segunda-feira, 19 de setembro de 2016

MIRADA 2016 - VIÚVAS – PERFORMANCE SOBRE AUSÊNCIA


        Tive que me afastar do MIRADA por cinco dias por conta de uma cirurgia urgente que minha netinha Laura teve que se submeter em São Paulo. Voltei para Santos na quinta feira, 15 de setembro, ansioso para assistir ao espetáculo da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz que aconteceria à tarde na Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande situada na ilha defronte ao Canal 7 (Ponta da Praia). O dia nublado e a possibilidade de ressaca me deixaram apreensivo em relação à realização do espetáculo. Durante a tarde o tempo foi melhorando, o céu azulando e quando chegamos ao ponto de encontro vislumbrava-se uma das tardes mais lindas que já presenciei em toda minha vida. De um lado o por do sol por detrás dos prédios santistas, a silhueta dourada pelo sol do barco que nos levaria à fortaleza que se avistava imponente ao fundo.



        Do outro lado o horizonte anoitecendo e uma linda lua cheia enfeitando o céu.



        Na curta navegação um ator que se misturava entre o público fez uma breve introdução do que iria se assistir. Desembarque na ilha vendo-se uma mulher sentada nas rochas, provavelmente à espera que o mar lhe restitua o corpo do ente querido desaparecido nas masmorras da ditadura de alguma república sul americana. O público percorre tortuoso caminho de pedras para acompanhar as desventuras dessas mulheres destituídas de seus companheiros.
        O espetáculo tem a marca registrada do grupo gaúcho unindo e harmonizando forte conteúdo político com forma lúdica (os belos figurinos, as cenas majestosas como aquela do banho de milho e a final com os cadáveres nus jazendo sobre as rochas). Nem tudo é pesado no espetáculo e o público tem direito a uma festa com danças típicas bolivianas e com distribuição de pão e vinho numa linda cena de comunhão. O texto de criação coletiva é inspirado na obra de mesmo nome do escritor chileno Ariel Dorfman.
        Tânia Farias é nome que precisa urgentemente ser mais conhecido pelo público paulistano. Trata-se de uma das maiores atrizes deste país. Sua aparência frágil esconde vigor e energia poucas vezes vistos em nossos palcos. Tânia não se vale de nenhum estrelismo, mas seu brilho é poderoso e suas intervenções como a protagonista Sofia são marcantes e desviam o olhar do espectador para a sua figura. Esta atuação só confirma seu imenso talento já testemunhado por mim em Kassandra in Process e O Amargo Santo da Purificação.


        Alguém disse que o belíssimo cenário natural ajudou na fruição do espetáculo, mas esse cenário é parte intrínseca da montagem como foi aquele de Porto Alegre navegando pelo Rio Guaíba até chegar nas ruínas da ilha para onde iam os presos políticos durante o regime militar e como será qualquer outro onde Viúvas seja apresentado. A noite belíssima emoldurou a cena, mas numa noite cavernosa como foi a do dia seguinte a cena deve ter adquirido nova conotação e aí está a magia do teatro itinerante feito ao ar livre.
        Terminada a densa experiência o público literalmente embevecido com tanto conteúdo e tanta beleza é direcionado em silêncio para o barco ávido de aplaudir trabalho tão marcante. A oportunidade surge quando o barco parte e pode-se ver os atores na fortaleza com tochas acesas acenando. Aplausos intensos e emocionados. Catarse total, quer os brechtianos radicais queiram ou não.


        Assisti a apenas oito espetáculos no MIRADA (devo assistir a mais alguns na Extensão Mirada que se realiza nas unidades do Sesc em São Paulo, mas posso afirmar que Viúvas foi um dos melhores, senão o melhor a que assisti.
        Outro espetáculo itinerante bastante marcante foi Fugit do grupo catalão Kamchàtka exigindo muito do público tanto física como emocionalmente. A peça sem palavras acompanha a fuga de pessoas de países em guerra que tentam imigrar para países onde esperam ter melhores condições de vida. O percurso da fuga é longo e perigoso e o público assume junto com os atores o papel de fugitivo, correndo, se escondendo, perdendo passaporte e finalmente abraçando os conterrâneos ao chegar na “terra dos sonhos distantes”. Muito digno e atual.
       
