segunda-feira, 28 de maio de 2018

TEATRO - TEMPLO DA UTOPIA E DA ESPERANÇA: AUÊ e SUASSUNA



        Nos dias tão sombrios que nosso país está vivendo, onde buscar um pouco de alento, sem se alienar do mundo?
        No último sábado saí de casa sem saber se chegaria ao meu destino e se chegasse, preocupado se conseguiria voltar (dependo de um ônibus do metrô até em casa); além disso, meu pensamento rodava mais preocupado ainda com o destino deste pobre Brasil, que está nas mãos sabe lá de quem. Foi nesse estado de espírito que cheguei no Teatro Shopping Frei Caneca para assistir pela quarta vez  a AUÊ com a Barca dos Corações Partidos.
        Que alimento para a alma! Esses talentosos rapazes desfilam por hora e meia as alegrias e tristezas da paixão e do amor por meio de belíssimas canções e movimentação cênica primorosa orquestrada pela diretora Duda Maia. Eles cantam, dançam, tocam muitos instrumentos, interpretam e fazem o público rir e chorar por meio de dramaturgia toda calcada nas letras das músicas. Ao final cada um do público sai encantado e feliz, assobiando as canções e se congraçando com aqueles que estão ao seu lado em direção à saída. Sorrisos de cumplicidade demonstram a felicidade de ter visto algo tão belo.


        No mesmo teatro está em cartaz SUASSUNA – O AUTO DO REINO DO SOL, outra maravilha do mesmo grupo.


        O Teatro Shopping Frei Caneca deve se sentir privilegiado por estar abrigando até 01 de julho essas duas preciosidades que estão trazendo tanta alegria para o público paulistano.

        Palmas para a BARCA DOS CORAÇÕES PARTIDOS!



        AUÊ – Sábados às 17h e domingos às 16h
        SUASSUNA – Sextas e sábados às 21h e domingos às 19h

domingo, 27 de maio de 2018

LEOPOLDINA – INDEPENDÊNCIA E MORTE



AQUILO QUE JOAQUIM SILVA NÃO ME CONTOU


        Na minha época escolar a maioria dos livros de História era de autoria desse senhor Joaquim Silva. Eles mostravam versão romanceada dos protagonistas da História; Dom Pedro I, por exemplo, era o herói bonitão que proclamou a independência do Brasil e que só se apaixonou pela sensual Domitila porque sua esposa Leopoldina era feia e desinteressante. Essa versão, de interesse da classe dominante, só se consolidou através dos tempos como, por exemplo, através do filme Independência ou Morte (produzido em 1972, no auge da ditadura militar), onde os protagonistas eram Pedro (Tarcisio Meira) e Domitila (Glória Menezes) e à pobre Leopoldina era reservado um papel secundário representado ali por Kate Hansen (pelo menos aqui ela era bonita!). A vida me levou para outras áreas de interesse e essa versão permaneceu na minha memória, apesar de que com o tempo cada vez mais ter desconfiado das versões oficiais da nossa história.
        Eis que Marcos Damigo apoiado nos dados obtidos com a consultoria histórica de Paulo Rezzuti traz para o teatro uma versão revolucionária da figura de Leopoldina, que foi uma mulher inteligente, estrategista e a verdadeira agente da independência do Brasil, enquanto isso o seu Pedro voltava de Santos esfarrapado montado em uma mula às margens do riacho Ipiranga! Essa e outras importantes ações de Leopoldina, como seu amor e conhecimento pelas plantas, são a base do texto e da encenação de Damigo. Sem saber, no século 19, Leopoldina plantou a semente do feminismo e dos direitos da mulher no Brasil.
        A peça é dividida em três pequenos atos. No primeiro, Leopoldina, que era austríaca, fala sobre suas dificuldades em se adaptar em um país tropical dominado pelos grosseiros portugueses e onde os negros desfilam seminus pelas ruas. No segundo há o embate com José Bonifácio, onde ela toma conhecimento das manobras de Pedro com Domitila. Uma envelhecida (apesar da pouca idade) e revoltada Leopoldina domina o terceiro ato onde ela expõe toda a fragilidade de Pedro. Cada ato é separado por informações históricas apresentadas em vídeo. A montagem de Damigo chega a ser didática, sem absolutamente ser monótona. Há momentos tragicômicos como quando Leopoldina revela que apesar de seus esforços ela só será lembrada no Brasil como estação de trem ou enredo de escola de samba.
        Joca Andreazza representa José Bonifácio mostrando a força da personagem, mas também sua fragilidade em momento que está sujeito a ser enviado a Portugal sob-risco de ser condenado a morte. Sara Antunes brilha como Leopoldina. Seus dois solos que vão da perplexidade do primeiro ato à revolta do terceiro, assim como seu diálogo com José Bonifácio revelam, ou melhor, consolidam a carreira dessa grande atriz. Sua movimentação em cena é prejudicada por uma marcação convencional e, principalmente, pelo figurino de Cassio Brasil, que dificulta o seu andar.
        O cenário de Renato Bolelli Rebouças com um telão ao fundo não diz muito ao que veio.
        A revelação de fatos importantíssimos da História do Brasil e a interpretação extraordinária de Sara Antunes tornam obrigatório o espetáculo em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até 21/06.
        Segunda, quarta, quinta, sexta e sábado às 20h e domingo às 18h.



