terça-feira, 30 de setembro de 2014

O FRESCOR DE "NÃO NEM NADA"



     Em setembro de 1970, auge da ditadura militar, Augusto Boal criou o Teatro Jornal, uma colagem de notícias dos jornais dramatizadas de várias maneiras e interpretadas por jovens atores (Denise Del Vecchio- que ainda assinava Falotico-, Celso Frateschi e Dulce Muniz, entre outros). Criado para driblar a feroz censura da época e para dialogar com os jovens espectadores/estudantes o Teatro Jornal fez muitos seguidores, principalmente, entre os muitos grupos de teatro universitário existentes na época e tempos depois praticamente saiu de moda, dando lugar às criações coletivas e depois aos processos colaborativos.
 
 
     No domingo ao assistir Não Nem Nada esse tipo de espetáculo me veio à lembrança. Inspirado naqueles  vídeos inúteis que grassam no you tube; em frases pomposas e vazias declaradas por astros do futebol, por celebridades instantâneas que posam para a revista Caras ou ainda por participantes dos famigerados reality shows; Vinicius Calderoni criou uma sequencia de 12 cenas que dialogam com o público jovem presente na plateia e que tem esses fatos como uma presença constante em seu dia a dia. A crítica/denúncia à ditadura militar dos anos 1970 dá lugar à crítica/denúncia ao lixo cultural produzido pela sociedade contemporânea no século 21.
     Não Nem Nada é um espetáculo DE jovens (o autor/diretor e o elenco devem ter cerca de 30 anos ou menos) PARA jovens (a idade média do público era inferior a 30 anos) e esse público reage com muita empolgação às cenas apresentadas. O público mais velho, mesmo não “sacando” algumas das citações também se delicia com o frescor da encenação, interpretada por dois atores (Geraldo Rodrigues e Victor Mendes, este substituído com muita espontaneidade pelo autor/diretor na noite em que assisti à peça) e duas atrizes (Mayara Constantino e Renata Gaspar) todos eles talentosíssimos e com muita versatilidade para interpretar situações e personagens bastante diversas em pouco mais de 60 minutos.
 
Fachada do Teatro do Núcleo Experimental
 
     Não Nem Nada é um espetáculo do Empório de Teatro Sortido co-dirigido por Rafael Gomes e está em cartaz no aconchegante Teatro do Núcleo Experimental (Rua Barra Funda, 637) até 18/10: sextas às 21h30, sábados às 21h e domingos às 19h. Reserve ou chegue cedo, pois as sessões têm tido lotação esgotada.
 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

OS QUE VÊM COM A NOITE... PESSOAS PERFEITAS SEGUNDO OS SATYROS



Foto de André Stefano

                O que fazem as “pessoas perfeitas” desta peça durante o dia? Elas não existem!! Aqueles oito seres são como duendes que só adquirem vida à noite vagando pelas ruas da cidade grande à procura de carinho, amor ou pelo menos a migalha de uma atenção, de um “boa noite”. São seres solitários, tristes na sua incompletude que buscam de qualquer modo um olhar ou um aceno de mão. De alguma maneira essas “pessoas perfeitas” vagueiam pela noite vampirizando os seus semelhantes que são tão “perfeitos” e tão carentes quanto elas, resultando daí encontros quase sempre com final trágico. É tocante a maneira como Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez retratam esses seres tão frágeis e tão humanos inspirados em histórias de moradores do centro da cidade recolhidas pelos dois autores. Binho, Cacilda, Robalo, Ruy/Sarah, Dona Esperança, Maristela, Elder e Medalha são figuras com quem esbarramos a toda hora e que têm alguma coisa de nós mesmos que também vagamos pelas ruas à procura sabe-se lá do que.
                Partindo dessas personagens marginalizadas, Rodolfo García Vázquez realiza um espetáculo pelo viés poético onde predomina a compaixão por elas. Como seres mágicos eles perambulam pelo espaço cênico mostrando suas fragilidades e suas humanidades por meio de máscaras expressionistas que lhes cobrem os rostos. A encenação tem muitos pontos em comum com A Vida na Praça Roosevelt, obra prima dos Satyros encenada em 2005 com texto da alemã Dea Loher e também dirigida por García Vásquez.
 
