domingo, 16 de julho de 2017

PESCADORA DE ILUSÃO

Carol Badra e Mel Lisboa. Foto de Deborah Schcolnic

        Por conta de levar a netinha Laura tenho tido contato com o teatro infantil que se faz na cidade e como já comentei em outra matéria é surpreendente a maturidade e a qualidade das produções infantis, muitas vezes bem superiores daquelas praticadas pelo teatro adulto.
        Ontem foi a vez de Pescadora de Ilusão, sugestiva adaptação de GpeteanH do livro A Mulher Que Matou os Peixes de Clarice Lispector. Trazer o universo e a lembrança dessa grande escritora para as crianças é extremamente louvável e o adaptador, que também dirige o espetáculo, o fez com muita delicadeza e cuidado. Momentos hilários como a relação da escritora com o cachorro e os patos cantores caipiras são pontuados com momentos sérios e tristes como a morte da macaquinha Lizete. A montagem dosa muito bem esses elementos fazendo as crianças se divertirem muito, mas também tomarem contato com despedidas e mortes.
        As atrizes-palhaças Carol Badra e Mel Lisboa se revezam nos papeis de Branco e Augusto narrando com muita graça e espírito os envolvimentos da pescadora/escritora com os animais: baratas, lagartixas, gatos, cachorros, jacarés, coelhos, patos e a graciosa Lizete desfilam pelo palco e pela plateia para a alegria das crianças e dos adultos presentes.
        A tão decantada efemeridade do teatro torna-se muito palpável em espetáculo com crianças presentes. Elas são em geral desinibidas e participativas, dando palpites e até subindo ao palco fazendo cada apresentação ser absolutamente única. Na sessão a que assisti dois garotos subiram abruptamente ao palco durante a apresentação dos patos. Um incrédulo pai corria atrás do seu garoto que fugia dele lhe dando verdadeiro drible. A plateia acompanhava a inesperada ação torcendo para que o pai não alcançasse o pequeno: Que maldade! Enquanto isso as atrizes contornavam a situação improvisando algumas falas. Do modo como aconteceu essa cena não se repetirá jamais, por isso, viva o teatro, arte única!
        Há muitos momentos deliciosos na peça como o sapateado dos coelhos e o quase balé inicial debaixo da chuva. Tudo pontuado pela direção de arte de Marco Lima, pela música de Pedro Paulo Bogossian e pelo talento das atrizes.
        Nas últimas cenas as crianças são convidadas a julgar se condenam ou absolvem a mulher que matou os peixes, devolvendo ou não seu coração. E a noção de justiça é mais um elemento a ser incorporado ao universo infantil.
        PESCADORA DE ILUSÃO é exemplo de bom teatro infantil e deve ser prestigiado pelos pais em busca de divertimento saudável, educativo e formador de público para os seus rebentos.
        Em cartaz aos sábados e domingos às 16h no Teatro Sérgio Cardoso até 30 de julho.

Carol Badra, Guto Togniazzolo, eu, Mel Lisboa e GpeteanH, ao final do espetáculo.


16/07/2017

terça-feira, 11 de julho de 2017

HOTEL MARIANA



 Triste tempo presente
Em que falar de amor e flor
É esquecer que tanta gente
Tá sofrendo tanta dor

(Augusto Boal e G. Guarnieri em Arena Conta Zumbi, 
a partir do poema Aos Que Vão Nascer de B. Brecht)


        Importa escrever sobre encenação, dramaturgia, interpretação, cenografia e iluminação diante da tragédia ocorrida em Mariana em novembro de 2015? Tragédia esta anunciada e decorrente do descaso de empresas e autoridades (in) competentes cujos únicos objetivos são a ganância e o lucro.
        Citando mais uma vez Boal/Guarnieri/Brecht: “A voz da minha gente se levantou e a minha voz junto com a dela” Como cidadãos (elenco e público), damos nosso grito de indignação com os fatos apresentados na peça, pois sabemos que “nossas vozes não podem muito, mas gritar nós bem gritamos; temos certeza que os donos da Samarca e as autoridades ficariam mais contentes se não ouvissem a nossa voz”.
        Só pelo tema tratado a peça causaria emoção e indignação mesmo que não fosse boa, mas se trata de uma das melhores montagens desta temporada de 2017 e como pessoa de teatro me restrinjo ao fato teatral, deixando o assunto em si para a mídia, sociólogos, antropólogos e historiadores. Fica a ressalva que isso não pode cair no esquecimento (como parece ser o caso da mídia) porque lembrar é resistir e vai aí talvez o maior mérito desta encenação idealizada por Munir Pedrosa.
        Seis dias após o acontecimento Pedrosa viajou para o local da tragédia e recolheu relatos de pessoas de Bento Rodrigues e Paracatu, dois locais afetados pelo tsunami de lama e rejeitos sólidos.