        27/05/2018
 

quarta-feira, 16 de maio de 2018

BIBI – UMA VIDA EM MUSICAL




        Bibi é teatro musical brasileiro de gente grande. Apesar de usar os recursos estéticos dos shows da Broadway com números musicais grandiosos com grands finales preparados para os aplausos da plateia, a peça tem cara de Brasil mostrando aspectos da vida e obra de Bibi Ferreira (1922) e por consequência do teatro brasileiro, uma vez que Bibi vive a cena brasileira praticamente desde que nasceu. Figuras que fizeram parte de sua trajetória como Henriette Morineau, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Maria Bethânia, Ítalo Rossi, Oduvaldo Vianna Filho, Ferreira Gullar, Thereza Aragão e Paulo Pontes aparecem ao longo do espetáculo, às vezes de forma superficial e caricatural. Há uma delicada homenagem a Tônia Carrero na cena em que Bibi fica sabendo que foi escolhida para o papel de Elisa Doolittle em My Fair Lady (Tônia era a outra candidata ao papel)
          Procópio Ferreira (1898-1979), pai de Bibi, é uma personagem bem desenhada pelos autores e muito bem interpretada pelo jovem Chris Penna. Sua última saída de cena caracterizando sua morte emociona e é aplaudida em cena aberta. Guilherme Logullo exagera nos gestos “combatentes” de Paulo Pontes, mas o faz bem. Leo Bahia brilha como o Mestre de Cerimônias, bem ladeado por Flávia Santana (Cigana) e Rosana Penna (Vó Irma) que junto com ele narram a trajetória de Bibi. Destaque também para Luísa Vianna como a secretária Neide.

Amanda Costa (Bibi) e Chris Penna (Procópio)

        A estrela absoluta da noite é Amanda Costa em interpretação comovida de sua personagem tanto nos números musicais como nas cenas faladas (sua postura física na maturidade de Bibi é impressionante). Amanda entrega-se totalmente ao papel, canta e interpreta maravilhosamente, estando desde já na lista das melhores atrizes de 2018. Na noite de estreia, ao cumprimentá-la tive o prazer de ser fotografado ao seu lado pela Nanda Rovere.


        Como Bibi interpretou grandes musicais (My Fair Lady; Alô, Dolly; O Homem de la Mancha; Gota d’Água, Piaf), a peça tem chance de recriar momentos memoráveis dos mesmos. A produção teve o cuidado de pesquisar as letras das versões originais. As músicas adicionais são de Thereza Tinoco e a segura direção musical é de Tony Lucchesi que rege um pequeno grupo de oito músicos com efeito de grande orquestra.
        Direção segura e madura de Tadeu Aguiar a partir do eficiente texto de Artur Xexéo e Luanna Guimarães que ambienta a trajetória de Bibi em um circo de nome Querolo e que dá um passo adiante em relação aos musicais biográficos provenientes do Rio de Janeiro que têm inundado a cena brasileira.        
        O espetáculo é uma grande homenagem não só a Bibi, mas ao teatro brasileiro e quem se delicia com isso é o feliz espectador.

        BIBI, UMA VIDA EM MUSICAL está em cartaz no Teatro Bradesco às quintas (19h), sextas e sábados (21h) e domingos (20h) até 01/07. IMPERDÍVEL (até para quem torce o nariz para musicais, mas ama o teatro brasileiro)

