sexta-feira, 27 de março de 2015

O QUE VOCÊ REALMENTE ESTÁ FAZENDO É ESPERAR O ACIDENTE ACONTECER


Foto de Carlos Canhameiro

        O que você realmente está fazendo é esperar o acidente acontecer, ou seja...  (você não está fazendo NADA para evitar o tal acidente!).  A frase entre parênteses parece ser o subtexto do título dessa peça da Cia. de Teatro Acidental em cartaz na Oficina Cultural Oswald de Andrade. Título tão provocativo quanto o espetáculo que mexe em feridas da nossa dura realidade.

        O espetáculo inicia numa mesa de ensaios onde as principais personagens da peça O Beijo no Asfalto de Nelson Rodrigues, têm seu nome cunhado na frente dos atores que irão representá-las. O que parece que vai ser uma leitura dramática transforma-se a princípio numa contextualização da encenação da peça em 1961 no Rio de Janeiro com direção de Fernando Torres. A peça trata do escândalo criado pela mídia a partir do beijo dado por um homem em outro homem que sofreu um acidente e está à beira da morte. Esse mote serve para o grupo iniciar uma série de denúncias sobre o ódio que grassa nas comunicações atuais, ódio esse alimentado pela mídia e pelas redes sociais. Coloca-se em foco com muita virulência a homofobia, a pena de morte, o racismo, o aborto e outras questões polêmicas. A dinâmica do espetáculo é bastante criativa e tensa, havendo alguma descontração apenas na canção sobre o beijo e na engraçada e irônica coreografia que o elenco apresenta num intervalo com pouco mais de quatro minutos. De resto, destila-se muito ódio tanto por parte dos que são a favor como dos que são contra um determinado assunto e esse ódio parece que vai sendo represado dentro de cada ator. O desrecalque explode na catártica cena final sobre a qual não direi nada para não tirar a surpresa de quem for assistir à peça.

        O texto surgiu por sugestões do próprio grupo e do encenador Carlos Canhameiro e faz uma boa panorâmica do comportamento do homem contemporâneo. A encenação de Canhameiro é simples e direta valendo-se do elenco jovem e talentoso, da interessante cenografia formada pela mesa já citada e de duas telas de televisão mostrando o camarim dos atores e cenas captadas por câmeras de vigilância e também do uso de uma fruta que terá papel importante no desenvolvimento da ação.

        O quanto somos responsáveis por ou, no mínimo coniventes com, todos esses acidentes? O que cada um de nós está fazendo para diminuí-los ou exterminá-los? Essa é a pergunta que cala dentro de cada espectador ao final da apresentação. Espetáculo urgente que precisa ser visto.

        Gostei muito! Isso é sinal que vocês devem estar no caminho errado.


        A peça está em cartaz de quinta a sábado até 16 de maio às 20h e é gratuita.

 

27/03/2015

sábado, 21 de março de 2015

JOSEFINA CANTA



        Tudo é propositalmente excessivo nesta instigante Josefina Canta: texto, encenação, cenário e interpretação. Valendo-se de um conto de Franz Kafka (Josefina, a Cantora) o dramaturgo/encenador  Elzemann Neves cria uma vigorosa metáfora de como o poder cria mitos para manipular o povo. No caso, encontramos o mito Josefina em pura decadência. No passado, mesmo com sua voz chiada ela seduziu e dominou o povo (representado na peça pela sua criada Teresa), mas sua imagem desgastou-se e com a ajuda de um manipulador de opiniões (sim, alguém da mídia!) e da própria criada (hoje senhora da situação), procura recuperar a imagem perdida. O poder exercido por Josefina em outros tempos pode ser medido por uma das melhores falas da peça, dita pela criada, algo como “Tive que calar tantas vezes minha voz, que não a tenho mais. O que se ouve hoje é o eco do que eu quis dizer no passado”.

        Inês Aranha tem estilo e porte (apesar do tipo mignon) para interpretações viscerais, haja vista seu desempenho no recente A Noite Em Que Blanche Dubois Chorou Sobre Minha Pobre Alma, e aqui volta a fazer um trabalho excepcional. Com pleno domínio da voz e do corpo ela desloca-se pelo reduzido espaço cênico tal qual uma etérea Isadora Duncan com seus trajes esvoaçantes. Passa de dominadora a dominada de maneira sutil com pequenos gestos e alterações de voz. A performance da atriz é muito bem acompanhada pela imponência/fragilidade de Bia Toledo (também com uma voz poderosa) e a presença cínica de Germano Melo, como o profissional de mídia. O trio dá um show de interpretação e de presença cênica, usando e abusando do gestual e dos recursos vocais.