Ivam Cabral - Foto de André Stefano

                Do elenco bastante homogêneo destaquem-se os belos momentos de Eduardo Chagas , o velho açougueiro acomodado e de Ivam Cabral que vive a dualidade de Ruy e Sarah. A solução adotada para a personagem de Dona Esperança é muito bonita e reserva a ela o comovente final da peça.
 
Marta Baião e Eduardo Chagas - Foto de André Stefano
 
                Tanto ao entrarmos como ao sairmos do teatro vemos os atores preparando-se  em seus camarins e isso dá um toque adicional à magia do espetáculo.

                “Ai! A solidão vai acabar comigo”, desabafará a personagem da cantora frustrada e o público com muito carinho vai lhe dizer: “Boa Noite, Maristela”.

 

                Pessoas Perfeitas está em cartaz no Espaço dos Satyros 1 de quinta a domingo às 21h, até 26 de outubro. NÃO DEIXE DE VER.

sábado, 13 de setembro de 2014

MAIS MOMENTOS DO MIRADA


        Sexta feira. Penúltimo dia do MIRADA. Saldo bastante positivo. Cerca de 70mil pessoas assistiram até agora aos espetáculos apresentados em vários pontos da cidade e fora dela. Assisti a 16 espetáculos, nove deles já comentados neste blog. Segue uma breve resenha daqueles ainda não comentados:
 
        YERMA é uma encenação minimalista portuguesa do texto de Garcia Lorca que ficou comprometida ao ser apresentada no imenso Teatro Coliseu. Apenas um ator, uma atriz e um músico com projeções de imagens ao fundo procuram dar conta do drama de Yerma. Falhas na iluminação também prejudicaram a apresentação.

        OS B. CONSIDERAÇÕES APOLÍTICAS SOBRE O NACIONALISMO. Espetáculo boliviano encenado de forma naturalista que mostra uma família burguesa decadente recordando seus dias de glória e discutindo o sentido da vida. O tema tem algo a ver com a obra de Jorge Andrade, mas a dramaturgia está bastante aquém do nosso, injustamente esquecido, dramaturgo. As interpretações são apenas corretas.

        O VENTRE DA BALEIA. Vindo da Colômbia, este instigante espetáculo trata com humor negro de tema ousado e pouco tratado pelo teatro (o tráfico de órgãos e de bebês).

Divulgação

        CÁDIZ EM MEU CORAÇÃO. Espetáculo espanhol dirigido por Pepe Bablé, um dos curadores do MIRADA. Três atrizes e um ator contam por meio do excelente texto de Abel González Melo a história de Dolores, uma locutora de rádio frustrada com a vida monótona que leva junto à mãe possessiva, conservadora e proprietária de uma confeitaria cujo nome dá título à peça. Dolores vive de recordar o passado e de idealizar o futuro por meio de cartões postais de lugares que sonha visitar. Há ótimos momentos de metateatro quando Dolores jovem e estudante de arte dramática busca encenar os dramaturgos clássicos espanhóis. Belíssimo trabalho de atores.

Divulgação


        MENORES QUE O GUGGENHEIM. Ótima surpresa vinda do México. Com muito humor conta-se a história de dois amigos que após tentativa frustrada de viver na Europa voltam para o México e sem nenhum dinheiro pretendem montar uma peça sobre suas experiências. Juntam-se a dois não atores e iniciam os ensaios de Os Insignificantes, peça para a qual o autor não consegue dar um final. Mais um espetáculo que tem o teatro como tema usando linguagem próxima àquela do teatro do absurdo. O espetáculo transita com fluidez entre cenas muito engraçadas e outras dramáticas como a morte da filha de um dos personagens. O título refere-se à pequenez do homem diante da monumentalidade arquitetônica do Museu Guggenheim em Bilbao. Os atores têm um ótimo tempo de comédia e nos divertem muito, além de nos fazer refletir sobre a solidão do homem contemporâneo.
 
 
      NUESTRA SENHORA DE LAS NUVENS. O poético texto sobre exílio escrito pelo argentino Aristides Vargas é em boa hora revisitado pelo grupo de Natal, Clowns de Shakespeare. Relatos de exilados brasileiros foram inseridos no original dando um caráter épico à montagem. Os quatro bons atores dão conta das várias personagens. O inventivo cenário composto de nuvens ao fundo, malas e um monte do torrão natal complementam o ambiente da montagem. A peça estreou no MIRADA e ainda carece de ritmo, fato que com certeza será sanado ao longo da temporada.
 
Divulgação


      O JARDIM DAS CEREJEIRAS. Um Tchekhov montado na medida certa: boas interpretações,  cenário simples e sugestivo, iluminação em cor sépia e direção delicada que privilegia as palavras do belo texto do autor russo. O grande público, talvez assustado com o palavreado e a perspectiva da longa duração do espetáculo (2h20), fez uma verdadeira debandada na primeira meia hora, mas os que ficaram tiveram o privilégio de assistir a um grande momento do MIRADA.
 
 

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

AVE LOLA CONTA TCHEKHOV


 
        O curitibano Ave Lola liderado pela irrequieta Ana Rosa Tezza tem uma curta, mas marcante trajetória. Com sede própria na cidade de Curitiba o grupo privilegia o acolhimento, fato raro nos teatros brasileiros. Ave Lola iniciou suas atividades com O Malefício da Mariposa de Garcia Lorca e seu mais recente trabalho é Tchekhov.
 
 
        Um palco bonito e delicado sem cortinas é uma moldura que delimita o espaço cênico a princípio vazio. Com o terceiro sinal as luzes da plateia se apagam e o espaço agora iluminado vai sendo preenchido pelos atores, pelos músicos, cenários e objetos de cena para nos encantar contando um pouco da vida e da obra do dramaturgo russo Anton Tchekhov (1860-1904).
        A dramaturga Ana Tezza alinhavou com muita criatividade o conto Aniuta, a peça A Gaivota e a correspondência trocada entre Tchekhov, Stanislavski (1863-1938), Dantchenko (1858-1943) e Olga Knipper (1868-1959) gerando uma nova partitura bastante autoral.
        Por outro lado, a encenadora Ana Tezza apropria-se de sua experiência com a estética do Théâtre du Soleil e da Commedia Dell’Arte para criar uma encenação originalíssima.
        Como uma alquimista Ana Rosa mesclou todos esses elementos que resultaram num espetáculo absolutamente original com a marca Ave Lola.
 
Foto de José Tezza

        A trilha sonora criada pelo Jean-Jacques Lemêtre, compositor oficial do Théâtre du Soleil tem um papel importantíssimo na trama e é executada ao vivo.
 
Foto de Felipe Guerra

        Há momentos inspiradíssimos e de rara beleza como a cena inicial sem falas dos ciganos, os ensaios de A Gaivota (apesar de haver certo exagero ao repetir por três vezes a tentativa das atrizes de imitar o coachar dos sapos), as poéticas intervenções dos coringas Boris (Evandro Santiago) e Liuba (Helena Burmann Tezza) e principalmente o monólogo final de Tchekhov criado a partir de uma criativa colagem de vários textos do autor.
        O elenco é bastante homogêneo, mas cumpre destacar os trabalhos de Marcelo Rodrigues (Tchekhov jovem e Dantchenko) e Val Sales (Tchekhov na maturidade).

        Tchekhov é espetáculo da melhor qualidade a ser visto e revisto por quem ama o teatro.