        14/05/2018

segunda-feira, 14 de maio de 2018

A PROFISSÃO DA SRA. WARREN



        A Sra. Warren é uma velha dama indigna que prosperou, e é feliz, exercendo a profissão mais antiga do mundo. Às custas dessa profissão educou à distância sua filha Vivie nas melhores escolas. Vivie é uma jovem extremamente pragmática e materialista, porém,   quando fica sabendo da origem do dinheiro que a educou, não aceita mais a mãe. Ambas têm argumentos que justificam seus atos e aí está a grandeza dessa peça de Bernard Shaw (1856-1950) escrita no final do século XIX com tema polêmico e proibido na época, que defende os direitos femininos de ter livre escolha; a peça vai além colocando em questão outros assuntos como a necessidade da arte, no embate entre Vivie e Praed, um cultor das artes. A peça originalmente tem quatro atos que nesta montagem de Marco Antônio Pâmio são apresentados em sequência (separados por suaves black outs) em ato único com duração de 1h40. A tradução é de Clara Carvalho e o programa não indica se houve supressão de cenas e/ou diálogos.
        Teatro de palavra muito bem captado por Pâmio que soube focar sua atenção no trabalho dos atores e trazendo a ação para os anos 1950. O elenco é ótimo: Sergio Mastropasqua representa o vilão da história Crofts (o único personagem para o qual Shaw dá um veredito), Mario Borges está ótimo como o bonachão Praed, o jovem Caetano O”Maihlan é uma boa surpresa como Frank e Cláudio Curi representa com dignidade o Reverendo Gardner. Karen Coelho defende a fria Vivie (vivida em 1960 por Fernanda Montenegro no Rio de Janeiro), enfrentando com brio e em pé de igualdade os diversos embates a que é submetida durante a ação da peça. E agora chega a vez da sempre talentosa Clara Carvalho! É bonito vê-la em papel que foge ao seu tipo físico e à sua elegância e delicadeza: a Sra Warren é uma pessoa simpática, mas é vulgar no modo de agir e de se vestir (haja vista seus vestidos rodados criados por Fabio Namatame e seu penteado) , e Clara a representa com todas as nuances necessárias à personagem.


        O cenário simples de Duda Arruk é prático e abriga os diversos ambientes em que se passa a peça. A trilha criada pelo talentoso Gregory Silvar desta vez parece deslocada daquilo que texto e encenação se propõem.

        A PROFISSÃO DA SRA. WARREN está em cartaz no MASP às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 20h até 01/07.

        14/05/2018

       

sábado, 12 de maio de 2018

HOJE É DIA DE ROCK



Relato crítico-poético de uma noite mágica

        Zé Vicente (1945-2007) morava em Londres com Antonio Bivar em 1970 quando recebeu carta de seu irmão Messias relatando a morte de seu pai Pedro. A emocionada resposta a essa carta para sua mãe Júlia é gênese de sua peça Hoje É Dia de Rock que consiste de memórias familiares com personagens inspirados nos pais e nos irmãos banhadas com o realismo fantástico de Gabriel García Marquez e as ideias de Carlos Castañeda (a personagem Inca).
         A peça teve uma montagem considerada clássica em 1971 no Rio de Janeiro dirigida e interpretada por Rubens Corrêa e outra em São Paulo       em 1973 dirigida por Emílio Di Biasi com Raul Cortez e elenco com nomes de enorme talento, mas que não teve repercussão semelhante à carioca.


        Quase 50 depois, Gabriel Villela revisita essa bela obra de Zé Vicente em produção do Teatro de Comédia do Paraná com elenco formado por atores da cena curitibana. O ambiente mineiro sugerido pelo texto está garantido pelo estilo inconfundível do encenador, pelos figurinos e cenários também assinados por ele e pela sugestiva inclusão de canções do Clube da Esquina que permeiam toda a ação da peça. O excepcional jovem elenco liderado pela grande atriz Rosana Stavis interpreta, canta e dança aquilo que Zé Vicente criou. Fica difícil destacar esta ou outra interpretação haja vista a homogeneidade do elenco, mas arrisco lembrar os trabalhos de Helena Tezza como Isabel, de Nathan Milléo Gualda como a suave e doce Rosario, de Evandro Santiago como o narrador, de Rodrigo Ferrarini como Pedro e da poderosa Rosana Stavis como a mãe Adélia.


        Existem alguns momentos da vida em que uma conjunção de fatos gera fato maior, digno de entrar na história pessoal de alguém. Na noite de ontem, graças ao meu amigo Haroldo Ferrari fui agraciado por um desses momentos.
        Já conformado com a impossibilidade de assistir à montagem que Gabriel Villela fez da obra de José Vicente no Sesc Paulista (apenas quatro apresentações em espaço com 50 lugares com ingressos esgotados) fui surpreendido com telefonema de Haroldo me informando que eu era convidado dos familiares de Zé Vicente, para assistir à peça na noite de estreia.

Eu, Mariana, