quarta-feira, 28 de agosto de 2013

MYRIAN MUNIZ – A PERSONAGEM


EU NÃO DAVA PRAQUILO
Myrian Muniz (1931- 2004) - Foto de Vânia Toledo

     Não resta a menor dúvida que a mulher Myrian Muniz é uma grande personagem. Sua forte personalidade e seu modo de falar e de gesticular, serviram de inspiração para a cartomante Mãe Jatira criada por Marcelo Médici em Cada Um Com Seus Pobrema e agora é recriada magnificamente por Cassio Scapin em Eu Não Dava Praquilo.
     Usando uma estola preta e um cigarro na mão, Cassio interpreta a grande atriz com tal intensidade que em certos momentos tem-se a impressão que é ela que está falando com o público no palco do Centro Cultural Banco do Brasil.



     O texto do espetáculo é calcado nas declarações dadas por Myrian ao longo de sua carreira e é apresentado de maneira fragmentada sem muita costura entre as cenas. Essa costura só pode ser feita por quem conhece a trajetória dessa grande atriz, diretora educadora, restando para o resto do público a fruição da interpretação de Cassio Scapin. O que não é pouco, mas no meu modo de ver, os autores (Cassio Scapin e Cássio Junqueira) poderiam ter usado outras situações presentes nas falas de Myrian deixando a narrativa mais fluida e mais didática. A peça é muito curta e tem gosto de “quero mais”. Só como exemplo, pouca coisa foi aproveitada da última participação pública de Myrian que foi o depoimento no Teatro de Arena em 20 de outubro de 2004: emocionada e bastante fragilizada fisicamente, Myrian ajoelhou-se e beijou aquele chão, testemunha de grandes momentos de sua carreira. Dois meses depois Myrian partia, deixando em cada um de nós um pouco de sua irreverência e coragem. A relação da diretora com Elis Regina em Falso Brilhante também poderia ter sido mais explorada, pois como é do conhecimento geral, essa relação foi bastante tumultuada e revela um pouco da faceta dessas duas mulheres.
     A direção de Elias Andreato é bastante discreta e focada na interpretação de Cassio. A encenação é embelezada pela iluminação de Wagner Freire.
     Espetáculo delicado que é uma homenagem não só a uma grande atriz, mas também ao teatro paulistano do qual ela fez parte e cuja história ela ajudou a construir. Interpretação iluminada de Cassio Scapin, um forte candidato aos prêmios de melhor ator de 2013.
     Eu Não Dava Praquilo fica em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até 23 de setembro, aos sábados e segundas às 20h e aos domingos às 19h

MARIANA PINEDA - ALERTA, DESPERTA, AINDA CABE SONHAR.


CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS

Oh, qué día tan triste em Granada,

Que a las piedras hacía llorar

al ver que Marianita se muere

Em cadalso por no declarar!”