        Após as duas apresentações no MIRADA, a peça cumprirá temporada em São Paulo no Sesc  Santana de 27/09 a 19/10. NÃO DEIXE DE VER.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O CAVALEIRO DA MORTE


Apresentação no Emissário Submarino de Santos dentro do Festival MIRADA
 
     Este simpático grupo chileno tem o curioso nome de La Pato Gallina  e com esse nome também se apresenta como grupo de rock. Usando a estética dos filmes mudos a peça conta a saga do guerrilheiro idealista chileno Manuel Rodriguez e de seu fiel escudeiro, o corneteiro Guacho Pelado. Visualmente muito bonito o espetáculo apresenta os atores com máscaras brancas com traços expressionistas de cor preta que contrastam com o cenário também branco. A bela trilha sonora com forte teor rockeiro é tocada ao vivo.
 
 
     A eterna luta pelo poder é mostrada de maneira lúdica com cenas muito bem elaboradas como aquelas do encontro de Rodriguez com uma dama e a de sua morte.
 
 


 
     Em repertório com o elenco original há 14 anos, o espetáculo dirigido por Martín Erazo é um belo exemplo de teatro de rua bem produzido e que atinge todo tipo de público.
 
   ATENÇÃO SÃO PAULO: o espetáculo será apresentado gratuitamente no Sesc Campo Limpo no próximo domingo, dia 14 de setembro, às 18h. VALE A VIAGEM.

AFETOS E PROVOCAÇÕES


 

Os encontros e trocas entre grupos são complementos indispensáveis num festival de teatro, fato muitas vezes negligenciado pelos organizadores desses eventos. Com o sugestivo e  poético título de Afetos e Provocações o  Sesc criou uma série de atividades formativas, paralelas aos espetáculos apresentados no MIRADA ( Festival  Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos) que fomentam essa integração tão importante entre os grupos que se apresentam, os teóricos de teatro, os críticos, os produtores e mesmo o público que tem acesso a muitas dessas atividades. Sob a coordenação de Sergio Luis de Oliveira (Assistente da Gerência de Ação Cultural do Sesc São Paulo) e de Cibele Forjaz (conceituada diretora teatral paulista) estão se realizando oficinas, residências artísticas, debates (na atividade Pontos de Conexão foram apresentados relatos importantes sobre as cenas latino-americana, ibérica e brasileira), encontros entre grupos quer “semi-formalmente” nos Encontrões como informalmente na comedoria onde os envolvidos com o festival se reúnem para comer e para falar de teatro. Sob o título de Rede de Intercâmbio foi realizado um importante encontro onde os participantes discutiram e trocaram contatos com eventuais parceiros de trabalho no futuro.
 
Antônio Rogério Toscano e Grace Passô na mesa sobre a cena brasileira contemporânea do ponto de vista da dramaturgia.
 
Alexandre Mate e Cibele Forjaz na plateia do Teatro Coliseu.
 

No sexto dia do Festival as pessoas já se conhecem: brasileiros arranhando o espanhol, estrangeiros arranhando o português, mas todos falando sobre o que têm em comum: o amor ao teatro.
 
Encontrão II: Ana Tezza e Alexandre Mate.
 
 
Encontrão II em 10/09/2014

Não há a menor dúvida que todos vão sair enriquecidos desta terceira edição do MIRADA, Festival que está se consolidando como um dos mais importantes que se faz no país.

 

 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

PRIMEIROS MOMENTOS DO MIRADA 2014


 
     O evento MIRADA – Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos realizado pelo Sesc está em seu quarto dia.  Até o momento, assisti a sete espetáculos e já fui testemunha de três grandes momentos de estilos bastante diversos:
 
