a cena paulistana por quatro décadas desde sua estreia em São Paulo em 1955 (ela havia feito Inimigos Íntimos em 1953 no Rio de Janeiro) com Os Três Maridos de Madame até 1992 em sua última aparição no teatro com Luar em Preto e Branco onde contracenava com Raul Cortez. Não assisti a nenhuma dessas duas montagens, mas tive a oportunidade de admirá-la muitas vezes a partir de 1964 quando a vi como a Tatiana de Pequenos Burgueses no Teatro Oficina. Foram muitas as emoções com suas interpretações viscerais e cheias de talento e de emoção, atingindo o auge, no meu ponto de vista, com a Magra na peça Pano de Boca de Fauzi Arap em 1976. No ano seguinte, a atriz inaugurou o Teatro Célia Helena e sua escola de teatro que passou a ocupar cada vez mais o seu tempo até o triste desaparecimento em 1997, após longa enfermidade.


1963 - Pequenos Burgueses

1976 - Pano de Boca

        A atriz também fez cinema e televisão, mas apesar de efêmero na forma, o teatro é a arte que melhor guarda na memória a sua presença.


        O ano de 2017 marca os 20 anos da morte da atriz e os 40 anos do surgimento do Teatro Escola que leva seu nome e hoje é administrado por sua filha Ligia Cortez. Datas redondas são apenas datas, mas servem para nos fazer lembrar e assim não deixar cair no esquecimento grandes nomes do nosso teatro, assim como seus principais trabalhos e, neste caso, empreendimentos como o Teatro Escola que de cursos profissionalizantes de teatro passou a Escola Superior de Artes com cursos de graduação e pós-graduação em artes cênicas, tendo formado muitos profissionais que hoje estão nos nossos palcos.
        Fica aqui o registro das saudades de Célia Helena (13/03/1936-29/03/1997) e do seu grande talento. 


               Nydia Licia, outra grande atriz de nossos palcos e colaboradora no Teatro Escola, escreveu um belo livro sobre Célia Helena intitulado Uma Atriz Visceral (Imprensa Oficial, 2010).  O volume é repleto de fotos e contém a lista completa de peças, filmes e novelas estrelados pela atriz.

08/08/2017
         


A PALAVRA PROGRESSO NA BOCA DE MINHA MÃE SOAVA TERRIVELMENTE FALSA


        Após sua publicação pela É Realizações Editora, com bastante frequência a obra do dramaturgo romeno Matéi Visniec tem sido posta em cena em nossos palcos. Agora chegou a vez de um de seus melhores trabalhos pelas mãos do encenador Reginaldo Nascimento


        A Palavra Progresso na Boca de Minha Mãe Soava Terrivelmente Falsa é um épico que trata dos desastres e da insanidade das guerras e a existência de fronteiras tendo como base uma família cujos pais procuram o corpo do filho morto na guerra e que foi enterrado em valas comuns em uma floresta. A peça é constituída por cenas envolvendo o pai, a mãe, o filho morto, a filha que se prostitui e seu entorno (o novo vizinho, a velha louca e o pessoal do prostíbulo). São cenas curtas muito bem construídas, muitas delas constituídas de monólogos. Apesar de se ambientar no pós-guerra da desintegração da Iugoslávia a peça tem caráter universal na sua denúncia anti- bélica.
        O diretor soube organizar essas cenas de maneira bastante dinâmica, não deixando pontos mortos entre elas. Os personagens circulam harmonicamente pelo cenário idealizado pelo diretor e por Déris Alves mostrando mais uma vez o talento de Nascimento para coreografar cenas de conjunto. A iluminação da peça dialoga com a proposta com o senão de dois spots ligados no rosto do público que prejudicam a visão e não têm muita (ou nenhuma) função.
        A montagem é prejudicada pela irregularidade do elenco. Enquanto Felipe Oliveira (o filho), Francisco Cruz (o novo vizinho e a travesti), Fernanda Tessitore (a filha) e Geni Sau (a velha louca) têm bons desempenhos; Reinaldo Fonseca (o pai) e Beatriz Alves (a mãe) deixam a desejar, ela pelos problemas de dicção e ele também pela dicção e pelo gestual não condizente com o personagem. Uma pena, pois são os personagens mais importantes da peça, tendo ela o momento mais tocante com o monólogo onde confessa que “... uma mãe feliz é uma mãe que sabe onde estão enterrados seus filhos”. O restante do elenco, em papeis menores, cumpre seu papel.
        Apesar desses senões, A Palavra Progresso na Boca da Minha Mãe Soava Terrivelmente Falsa merece ser vista. Está em cartaz no Teatro Commune às quartas e quintas às 21h até 19/10.

O8/08/2017
       

        

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A MULHER QUE DIGITA


        A Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP completa sua 3ª edição com a apresentação de A Mulher Que Digita, ora em cartaz.
        Sucesso de público e de critica em suas duas primeiras edições (Mantenha Fora do Alcance do Bebê de Silvia Gomez/2015 e Os Arqueólogos de Vinicius Calderoni/2016 foram merecidamente aplaudidas e premiadas e os quatro outros títulos também tinham ótimo nível), o mesmo não aconteceu em 2017, onde uma direção equivocada prejudicou o bom texto de Boi Ronceiro e ANTIdeus ficou apenas na excelente intenção, aquela de denunciar o fanatismo de religiões monoteístas.
        Eis que a redenção da III Mostra chega com A Mulher Que Digita instigante texto de Carla Kinzo que coloca duas mulheres em cena, confinadas em um apartamento, sendo que lá fora reina a violência e há toque de recolher em determinado horário. Em clima de suspense uma dessas mulheres dita à outra uma terrível história sobre o assassinato de um jovem. Aos poucos a mulher que digita vai se envolvendo com a narrativa e a partir daí ficção, realidade e os papeis de cada personagem vão se entrelaçando em inteligente jogo de metalinguagem aonde o crescente ruído vindo da rua atinge níveis insuportáveis até se calar aos exatos 71 minutos da ação. A inclusão da canção Strange Fruits de e com Billie Holyday encaixa-se como uma luva ao tema tratado na peça.
        Louve-se a reação do público na noite da estreia que soube entender o código teatral imposto pela direção e aplaudiu no momento certo. É entendível, pela característica da encenação, que as atrizes não voltem para os agradecimentos finais, mas a devolução por meio dos aplausos da energia fornecida por elas durante a ação  fica retida na garganta do espectador.
        De acordo com a proposta da Mostra que é revelar bons textos dramatúrgicos, a encenadora Isabel Teixeira deu prioridade para o texto fazendo-o ecoar da melhor maneira nas vozes das atrizes. O cenário concebido pelo grupo e por Michel Castro é sóbrio e eficaz e o ambiente tem iluminação de Aline Santini que se aproveita muito bem das sombras e das penumbras para fortalecer a ação dramática.
        Sabrina Greve usa sua figura esguia para exteriorizar a segurança inicial da mulher que dita e que detém o conhecimento da história. No decorrer da ação ela vai perdendo essa segurança nas interlocuções com a mulher que digita vivida por Andrea Tedesco; esta demonstra um misto de perplexidade e curiosidade com o que vai ouvindo e suas interrupções na digitação têm saudável toque de humor que amenizam a tensão provocada pelo tema tratado. As interpretações confirmam o talento dessas duas jovens atrizes do nosso teatro.
        Segundo Kil Abreu, curador do projeto, a edição de 2018 recebeu mais de 300 inscrições o que consolida o sucesso e a importância desse evento. Longa vida à Mostra de Dramaturgia em Pequenos Formatos Cênicos do CCSP.
         A MULHER QUE DIGITA está em cartaz no Centro Cultural São Paulo às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 20h até 27/08.


07/08/2017

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

JULHO 2017: O livro, os bons espetáculos e o mais belo dos filmes.


         O mês de julho foi bastante gratificante para mim. O lançamento do meu livro O PALCO PAULISTANO DE GOLPE A GOLPE (1964-2016) levou mais de 150 pessoas à Casa das Rosas na muito fria noite do dia 19 e como espectador, tive o privilégio de assistir a ótimos espetáculos. Alguns deles foram comentados neste blog (O Dragão de Fogo, Patética, Hotel Mariana e Pescadora de Ilusão), mas houve muitos outros e por total falta de tempo não pude escrever sobre eles, faço então uma resenha daqueles que mais me surpreenderam:

- SÚTIL VIOLENTO – Produção da Companhia de Teatro Heliópolis, dirigida por Miguel Rocha. Bastante voltado para a expressão corporal, o espetáculo chega a lembrar dos laboratórios performáticos muito em voga nos anos 1970, dos quais O Terceiro Demônio do Grupo TUCA é o melhor exemplo. Elenco e músicos coesos e em sintonia com a proposta do encenador.

- IMORTAIS – A peça de Newton Moreno tem brilhante monólogo inicial realizado com toques de humor por Denise Weinberg onde sua personagem, uma velha que vai morrer, quer passar seus últimos momentos próxima à cova de seu marido. Infelizmente na continuação a peça não se mantém nesse nível. Direção de Inez Viana.

- A VOZ QUE RESTA – A peça é um intenso exercício de interpretação de Gustavo Machado representando homem carente tanto física como espiritualmente de sua amante Marina. Ele grava uma fita cassete para ela durante toda a ação da peça. Texto bem elaborado por Vadim Nikitin que também dirige o espetáculo. A iluminação de Aline Santini acompanha e ilustra o desespero do homem. A carência física atinge seu auge quando para amenizá-la o homem se masturba na forte e necessária cena final.