        Longa vida ao MIRADA. Aguardando 2018. Obrigado Sesc.

19/09/2016


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

MIRADA 2016– ABERTURA


        Na noite de 08/09/2016 foi dada a partida no teatro do Sesc Santos para o 4º Festival Ibero-Americano de Artes Cênicas de Santos, o já famoso MIRADA promovido bienalmente pelo Sesc. O evento acontece de 08 a 18 de setembro em Santos e algumas cidades vizinhas.
        A abertura foi feita pelo Prof. Danilo Santos Miranda que ressaltou a importância da cultura para se suportar os tempos sombrios por que passa o mundo, onde foi acompanhado de um coro de “Fora Temer” por grande parte do público presente, além disso, fez emocionante homenagem ao poeta e dramaturgo espanhol Federico Garcia Lorca (1898-1936) cujos 80 anos da morte por assassinato pelo regime franquista são lembrados neste ano, comentou também que em 2016 o Sesc está comemorando seus 70 anos de vida. A seguir Fábio Nunes, Secretário de Cultura de Santos, fez breve pronunciamento.


        Nessa noite de abertura foi apresentada 4 peça performance vinda da Espanha, país homenageado no Mirada deste ano. Escrito e dirigido pelo encenador argentino Rodrigo Garcia, o espetáculo é um suceder de cenas aparentemente sem ligação interligadas por textos falados em off enquanto os atores permanecem inertes em cena. Essa dissonância, com certeza proposital, entre texto e cenas causa certo estranhamento e desconforto no público.



A Origem do Mundo - Gustave Courbet

         Galos com tênis Nike; duas meninas que são vestidas, penteadas e maquiadas no melhor estilo Barbie; dois atores seminus esfregando-se sobre um gigantesco savon de Marseille; um ator literalmente atacando com bola de tênis uma enorme vagina que é a  imagem ampliada ao fundo do palco do célebre e polêmico quadro A Origem do Mundo (1866) de Gustave Courbet (1819-1877) numa das mais poderosas e sintéticas representações já vistas da violência contra as mulheres, o desenho animado de um galo predador e até a participação do público para dançar a cumbia são cenas  que vão acontecendo alinhavadas pela atriz e os três atores.
        Pode-se gostar ou não do espetáculo, mas não resta dúvida que ele provoca, cria polêmica e nos faz rever padrões estabelecidos. Tudo isso dentro da pluralidade estética proposta pelo Festival.
        O MIRADA só começou e já provoca discussões acaloradas nos corredores do Sesc Santos!

        As atividades formativas iniciaram na manhã do dia 09 com a palestra do professor Vladmir Safatle Expressão, Afecção e Alteridade e prosseguem ao longo de todo o evento.
        À noite é a vez de visitar o Peru (Cruzar la Calle) e mais uma vez a Espanha (o esperado e elogiado Libertino).
        VIVA O TEATRO!

09/08/2016



quarta-feira, 7 de setembro de 2016

O GRANDE SUCESSO



        Um grupo de figurantes aguarda na coxia do teatro a sua hora de entrar em cena, ora como coelhos, ora como ursos, ora com uma gaiola na cabeça e ainda com outras tantas fantasias. Vivem de pequenos cachês (que nem sempre são pagos) e sonham com seu dia de glória, sonhos estes que se realizam de forma mais que efêmera quando entram em cena atrás dos atores principais para agradecer os aplausos que, obviamente, é dirigido para as estrelas.
        A peça é um entra e sai desses figurantes com os mais variados disfarces. Quando eles saem da cena a que nós ,o público, estamos assistindo (o cenário é a coxia do teatro), eles estão entrando na cena que ocorre no teatro (para nós, a coxia do palco do Teatro Vivo). O musical é um suceder de cenas (todas ótimas) acompanhadas de músicas criadas e interpretadas pelos vários elementos do grupo. O texto de Diego Fortes é excelente exercício de metateatro que discute o fazer teatral, a fabricação das celebridades e o papel do ator figurante que busca seu momento de fazer sucesso, algo que, para a maioria, nunca acontece. A peça procura refletir sobre o sentido do teatro e da própria vida. Em certo momento um dos atores conta a outro que sonhou com deus (que era do sexo feminino, por que não?) e lhe perguntou qual o sentido da vida.
        - Começa, acontecem algumas coisas e acaba... Responde deus.
        - Como no teatro? Pergunta o interlocutor.
        - É... Como no teatro! Responde o ator.
        A direção do próprio autor é bastante dinâmica e não tem pontos mortos.