         De posse desse material foi organizando junto ao diretor Herbert Bianchi e ao elenco a dramaturgia do que viria a ser Hotel Mariana. A encenação usa a técnica Verbatim que já havia sido empregada por Zé Henrique de Paula em 2015 no espetáculo Ao Pé do Ouvido, no qual Bianchi participou como ator e dramaturgo. Segundo o programa da peça “Verbatim é um tipo de teatro documentário que reproduz no palco as palavras exatas de depoimentos reais sobre um determinado tema ou evento”. A técnica se encaixa como uma luva na proposta de Hotel Mariana. Munidos de fones de ouvido onde escutam o relato original os atores reproduzem não só as falas, mas a emoção do entrevistado.
        A organização cênica (cenário e disposição dos atores) de Herbert Bianchi é exemplar e muito bela, tendo um grande aliado no desenho de luz criado por Rodrigo Caetano.
        A atuação do elenco é pungente e vai ser muito difícil esquecer a expressão de dor estampada na face de Angela Barros, a canção entoada pelo velhinho representado por Rodrigo Caetano (que só fui reconhecer quando interpretou o prefeito da cidade) e a figura cômica e comovente do “herói” Arnaldo interpretado por Munir Pedrosa. Não disponho da relação ator/personagem do restante do elenco, mas todos sem exceção estão perfeitos em suas interpretações.




        Hotel Mariana é espetáculo impactante que merece retorno ao cartaz (a última apresentação foi em 10/07/2017 na Estação Satyros) por ser belíssimo e mais que isso, NECESSÁRIO E URGENTE!

11/07/2017



sexta-feira, 7 de julho de 2017

PATÉTICA


        No dia 13/10/1975 foi feita no Teatro Paiol uma leitura dramática da peça Concerto nº 1 Para Piano e Orquestra de João Ribeiro Chaves Neto, dirigida por Sérgio Mamberti. No programa o autor comenta sobre suas habilidades na arte de escrever e dá uma relação das peças já escritas e duas que estavam em preparação. Exatos doze dias depois, seu cunhado Wladimir Herzog foi covarde e brutalmente assassinado pelos órgãos repressores da famigerada ditadura militar nas dependências do DOI-Codi. O fato fez o dramaturgo mudar seus planos e escrever em regime de urgência uma peça que denunciasse o ocorrido. Assim surgia Patética que ganhou o Prêmio do Serviço Nacional de Teatro em 1977. Proibido o prêmio, a peça só foi editada em 1978 e só teve a liberação para montagem em 1980, quando foi dirigida por Celso Nunes e provocou fortes comoções em suas apresentações no Auditório Augusta.  Na ocasião, Sábato Magaldi escreveu “Ver Patética importa em emocionar-se e refletir maduramente sobre a História contemporânea do país”.


        “São Nuvens. São nuvens que passam”, comenta o personagem Hans, referindo-se aos tempos maus que a família vinha atravessando com a perseguição aos judeus durante a 2ª guerra mundial. As nuvens negras voltaram a assombrar a família em 1975 com a morte de Wlado.
        Passaram-se 42 anos. Estamos em 2017 e as nuvens insistem em não passar neste Brasil corroído pela corrupção e pelo ódio. Em bom momento a militante Companhia Estável de Teatro optou por uma nova montagem de Patética, porque mudam as moscas, mas...
        A encenação de Nei Gomes é límpida e reforça o lado circense da ação. O início da peça com a apresentação dos artistas do circo é alegre e movimentada. Quando Bolota, o palhaço líder do grupo anuncia a representação de uma peça sobre o assassinato de Glauco Horowitz, diga-se Wladimir Herzog, as nuvens começam a surgir no horizonte mostrando que o que está por vir não é nada engraçado. Acompanha-se a mudança de fisionomia do público à medida que a ação avança.
        Os cinco atores desdobram-se na interpretação dos artistas do circo e das personagens que retratam Wlado, seus pais, sua esposa, o cunhado (que é o próprio dramaturgo) e o torturador. Juliana Liegel faz uma fogosa Joana da Criméia, tornando-se dolorosamente mãe quando interpreta Ana. Paula Cortezia se sai muito bem como Iara Rosa, a gostosa da companhia, e adquire a gravidade necessária ao fazer Clara, a esposa. Osvaldo Pinheiro faz um doce pai, enquanto é um gutural e primitivo Valter Rosado do circo. Sérgio Zanck não tem muitas oportunidades como participante da companhia, mas tem seus bons momentos como o cunhado e como o torturador, é ele também que anuncia as cenas, no melhor distanciamento brechtiano. Por último, cabe destacar o belo e emocionado trabalho de Miriele Alvarenga como o palhaço Bolota que interpreta Glauco. O sotaque “portinhol” cai bem em Bolota, mas soa estranho em Glauco.
        O comentário musical dirigido por Reinaldo Sanches comenta a ação de maneira perfeita.
        Além de ser uma peça que ainda emociona e faz refletir sobre o Brasil de hoje, a montagem da Companhia Estável relembra um período negro do país (Lembrar é resistir) e resgata o nome de João Ribeiro Chaves Neto, promessa de grande dramaturgo com suas duas peças encenadas (Concerto em 1976 e Patética em 1980), mas que desapareceu dos palcos depois disso. Em tempo: o nome das peças que estavam em preparação em 1975 eram Sabalha Sociedade Anônima e As Mal Traçadas Linhas.
       