     Garcia Lorca (1898-1936) escreveu Mariana Pineda em 1925 quando tinha 27 anos. É uma das primeiras peças do poeta, mas que já contém muitas das qualidades das obras da maturidade como o forte teor poético e a denúncia dos regimes tirânicos. A peça é inspirada na vida de Mariana Pineda (1804-1831), heroína espanhola da causa liberal. Na peça ela ama o rebelde liberal Don Pedro Sotomayor e borda a bandeira do partido. É presa e enforcada por não delatar seus companheiros de luta. O dramaturgo classificou sua peça como “romance popular em três estampas”.
Mariana Pineda (1804 - 1831)
     Com o título Cantata Para Um Bastidor de Utopias, a Cia. do Tijolo encena a peça na forma de uma cantata com forte inspiração em Santa Maria de Iquique do poeta e compositor chileno Luis Advis que narra o massacre de operários das minas de salitre do Chile e que por sua vez segue as linhas gerais de uma cantata clássica. Pelo que indica o programa as eficientes músicas da cantata foram compostas por seis componentes do grupo e a bela música que abre o espetáculo foi composta por Jonathan Silva.
Garcia Lorca (1898-1936)
     Há um prólogo representado na sala de espera e a seguir o público é convidado a entrar no teatro que representa o espaço do grupo La Barraca de Garcia Lorca. Enquanto o público se acomoda, os atores preparam o espaço e a peça será representada num palco. Cada ato (estampa) da peça é interrompido por intermezzos que fazem uma ponte entre a história contada e a atualidade (desde o assassinato de Lorca por razões parecidas àquele de Mariana Pineda, até o Brasil de hoje: ditadura militar, presos políticos, desaparecidos, mortos sem sepultura). Essas intervenções são pungentes e importantes, mas muito longas, parecendo que o grupo não acredita no vigor da denúncia contida na peça de Lorca e na potência dramática da mesma. Os intermezzos tornam-se mais extensos do que a própria peça alongando o espetáculo para três horas de duração. Eu diria que a direção de Rogério Tarifa e de Rodrigo Mercadante peca pelo excesso de criatividade (o que não deixa de ser um elogio!).
  Rogério Tarifa
     Há um momento, quase no final, em que o público é convidado a sentar em volta de uma mesa coberta com um pano vermelho para compartilhar pão, vinho e experiências com o elenco. Na noite em que assisti ao espetáculo fomos agraciados com o comovente relato de Vera Paiva sobre o desaparecimento de seu pai Rubens Paiva durante a ditadura militar e as consequências para toda sua família.
     A cena final da peça (o enforcamento de Mariana) é representada numa instalação externa ao espaço principal, onde há várias campas com velas acesas nas quais poderão repousar aqueles mortos, até então, sem sepulturas.
     O espetáculo é emocionante e extremamente necessário, num momento em que pressentimos movimentos que podem trazer de volta ditaduras e regimes de exceção. Na bela canção do início do espetáculo há o refrão: “Alerta, desperta, ainda cabe sonhar” com um implícito “e lutar sempre!”, pois como disse Vera Paiva, a liberdade e a democracia se conquistam dia a dia.
     Um último comentário sobre o ótimo elenco que brilha de maneira homogênea, mostrando a força do coletivo da Cia. do Tijolo e a preparação vocal do grupo, realizada pela talentosa Fernanda Maia.
     Cantata Para Um Bastidor de Utopias está em cartaz no Sesc Pompeia até 08 de setembro, de quinta a sábado às 20h e domingo às 19h.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

JACINTA E O PRAZER DE SER ESPECTADOR



     Vida de espectador tem dessas coisas: eu estava no Rio de Janeiro em maio e aproveitei para assistir ao maior número possível de espetáculos. As opções para o meu gosto não eram muitas, haja vista o grande número de comédias descompromissadas em cartaz. Aproveitei para assistir ao musical Tim Maia – Vale Tudo, que não tinha visto em São Paulo e reservei para a última noite o espetáculo Jacinta no Teatro Poeira. Na véspera, por falta de escolha, fui assistir a um desses espetáculos comerciais e uma senhora sentada ao meu lado comentou que Jacinta era muito ruim, escatológica e que eu não perdesse o meu tempo para ir até Botafogo testemunhar a péssima escolha que Andrea Beltrão havia feito ao aceitar protagonizar peça tão chula! Fiquei assustado, pois se tratava de um trabalho envolvendo nomes que respeito e admiro como Aderbal Freire-Filho, Newton Moreno e a própria Andrea Beltrão, porém, me lembrei de que outra peça envolvendo os mesmos e Marieta Severo (As Centenárias) havia me desapontado. Como não sou cobra mandada e não sigo conselhos nem de críticos, segui no domingo à noite para o Teatro Poeira, mas confesso que guardava certo temor.
     Mas vamos ao que interessa, ou seja, o espetáculo a que quase declinei de ir e que tornou-se um  dos melhores a que assisti neste ano: JACINTA.