A Reunião - Foto de Jorge Becker
 
     A REUNIÃO: Há cerca de dois anos o grupo chileno Teatro em el Blanco  apresentou-se em São Paulo com duas peças escritas e dirigidas  por Guillermo Calderón : Neva e Diciembre. Espetáculos memoráveis, em especial Neva, que tratava das relações entre três atores durante ensaio em São Petersburgo em uma noite onde há grande agitação nas ruas, logo após a morte de Tchekhov. A atriz Trinidad González tinha uma participação marcante como a viúva do dramaturgo, Olga Knipper. Calderón deixou o grupo e Trinidad assumiu a liderança escrevendo, dirigindo e atuando nesta A Reunião, apresentada no final de semana no MIRADA. Estreia marcante como dramaturga e encenadora e reafirmação de um grande talento interpretativo. Trinidad representa a Rainha Isabel da Espanha num embate com Cristovão Colombo que foi aprisionado por abuso de poder. Diálogos ágeis e cortantes num teatro essencialmente de palavras (pouca movimentação cênica, cenário mínimo) onde a presença do ator faz o espetáculo. Trinidad revela todo seu talento de atriz nas falas e principalmente nos silêncios e é bem coadjuvada por Nicolas Pavez, um Colombo a princípio claudicante, mas que vai se apossando da situação ao longo da trama. Unanimidade entre os poucos privilegiados que o assistiram (foram só duas apresentações em um auditório com cerca de 100 lugares), este foi um dos grandes momentos do MIRADA 2014.
 
Irmãos de Sangue - Foto de Xavier Cantat
 
     IRMÃOS DE SANGUE da companhia carioca Dos à Deux vai no caminho oposto, contando sem nenhuma palavra a história de uma mãe e seus três filhos. Teatro gestual com iluminação precisa fazendo uso de muitos objetos que ilustram a ação e de trilha sonora especialmente composta para o espetáculo. Muito poético o espetáculo tem um dos inícios e finais mais bonitos já vistos em palcos brasileiros (a aproximação e o afastamento dos irmãos numa plataforma giratória). Mais um espetáculo obrigatório concebido pela dupla André Curti e Artur Ribeiro.
 
Utopia - Foto de David Ruano
 
     UTOPIA .  Espetáculo de dança flamenca concebido pela dançarina espanhola María Pagés com toques de dança contemporânea (Jerome Robbins/Bob Fosse), usando além das tradicionais guitarras e cantores flamengos, cello e um cantor brasileiro. O espetáculo é inspirado em Oscar Niemeyer e o cenário reproduz suas linhas e curvas. Os números de conjuntos são arrebatadores nos sapateados e palmas. Solos soberbos de María Pagés entre os números coletivos. Um espetáculo de dança arrebatador que se constitui no terceiro grande momento do Festival.
 
     Outros momentos: A IMAGINAÇÃO DO FUTURO da Compañia La Resentida do Chile faz uma revisão politicamente incorreta dos últimos dias do governo socialista de Salvador Allende que é mostrado como marionete viciado em cocaína e bastante covarde no momento em que o Palacio De la Moneda foi invadido pelos militares no dia 11 de setembro de 1973 de triste lembrança. Talvez pela visão romântica e obviamente distante que tenho de Allende fiquei perplexo pelo espetáculo que me parece transmitir a ideia de que a ditadura de Pinochet só existiu por causa do governo (sem dúvida utópico) de Allende. Espetáculo polêmico e, a meu ver, equivocado, apesar do bom trabalho dos atores. CHAPEUZINHO GALÁCTICO é uma performance do grupo espanhol Insectotròpics, integrando várias linguagens e com um som ensurdecedor. 13 SONHOS de grupo colombiano Teatro Odeon procura trazer uma atmosfera de sonho para a cena: são várias instalações (umas melhor realizadas que as outras) criando situações oníricas. Espetáculo que privilegia a forma em relação ao conteúdo. MATÉRIA PRIMA do grupo espanhol La Tristura discute juventude e maturidade sob o ponto de vista de quatro pré-adolescentes. Ideia interessante que não se realiza em cena.
     Além dos espetáculos o Sesc deu às atividades formativas destaque muito especial proporcionando debates e discussões sobre o fazer teatral, mas esse é outro assunto que fica para uma próxima vez.
 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

AS VOLTAS QUE UM PROGRAMA DÁ... (Memórias de um espectador apaixonado)



        Era o ano de 1964. Na flor dos meus 20 anos eu tinha acabado de entrar na Faculdade de Engenharia e já pressentia que aquilo não era o que eu queria, mas não tive coragem de largar o curso para não decepcionar meu pai que havia feito um grande esforço para que eu chegasse até ali e que também não podia imaginar o filho numa outra profissão que não fosse engenharia, medicina ou direito. Artes? Nem pensar!