        O elenco (boa parte dele oriundo de Curitiba) é ótimo e, ao contrário da trama, cada ator tem seu grande momento. Rafael Camargo, com sua bela dicção, brilha em todas as suas intervenções; Marco Bravo também tem excelentes momentos; Alexandre Nero, interpretando e cantando, está bastante à vontade em cena sem nenhum sinal de estrelismo que a presença na Globo poderia ter lhe conferido; Fernanda Fuchs tem duas ótimas cenas: aquela em que ensaia um texto e é interrompida várias vezes pelo ex-companheiro e a outra quando tenta dialogar com o grande astro da peça que ela supõe estar se trocando atrás de um biombo; Eliezer Vander Brock tem bom tempo de comédia e faz rir com suas entradas como surfista; completam o elenco o músico Fabio Cardoso e as atrizes/instrumentistas Carol Panesi e Edith de Camargo.
        Irresistível para quem faz teatro e muito atraente para o público em geral, O GRANDE SUCESSO está em cartaz no Teatro Vivo às sextas (21h30), sábados (21h) e domingos (18h) até 18/10.

07/09/2016

segunda-feira, 5 de setembro de 2016

ÓPERA URBE – Peste Contemporânea


MATERIA QUAE SERA TAMEN (Matéria ainda que tardia)

        O parco latim aprendido na escola nos anos 1950 e a lembrança da bandeira dos inconfidentes mineiros levaram ao subtítulo desta matéria. É lamentável escrever sobre um espetáculo que já saiu de cartaz, porém mais lamentável seria simplesmente não escrever, então vamos lá: neste momento é bem possível que a arena ao ar livre montada pelo Coletivo S.E.C.A. no Largo da Batata já não exista mais. Até o dia 31 de agosto ela foi palco da Ópera Urbe – Peste Contemporânea com dramaturgia e música de Carlos Zimbher e direção do guerreiro e sempre militante de causas nobres Rogério Tarifa.


        Por meio da relação de quatro amigos a peça conta e canta fatos ligados a fanatismo religioso, preconceito e perseguição com transexuais, negros, pobres e outras tantas violências que ocorrem no dia a dia de uma cidade como São Paulo, as tais pestes contemporâneas. A trama é acompanhada musicalmente por uma banda.
        Pelo tema tratado o espetáculo não poderia deixar de ser tenso, mas ao mesmo tempo é muito bonito e poético e conta com a atuação de elenco muito afinado tanto no cantar como no interpretar: o sempre extrovertido e naturalmente engraçado Eduardo Mossri encanta com seu ar de Petrucchio (de A Megera Domada) interpretando Cisco, o namorado da bela Eulalia, criada por Karen Menatti; Flavio Barollo empresta energia ao empertigado Boi; André Cesar mostra versatilidade nas várias fases por que passa seu personagem Mano e, finalmente, Leona Jhous que faz um discurso apaixonado e comovente ao final do espetáculo comentando as barbáries cometidas no Brasil com os transexuais. Rogério Tarifa, além da direção, atua com muita garra como um corifeu, anunciando as cenas e enfatizando as denúncias nelas contidas. O conjunto musical liderado pelo autor da peça tem ótimo desempenho e ilustra boa parte das cenas.


        Resta saber qual o destino do teatro construído pelo grupo. O ideal seria que ele fosse adquirido pela prefeitura e se tornasse um local fixo para eventos teatrais e musicais que iria enfeitar e humanizar de maneira muito digna o Largo da Batata.
        Torcemos também para que a ópera volte ao cartaz, pois cumpriu temporada muito curta e suas importantes reflexões sobre o mundo atual precisam ser vistas por um público maior.


05/09/2016