     Entrando no aconchegante teatro já gostei muito do espaço cênico e do cenário de Fernando Mello da Costa, com os camarins dos atores à vista do público e o local da banda no centro, ao alto. Quando os músicos entraram em cena seguidos dos cinco atores e de Andrea Beltrão já senti que a coisa ia ser boa. Para interpretar Jacinta, a atriz usa uma peruca longa e morena e fala com sotaque lusitano durante todo o espetáculo.
     A história é hilária e comovente: Jacinta, considerada a pior atriz do mundo, faz uma apresentação para a rainha de Portugal com um texto de Gil Vicente. O espetáculo é tão ruim que a rainha morre. Gil perde uma mão e ela é deportada para o Brasil colônia (afinal, era para cá que eram enviados os desterrados, os ladrões, os vagabundos). Nestas terras que têm palmeiras, sabiás, mulatas ainda não Jacinta passa por tudo: é deflorada, vai trabalhar com um grupo de mortos, quase é devorada por índios no Amazonas e faz muito teatro, sempre com o maior fracasso, mas nunca desistindo.                                                                                                                          
     A canção A Partida diz o seguinte: Há lugares onde Jacinta representou, em que passados 400 anos, nunca mais se viu teatro. Palmas para ela que ela merece./ Mas se com sucesso isso parece...Uma verdade precisa ser dita. Nunca ninguém aplaudia. Estreava, e acabou-se o que era doce. Os educados: Adeus, distinta. Os grosseiros: Adeus, faminta. E todos: Adeus, Jacinta. E essa é a saga dessa obstinada mulher que ama o teatro acima de todas as coisas e sonha com o aplauso que quando chega ela não consegue ouvir.
     Boa parte do espetáculo é cantada na forma do que o grupo chamou de comédia rock. As músicas são de Branco Mello e Emerson Villani e se por um lado comentam brechtianamente a ação, por outro se tornam de difícil compreensão para o público, o que é lastimável, pois grande parte do conteúdo do espetáculo está nas letras das canções.  (Este fato tornou-se mais grave com a mudança de um teatro de 80 lugares no Rio para o Sesc  Vila Mariana que tem mais de 600 poltronas ).  A música é muito bem executada por um quarteto e interpretada com garra e emoção por Andrea e os cinco excelentes atores que com ela contracenam. Vale destacar a comovente velha palhaça de José Mauro Brant e a histrionice do sempre ótimo Augusto Madeira.  Há necessidade de um enorme talento para representar a pior atriz do mundo e Andrea Beltrão o tem de sobra, criando uma personagem que vai ficar para a história do teatro brasileiro.
     No ótimo programa da peça há um texto de Newton Moreno que finaliza com a frase: Jacinta é nossa declaração de amor ao teatro e eu complemento escrevendo que quem ama, faz e curte teatro ganha um manjar dos deuses assistindo a Jacinta.   

     O CD com a trilha sonora do espetáculo interpretado pelo elenco está a venda no teatro pela "pechincha" (segundo Jacinta) de R$15,00. Vale a pena levar para casa! 
     Jacinta se junta a Cais ou Da Indiferença das Embarcações na lista dos melhores espetáculos surgidos nos palcos paulistanos nos últimos tempos. Longa vida ao teatro com espetáculos dessa qualidade. O público agradece. 
                                                                                                                                                                                                                            


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

CRUELDADE AO ALCANCE DE TODOS



     É difícil acreditar que Naum Alves de Souza, o autor das líricas peças do ciclo memorialista No Natal a Gente Vem Te Buscar (1979), A Aurora da Minha Vida (1981) e Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão (1984) seja o mesmo deste recente Operação Trem Bala, ora em cartaz no Instituto Cultural Capobianco.  Não conheço a maioria das peças que o dramaturgo classifica como ciclo urbano (só assisti a Suburbano Coração e a maioria dos outros títulos permanece inédita em nossos palcos), mas creio que há necessidade de se criar outro título para, talvez, o ciclo que se inicia com este cruel Operação Trem Bala.

Naum Alves de Souza - Foto de Sérgio Kenchgerian


     Trata-se de uma comédia com toques de teatro do absurdo que foca sua ação num casal de velhos (Arthur e Bluma) que têm em volta de si os parentes abutres que os vilipendiam, vendem seus móveis e objetos de arte e aguardam ansiosamente as suas mortes para dividir o que restar dos bens materiais. Arthur e Bluma não são apenas vítimas dessa corja que os explora, pois já foram exploradores tão ferozes quanto ela e ainda conservam valores nada dignificantes ou humanistas ; ou seja, não há flor que se cheire em todas as personagens da peça, entre elas, algumas que já morreram, outras com mais de 150 anos, um anjo da guarda interesseiro e até o diabo em “participação especial”! A trama tem muitas reviravoltas e os quatro excelentes atores desdobram-se em mais de uma dezena de personagens, que são apresentadas logo no início da peça. A ação se passa na mansão em ruínas do velho casal, mas para os dois, eles estão num trem bala concebido por Arthur (Um asilo? O caminho para a morte?). Na última cena a peça adquire um tom lírico (que remete ao ciclo memorialista citado acima) quando o velho casal começa a dançar e correr, encaminhando-se para um túnel (a morte) que está no percurso do trem bala. Final poético e bonito, que não se coaduna com o resto do espetáculo que é irônico, cruel e mordaz.