        As artes, porém, serviram de escape para as agruras de um curso técnico em São Bernardo do Campo e dentre elas o cinema e o teatro foram meus preferidos. Além de algumas peças do Teatro Popular do Sesi, eu já havia assistido Quatro Num Quarto no Teatro Oficina.

        O recém-inaugurado Teatro Aliança Francesa apresentava a peça O Ovo, uma comédia francesa de Felicien Marceau dirigida por Jean-Lucien Descaves, com Armando Bogus,  Vera Nunes e grande elenco.  Não tenho lembranças desse espetáculo, a não ser que o programa do mesmo tinha na capa um ovo com um fundo amarelo. Guardei esse programa, junto com outros que fui adquirindo ao longo de minha vida de espectador, mas curiosamente ele sumiu, provavelmente numa das inúmeras mudanças que fiz na vida. Mais curioso ainda é que só ele sumiu, pois  os outros estavam todos lá.

        Passaram-se 47 anos e volta e meia olhando para os meus 4000 programas sabia que havia uma lacuna: aquele da inauguração do Teatro Aliança Francesa e também por ser uma das primeiras  peças a que assisti na vida. Circulando pelos sebos da cidade no dia 13 de janeiro de 2011 entrei no Sebo do Messias na Praça da Sé e remexendo numa papelada velha do setor de teatro vi um papel amarelo que parecia estar me chamando. Puxei o livreto e era ele: o programa de O Ovo, muito conservado, assim como eu o deixei há quase 50 anos atrás. Preço do tesouro: dois reais. Com o coração pulsando mais forte paguei a relíquia e continuei minha jornada, sabedor que aquele dia estava mais do que ganho e que agora meu acervo estava praticamente completo.

        Será que aquele programa saiu de minhas mãos naqueles 1960, passou pelas mãos sabe lá de quantas outras pessoas e voltava para mim tantas décadas depois, marcado pelas digitais de outros espectadores tão apaixonados como eu?  Ou ele havia pertencido a algum outro louco colecionador que provavelmente morreu e teve seu rico material jogado e espalhado sem critério pelos sebos da cidade? Aí comecei a pensar: será esse o destino do meu acervo quando eu não estiver mais por aqui?
 
 
 
        Todos esses pensamentos me ocorreram na última quarta feira, dia 28 de agosto, quando estive presente no coquetel de reabertura do simpático teatro da Rua General Jardim que já abrigou maravilhas como Black Out, A Megera Domada e A Cozinha, todas dirigidas por Antunes Filho; Diário de Um Louco, criação inesquecível de Rubens Corrêa, Dois na Gangorra com Lilian Lemmertz; Fala Baixo, Senão Eu Grito, memoráveis interpretações de Marília Pêra e Paulo Villaça; Exercício, com a inesquecível Glauce Rocha; Um Grito Parado no Ar de Gianfrancesco Guarnieri; espetáculos de humor com Jô Soares e a partir de meados dos anos 1980 a ocupação do espaço pelo Grupo TAPA que ali permaneceu por cerca de 15 anos realizando um irrepreensível trabalho de repertório. Com a saída desse grupo no início dos anos 2000 o teatro ficou fechado, reabriu meio sem rumo, tornou a fechar e agora parece renascer das cinzas oferecendo uma extensa programação até o final do ano contemplando principalmente o teatro de origem francesa, incluindo a volta do filho pródigo: o Grupo TAPA com duas peças de Jean Genet (As Criadas e Splendids).