        Elzemann comanda os excessos com uma direção nervosa dando um toque de teatro do absurdo (bastante coerente com o universo kafkiano) a todo o espetáculo. O cenário/instalação de Chris Aizner composto de muitos quadros pelas paredes define bem o ambiente claustrofóbico em que vive Josefina.

        Pelas situações criadas, parte do público ri muito durante o espetáculo e na sinopse constante nos guias a peça é classificada como “comédia”, mas a situação não é para rir! Estamos vivendo situações parecidas neste pobre Brasil e sempre haverá alguém interessado em criar uma Josefina para nos enfiar goela abaixo e assim ficarmos quietinhos ouvindo e, o que é muito pior, admirando e acreditando numa voz defeituosa, aguda e estridente.

        Josefina Canta está em cartaz na sala experimental do Teatro Augusta só até o próximo fim de semana (29/03): sexta ás 21h30, sábado às 21h e domingo às 19h. VALE A PENA VER.

 

20/03/2015

sexta-feira, 20 de março de 2015

ATO A QUATRO


Edu Guimarães, Nicole Cordery, Luciano Gatti, Joana Dória (Divulgação)
 

        Jane Bodie é uma dramaturga residente na Australia com peças montadas e premiadas em todo o mundo. Chega ao Brasil pela primeira vez pelas mãos de Bruno Perillo que teve contato com Fourplay (título original de Ato a Quatro) em sua viagem à Inglaterra em 2003.

        Alice, ex-atriz e atualmente cuidadora de pacientes e Tom, ator, estão com seu relacionamento em crise. Tom ensaia uma peça com a sedutora Natasha que acaba levando-o para a cama. Jack um ser estranho e gago trabalha com Alice e tem verdadeira obsessão por ela. As personagens estão definidas e as cartas estão jogadas. Jane Bodie revela-se uma exímia jogadora destas cartas conduzindo os espectadores por caminhos surpreendentes fazendo-o rir e se emocionar com as situações que ela cria e que Bruno Perillo soube tão bem traduzir cenicamente valendo-se do cenário de Chris e Nilton Aizner, da instalação audio visual de Flavio Barollo e dos ótimos atores que dão vida às personagens.

        A peça (que Tom ensaia) dentro da peça a que assistimos revela-se um exercício de metalinguagem delicioso e os momentos engraçados (a sedução de Tom por Natasha, as esquisitices de Jack e as reações de Alice às suas tímidas investidas) são equilibrados por aqueles de maior dramaticidade, como a volta de Alice à casa para pegar os seus pertences. Quatro personagens que procuram se relacionar intensamente, mas que na verdade são todos muito solitários. Solidão, a falta de comunicação e o imediatismo/individualismo da vida moderna (a cena dos recados gravados nas secretárias eletrônicas é emblemática) são os temas que Jane Bodie aborda de forma compassiva.

        A bela Joana Dória faz uma Natasha muito segura de si (é a única personagem que parece ter os pés no chão e saber o que quer: a fama); Luciano Gatti é o inseguro Tom que cai na primeira rede que aparecer; Edu Guimarães compõe um aparentemente frágil Jack que sabe impor sua opinião na hora certa. Se esses três atores estão ótimos, o que dizer da interpretação de Nicole Cordery? Uma surpresa e um arrebatamento! Nicole é uma daquelas atrizes de quem não se tira o olho mesmo quando ela está calada. Gestos precisos, máscaras na medida certa fazem de sua Alice, uma das personagens mais fascinantes surgidas nos últimos tempos em nossos palcos. Elenco jovem e coeso somado à direção segura de Perillo presta verdadeiro serviço ao teatro, pois alimenta a nossa vontade de voltar a acreditar nessa arte, em geral, tão maltratada.

        Ato a Quatro está em cartaz no Auditório do Sesc Pinheiros de quinta a sábado às 20h30 só até 04 de abril. NÂO DEIXE DE VER, VOCÊ NÃO VAI SE ARREPENDER.

 

20/03/2015

               

segunda-feira, 16 de março de 2015

BALANÇO DA 2ª MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo) – 05 a 15 de março de 2015.


 

         Numa maratona de 11 dias o público paulistano teve a oportunidade de entrar em contato com 12 espetáculos vindos da Rússia (2), Alemanha (2), Colômbia (2), Brasil (2), Holanda, Israel, Itália e Ucrânia. Sucesso de crítica e de público (casas lotadas em todos os espetáculos), o Mitsp consolida-se como o festival internacional de teatro oficial de São Paulo (como eu gostaria que a Ruth Escobar tivesse lucidez para curtir este grande acontecimento) e sua terceira edição já está agendada para o período de 04 a 13 de março de 2016, sendo que seus organizadores (os incansáveis Antonio Araújo e Guilherme Marques) já estão trabalhando na seleção das montagens que farão parte do evento do próximo ano.