     A direção do próprio Naum é limpa e direta, assim como o cenário (espaço cênico nu, com duas cadeiras de rodas e dois andadores, além de uma maquete suportada por máscaras que contém uma ferrovia com o trem).
     Conforme já escrevi o elenco é excelente, todos com maquiagens e máscaras propositadamente exageradas. Saem de cena como uma personagem, para entrar logo em seguida travestidos de outra personagem. Além do dramático há um verdadeiro exercício físico durante a hora e meia que dura o espetáculo. Marco Antônio Pâmio está cada vez melhor: lembro-me daquela que, talvez, tenha sido a sua estreia no teatro: Romeu e Julieta em 1984, dirigida pelo Antunes Filho, onde Pâmio interpretava Romeu, com certa timidez e de lá para cá esse ator só tem crescido e atinge um grau de excelência com a personagem Arthur (grau que eu acreditava já atingido em Mediano). Mila Ribeiro tem uma presença poderosa como Felipa, a segunda esposa de Arthur; Ana Andreatta está ótima como Bluma e como a empregada da mansão e Fábio Espósito desdobra-se em uma dezena de personagens, inclusive como anjo e como diabo.

Marco Antônio Pâmio com Giulia Gam em Romeu e Julieta (1984)      Foto de João Caldas


     Naum Alves de Souza escreve para estes tristes tempos de individualismo e busca pelo poder e por bens materiais e seu espetáculo é obrigatório para quem quer refletir sobre os mesmos.
     Operação Trem Bala – de 02 de agosto a 29 de setembro no Instituto Cultural Capobianco (Rua Álvaro de Carvalho, 97). Sextas e sábados às 20h e domingos às 19h.

terça-feira, 20 de agosto de 2013

CREPÚSCULO DE TANTAS VIDAS




     A peça Nossa Classe de Tadeusz Stobodzianek inicia de forma muito parecida com aquela de Naum Alves de Souza  Aurora de Minha Vida. A ação passa-se numa escola onde crianças polonesas (judias e cristãs) convivem harmoniosamente discutindo o que querem ser quando crescer. A peça de Naum de tom nitidamente memorialista termina quando os jovens findam o antigo curso primário, mas aí é que verdadeiramente começa a do dramaturgo polonês e o que vamos assistir é uma penosa trajetória pela intolerância, pelo preconceito e pela manipulação que um governo opressivo pode exercer sobre um povo.


     Neste caso o tempo passa, aquelas crianças de 1925 tornaram-se adultas e vão passar por dois processos traumáticos da Polônia ocorridos na segunda guerra mundial: as invasões russa e alemã. Aos poucos a cordialidade vai dar lugar a divergências de religião chegando ao ódio racial (nesse aspecto a peça tem algo em comum com o filme Promessas de Um Novo Mundo de 2001, dirigido por Justine Shapiro e B.Z.Goldberg que acompanha a reação de crianças em relação ao “inimigo” - no caso, palestinos e israelenses-). Quando os russos invadem a situação que fica favorável para os judeus que humilham e zombam dos cristãos; a situação se inverte quando da dominação nazista em que os judeus são perseguidos, torturados e assassinados pelas mãos dos cristãos. Toda essa barbárie é mostrada por meio desse microcosmo formado pelos adultos que foram aquelas crianças da nossa classe.


     O texto é muito bem estruturado e a encenação de Zé Henrique de Paula auxiliada pela belíssima iluminação de Fran Barros só o enriquece. No espaço cênico quase vazio (exceto algumas cadeiras) criam-se climas perfeitos para a ação, como a cena do baile e o uso das colunas do prédio para ocultar um judeu perseguido. A preparação vocal dos atores é da sempre eficiente Fernanda Maia que também assina a trilha sonora que comenta epicamente a ação da peça e inclui hinos poloneses.
Zé Henrique de Paula, diretor do espetáculo.
     Esses já consagrados artistas têm seu trabalho coroado com a ótima interpretação do homogêneo elenco de jovens egressos de uma oficina ministrada por Zé Henrique de Paula. Esses jovens passam com naturalidade daquela situação de crianças inocentes a adultos preconceituosos e intolerantes; sendo ora perseguidores, ora perseguidos. O programa da peça, sabiamente, tem uma foto do elenco com os nomes dos atores, nomes esses que devemos prestar atenção, pois tudo indica que terão um futuro promissor nos nossos palcos.

     Espetáculo pungente, forte e necessário nestes tempos de intolerância e fundamentalismo em que vivemos.
     Em tempo: o acolhimento no Teatro do Núcleo Experimental localizado na Rua Barra Funda, 637 é muito bom: pessoas simpáticas e sorridentes na bilheteria e no café da sala de espera tornam o público predisposto a apreciar o espetáculo que está por vir.
     NOSSA CLASSE está em cartaz às sextas feiras e aos sábados às 21h e aos domingos às 19h até o dia 15 de setembro.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

NÃO DEU NO NEW YORK TIMES... NEM NO ESTADÃO, NEM NA FOLHA, NEM...