        PATÉTICA está em cartaz em pavilhão na área externa da Oficina Cultural Oswald de Andrade até 22 de julho às quintas e sextas às 20h e aos sábados às 18h. Ingressos gratuitos a serem retirados uma hora antes da apresentação.

Wladimir Herzog (1937-1975)

07/07/2017


domingo, 2 de julho de 2017

O DRAGÃO DE FOGO



O TEATRO INFANTIL VAI MUITO BEM, OBRIGADO

        Quando eu era criança havia muito poucos espetáculos feitos especialmente para o público infantil. Meus pais tentavam preencher essa lacuna contentando-se em nos levar a shows de mágica ou de patinação no gelo (Holyday on Ice). Íamos também ao circo, onde além dos números tipicamente circenses (acrobacias, malabarismo e palhaços), se podia assistir a peças de circo teatro, nem sempre interessantes e adequadas para um pequeno de cinco anos.
        Há cerca de 35 anos voltei a assistir a espetáculos infantis para levar minha filha Mariana. Na maioria das vezes eram apresentações constrangedoramente fracas, quer no conteúdo (mensagens edificantes), quer na forma (produções baratas e mal feitas), tratando as crianças como débeis mentais.
        Agora volto a frequentar o teatro infantil para levar minha netinha Laura que está com três anos e meio e é surpreendente a qualidade das montagens: dramaturgias bem elaboradas e traduções cênicas que acompanham o seu nível de qualidade, pensando no ser inteligente que está sentado na plateia, seja criança ou adulto. Os cuidados da produção aparecem nos cenários, trilha sonora, iluminação e nos atores muito bem preparados tanto na interpretação como na interação com a criançada.
        Restrinjo-me apenas aos trabalhos que assisti este ano para exemplificar o que escrevo acima: A Gaiola (texto de Adriana Falcão e direção de Duda Maia), A Princesinha Medrosa (texto de Carolina Moreyra e direção de Kiko Marques), Kazuki e a Misteriosa Naomi (de Marcus Cardeliquio e direção de Heitor Goldflus) e agora O Dragão de Fogo (de Cássio Pires e direção de Marcelo Lazzaratto). Todos excelentes.
        Cássio Pires baseou-se em conto japonês para contar a história do garoto Shun-Li que deve enfrentar perigoso dragão que está ameaçando a sua aldeia.
        O Dragão de Fogo usa pouquíssimos adereços cênicos (leques, lanterna, papel e uma bandeira) e palco nu apenas com grande tapete branco, além dos sugestivos figurinos de Fauze Haten. Lazzaratto aposta na imaginação do público contando com isso com a excelência do trio de atores. Esio Magalhães com sua arte de palhaço interpreta várias personagens atingindo o auge quando faz o rato Shun-Lé (Laura, literalmente, rolou de rir na poltrona). Eduardo Okamoto exibe sua sofisticada expressão corporal saindo-se muito bem em sua primeira incursão no teatro infantil. A surpreendente Luciana Mizutani exibe sua versatilidade tanto na delicada (e louca!) borboleta como no vigoroso e ameaçador dragão.


        Uma criança que assiste a espetáculo desse nível que trata o amor como a coisa mais forte do mundo e que comenta de maneira sutil que é preciso estar atento e forte porque o perigo está sempre à nossa porta só pode sair fortalecida do teatro, além de querer continuar a ir ao teatro. Quer formação de público mais eficiente?
        A peça saiu do cartaz do Teatro Anchieta no sábado, dia 01/07, mas deve cumprir nova temporada no Teatro Cacilda Becker. Atentos, pois!



02/07/2017