         As grandes estrelas desta MITsp foram as encenações russas. Dois verdadeiros monumentos teatrais chegaram até nós.
 

         O primeiro pelas mãos de Yuri Butusov com sua genial e inovadora concepção de A GAIVOTA nos mostrando um Tchekhov operístico e melodramático (no melhor sentido da palavra), quase o oposto ao modo que se interpreta o grande dramaturgo russo, mas conservando e até ressaltando os grandes temas contidos na peça: o desencanto pela tediosa vida rural e os dilemas e inseguranças que o artista enfrenta durante o ato criador (é emblemático o tratamento dado à personagem do escritor Trigorín em sua cena com Nina). Além do conteúdo preservado, o espetáculo é de um esplendor visual pouco visto em nossos palcos. As quase cinco horas passam rapidamente e quando o espetáculo termina ficamos com aquela sensação de querer mais.
 

         OPUS Nº7 foi a outra montagem russa que tirou os pés do público do chão. Dirigida por Dmitry Krykov a encenação divide-se em dois atos, cada um com uma peça distinta, mas ambos tendo como pano de fundo as consequências funestas dos regimes autoritários. No primeiro (Genealogia) são enfocados a perseguição e o extermínio de judeus soviéticos e no segundo (Shostakovich) os danos que a censura do regime stalinista causaram à vida e à obra do compositor Dmytri Shostakovich (1906-1975). Com efeitos cênicos relativamente simples e com pouquíssimos diálogos o espetáculo tem grandiosidade épica e inflama os sentidos do público. Grandes achados cênicos são os painéis com projeções de Genealogia, a boneca gigante representando a tirânica Mãe Rússia e a guerra de pianos de lata quase ao final do segundo ato.

         AS IRMÃS MACALUSO foi o belo espetáculo vindo da Itália, dirigido por Emma Dante. Teatro dança de rara sensibilidade que mostra poeticamente e até com certa dose de humor temas como morte, luto e perdas. Elenco coeso. É lamentável que diante de tanta beleza alguém se preocupasse em escrever um artigo sobre o cuspe que eventualmente as atrizes dirigiram para quem estava na primeira fila do teatro. Assim caminha nossa crítica teatral!
 

         WOYZECK. O texto de Georg Büchner (1813-1837) que por sua vez já é fragmentado e inacabado serve de pretexto para o diretor ucraniano Andriy Zholdak criar uma longa e explosiva performance que leva as personagens Woyzeck e Maria para o espaço cósmico. Apesar de excessivo o espetáculo tem momentos significativos e a ênfase é na violência e na truculência dos militares, provável resquício dos tempos em que a Ucrânia pertencia à extinta União Soviética e também da delicada situação que o país vive atualmente.

         CANÇÂO DE MUITO LONGE é delicado trabalho vindo da Holanda que, assim como As Irmãs Macaluso, trata de assuntos como morte, luto e superação da perda. O texto de Simon Stephens, dirigido por Ivo van Hove tem interpretação contida e segura de Eelco Smits. Como “estreia mundial” no MITsp esperava-se espetáculo mais impactante e original.

         SENHORITA JULIA vem da Alemanha, com direção da inglesa Kate Mitchell. Colocando a empregada Cristina como a protagonista da peça, a encenadora torna a peça de Strindberg (1849-1912) menos misógina do que o autor a concebeu. É notável o sincronismo entre a ação dos atores, dos técnicos que fazem as filmagens, dos dois sonoplastas que executam os sons ao vivo e à vista do público e da violoncelista. Com exceção da luz que vem do exterior, todo o espetáculo tem como iluminação apenas as luzes das velas e dos candelabros. Tudo é propositalmente muito nórdico e gélido não despertando emoção nem nas mortes do pintassilgo e de Julia. O uso dos recursos cinematográficos é bastante eficiente e as cenas na tela remetem aos filmes de Ingmar Bergman e aos quadros do pintor Vermeer. Tudo muito bonito, mas sem o mínimo de emoção.

         STIFTERS DINGE (de Heiner Goebbels - Alemanha/Suíça) e ARQUIVO (Arkadi Zaides - Israel), cada um à sua maneira foram espetáculos de exceção. O primeiro por se tratar de uma instalação sem atores em cena (na verdade o ator está presente com sua voz narrando algumas partes do espetáculo) e o segundo por colocar um coreógrafo israelense diante de projeções realizadas por palestinos, interpretando com gestos e sons o que se passa em cena. Espetáculos áridos e instigantes, bem vindos numa mostra que necessita ter seu lado inovador no que se refere a trazer novas linguagens.