- CHORUME – Mais um texto inusitado de Vinicius Calderoni em uma encenação bonita e interessante do próprio autor onde os atores fazem deslocamentos bastante originais em cena contracenando com o cenário móvel de André Cortez e com a iluminação de Wagner Antonio.


- FOME.DOC – O roteiro de Fernando Kinas é uma antologia sobre a fome que inclui notícias de jornais, relatórios, Josué de Castro, Kafka e até O Comedor de Gilete, música de Carlos Lyra, popularizada por Ary Toledo. O extenso material resulta em espetáculo muito longo, apesar das ótimas interpretações da brechtiana Fernanda Azevedo que comenta com distanciamento cada palavra que profere e de Renan Rovida, este, uma excelente surpresa. Espetáculo sério, engajado e muito necessário para os dias que vivemos.

- NU DE BOTAS – Simpaticíssimo e gostoso espetáculo mostrando o universo de uma criança (Antonio Prata) com a descoberta das relações (a separação dos pais), do sexo e da morte. Elenco espontâneo com interpretações naturalistas. Direção de Cristina Moura.


- MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS – Remontagem da adaptação de Regina Galdino da obra de Machado de Assis que fez sucesso há 19 anos com Cássio Scapin. Agora quem veste a roupa de Brás Cubas com muita verve, ironia e graça é Marcos Damigo que tem porte, flexibilidade corporal e vocal. Ótimo trabalho.


- A MORTE DE IVAN ILITCHTour de force de Cácia Goulart vivendo Ivan Ilítch do vigor como juiz à decadência e agonia até a morte. A adaptação jaz jus à magnífica novela de Tolstoi. A peça que cumpriu temporada há alguns anos, foi apresentada apenas por duas vezes na Biblioteca Mario de Andrade e merece um retorno ao cartaz.

- PARA NÃO MORRER – A figura em cena lembra uma velha feiticeira sábia detentora dos segredos da humanidade focando sua atenção em mulheres guerreiras, militantes e resistentes presentes no livro Mulheres de Eduardo Galeano. A personagem tem o braço esquerdo e parte do lábio paralisados. Interpretação vigorosa da atriz curitibana Nena Inoue que tem o corpo nu coberto por vasta cabelereira.


- OS ATINGIDOS – Alguns dirão “Mais uma peça tratando da tragédia de Mariana?”... Mas seriam necessárias mais de uma dezena delas para denunciar essa barbaridade que só podia acontecer em um país onde imperam a impunidade e o descaso pelas vidas humanas. Enquanto Hotel Mariana nos pegava pela emoção, Os Atingidos o faz pela razão. Em ambos os casos fica explícita a denúncia necessária dos fatos ocorridos em 05 de novembro de 2016. O grupo esteve em Mariana e trouxe alguns objetos que têm papel importante na dramaturgia de cena. O texto de José Fernando Peixoto de Azevedo (também diretor) baseado em depoimentos recolhidos no local e nas notícias da mídia é bastante consistente. Elenco afinado e ótima utilização de recursos cinematográficos que dão caráter épico à encenação. O operador de vídeo tem papel tão importante em cena quanto os atores.


- ON LOVE – Espetáculo de Francisco Medeiros que se assiste com um sorriso (às vezes, amargo) nos lábios. São seis monólogos falando de relacionamentos amorosos em suas mais diversas formas. Três deles foram escritos pelo dramaturgo escocês Mick Gordon e os outros três foram criados pelos atores seguindo o mesmo modelo de Gordon. Interpretação espontânea e bem equilibrada dos três atores (Eloisa Elena, Claudio Queiroz e Júlia Moretti), auxiliados pelos adereços criados por Marisa Bentivegna (malas de madeira que contém roupas, plantas e bancos). Há um intermezzo coreografado que prepara a última cena que é verdadeiro balé. Ah, a magia do teatro! Um imenso tapete vermelho limita a ação do gostoso espetáculo onde o público fica no palco, bem juntinho aos atores.

         Com exceção de Sutil Violento (em cartaz na Casa de Teatro Maria José de Carvalho até 27/08), Chorume (em cartaz no Sesc Bom Retiro até 13/08) , Fome.doc (em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 20/08) e Memórias Póstumas de Brás Cubas (em cartaz no Teatro Eva Herz até 29/09), todos os outros trabalhos já saíram de cartaz.

         A resistência da nossa gente de teatro emociona e nos faz ter forças para bradar EVOÉS pela cultura deste país que tanto dela necessita.


         Ainda neste mês assisti se não ao melhor, ao mais belo filme do ano: POESIA SEM FIM, do diretor chileno Alejandro Jodorowski. Raro e belíssimo e muito diferente de tudo que já vi na vida. Lembra Fellini nas reconstituições e no onírico, mas vai mais fundo no surreal . Assisti de boca aberta e me tirou do chão.

01/08/2017