      Oswald de Andrade já dizia que o teatro brasileiro é um enjeitado; daquela época para os dias de hoje a divulgação e a crítica de espetáculos teatrais, após passar por um período onde renomados críticos realizavam verdadeiros ensaios sobre as encenações (anos 1950/1960/1970), pioraram bastante: espaços para notícias teatrais na nossa mídia tornaram-se exíguos e as críticas, quando existem, são superficiais e não chegam a uma lauda. Este fato refere-se aos espetáculos apresentados nos espaços tradicionais. O que dizer daqueles feitos na rua e/ou na periferia da cidade? São absolutamente ignorados! Nem os guias específicos de teatro fazem qualquer referência a esses tipos de teatro e a divulgação dos mesmos limita-se às postagens que os próprios grupos fazem por meio das redes sociais.
     Feito o desabafo, vamos ao que interessa: o espetáculo Ópera do Trabalho do grupo Buraco D’Oráculo, apresentado na última semana na Praça da República. Espetáculo, segundo o programa, épico-narrativo-musical do grupo que tem um forte compromisso com questões sociais e políticas. A peça levanta questões sobre a precariedade em que vive o trabalhador brasileiro, tais como: falta de dinheiro para as necessidades básicas, transporte público caro e ineficiente, setor de saúde ineficaz, sujeição a uma mídia mentirosa e manipuladora. Não dá (e nem pode) dar respostas, mas levanta questões de maneira clara e lúdica no sentir de fazer o espectador a que se destina o espetáculo (o passante, o morador de rua) refletir sobre a realidade em que vive e quem sabe pensar e atuar em possíveis mudanças. Tudo isso no melhor estilo das lições do “pobre” Bertolt Brecht: o conteúdo é representado na forma de um musical bem humorado e de fácil comunicação.
     Nesta apresentação (08/08/2013), um provável morador de rua que assistia ao espetáculo passou a participar da cena e foi maravilhosamente incorporado pelo elenco, constituindo-se numa atração à parte e numa verdadeira “participação especial”. Nas duas fotos abaixo, ele aparece entre os atores, com camisa vermelha e boné. Eis a essência do teatro com toda a sua maravilhosa característica de efemeridade: da maneira como ocorreu, isso nunca mais vai acontecer. Quem viu, viu!
     O texto é uma criação coletiva e está muito bem alinhavado. A direção cênica de Adailton Alves privilegia a comunicação e dá liberdade para o trabalho espontâneo de todo o ótimo elenco. Destaque também para a excelente parte musical do espetáculo. Canções de vários autores do grupo com direção musical de Celso Nascimento.
     O programa da peça é uma carteira de trabalho e contém, além da ficha técnica, as letras de todas as canções apresentadas.
     Nos próximos dias 15 e 16 de agosto (quinta e sexta) o grupo volta a se apresentar às 19h na Praça da República e depois volta a percorrer os bairros da periferia da cidade.
LONGA VIDA AO BURACO D’ORÁCULO.

A SAGA DA JOVEM MONA DIGNA



     O título acima me foi inspirado pelo conto de Brecht A Velha Dama Indigna porque, ao contrário do conto,a palavra que melhor define o espetáculo MCNA Meu Corpo Noite Adentro é dignidade.
     Conta as aventuras/desventuras de um travesti desde o momento em que se “monta” para enfrentar as ruas até o final da noite quando chega em casa após se prostituir com um misto de prazer e de sobrevivência.


     Um trabalho deste tipo pode facilmente cair na caricatura e no riso fácil, mas não é essa a opção dos autores, dos diretores e do ator; seus caminhos são bem outros: sem abdicar de certas tiradas cômicas o espetáculo é bastante sério refletindo e fazendo o público refletir sobre as dificuldades de uma opção radical.
     Rafael Carvalho revela-se um grande ator vestindo-se literalmente como Mona e emprestando, vou usar mais uma vez a palavra, muita dignidade à personagem. Rimos e nos emocionamos com seus percalços pelas ruas da grande cidade.
     Esteticamente a encenação é muito bonita graças à bem sucedida cenografia audiovisual de Danilo Roxette; o limitado (mas aconchegante) espaço cênico do Walden foi muito bem aproveitado e a iluminação de Fernando Catelan chega até a ampliá-lo.

     A direção correta de Eliane Rocha e Danilo Roxette foca-se com muito acerto na figura do ator.
    O texto é de autoria de William da Silva e Rafael Carvalho.
     MCNA está em cartaz durante todos os sábados de agosto às 21 horas no Espaço Cultural Walden. Praça da República, 119. Telefone: 3159-2861. Ingressos: R$10,00.