         “Muito barulho por (quase) nada” poderia ser o título deste item que trata dos dois espetáculos trazidos pelo grupo colombiano Maldita Vanidad dirigido por Jorge Hugo Marín. Depois da bem sucedida apresentação da trilogia Sobre Alguns Assuntos de Família no Mirada 2012 esperava-se muito destes novos trabalhos do grupo, mas parece que a fórmula se esgotou. Depois de sucessivas exigências de mudança dos locais de apresentação foi mostrado o apenas razoável e melodramático MORRER DE AMOR numa casa na Vila Madalena e o decepcionante MATANDO O TEMPO claramente inspirado em Festa de Famíla do dinamarquês Thomas Vinterberg. Bons atores atuando de forma hiper-realista necessitam de sólida dramaturgia para o bom resultado de espetáculo desta natureza e texto consistente foi exatamente o que faltou nas encenações dos colombianos.

         O Brasil foi muito bem representado pelos dois espetáculos de Christiane Jatahy JULIA e E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU? que contêm dois aspectos enfatizados pela curadoria do evento: a visita a textos clássicos e o uso de linguagem cinematográfica na concepção dos mesmos.

        As atividades paralelas, tão importantes quanto os próprios espetáculos, envolveram profissionais de teatro e o público promovendo um intercâmbio produtivo e mais que necessário.

       Saldo mais que positivo da MItsp 2015. Já estamos aguardando a próxima!

15/03/2015



 
   
 
 
 
      

 

15/03/2015

 

 

domingo, 8 de março de 2015

CONSERTANDO FRANK



        Nem sempre a junção de bom texto, bom encenador e bom elenco resulta em sucesso de crítica e/ou de público. Para ficar em dois exemplos clássicos ocorridos nos palcos paulistanos cito a montagem de Vereda da Salvação de Jorge Andrade dirigida por Antunes Filho em 1964 (último espetáculo do TBC) que tinha no elenco nada menos que Raul Cortez, Cleyde Yáconis e Lelia Abramo e ainda a grandiosa encenação de Tom Paine (1970) de Paul Foster com direção de Ademar Guerra com numeroso e talentoso elenco liderado pela grande Myrian Muniz. Tenho certeza que este não será o destino deste Consertando Frank que estreou ontem no Mube Nova Cultural.

        Marco Antônio Pâmio indiscutivelmente um grande ator, vem se firmando como encenador e munido de bons autores (Pirandello e Tennessee Williams) e ótimos elencos emplacou dois sucessos no ano passado: Assim É (Se Lhe Parece) (prêmio APCA e indicação de prêmio Shell de direção) e Propriedades Condenadas (uma pequena joia que volta ao cartaz no Teatro Sérgio Cardoso no mês de abril).

        E eis que neste início de temporada de 2015 ele está de volta e acerta de novo, agora com  texto contemporâneo do autor norte americano Ken Hanes e com elenco primoroso formado por Chico Carvalho, Rubens Caribé e Henrique Schafer.

        O psicólogo Jonathan (Rubens Caribé) pede a  seu companheiro, o escritor Frank (Chico Carvalho) que consulte outro terapeuta, o Dr. Apsey (Henrique Schafer) que diz ter um método para a “cura gay”. O objetivo de Jonatha é desmascarar Apsey e convence seu parceiro propondo que ele escreva um artigo sobre o assunto. A solução dramatúrgica encontrada pelo autor, e muito bem traduzida cenicamente por Pâmio, coloca as três personagens permanentemente em cena durante os 90 minutos de duração de ação a qual vai colocando Frank cada vez mais nas mãos manipuladoras dos seus outros dois interlocutores. Situado entre dois fogos, nada resta a Frank do que sair emocionalmente queimado e ainda pedindo desculpas por todo esse imbróglio que não foi criado nem alimentado por ele. Resta-lhe um tênue grito de liberdade nos derradeiros minutos da peça.

        Tudo funciona nessa nova encenação de Pâmio: o cenário simples e funcional de Chris e Nilton Aizner, o discreto figurino de Naum Alves de Souza, a bonita iluminação do muito presente em vários espetáculos Fran Barros e a trilha sonora de Ricardo Severo.

        A direção contempla o trabalho dos atores imprimindo uma marcação rigorosa à movimentação dos mesmos sem, porém, tirar a espontaneidade da mesma.

        Rubens Caribé imprime humanidade ao hipócrita Jonathan e Henrique Shafer (que nos brindou há alguns anos com sua magnífica interpretação de O Porco) interpreta o aparentemente equilibrado Dr. Apsey com muita garra, mas o protagonista da peça é Frank e Chico Carvalho se aproveita disso valendo-se de todos seus recursos interpretativos para criar uma personagem que já lhe confere presença na lista das melhores atuações do ano.

        Consertando Frank é espetáculo muito digno que deve abranger todo tipo de público. Está em cartaz no Mube Nova Cultural às sextas e sábados às 21h30 e aos  domingos às 18h. até 26/04.

 

08/03/2015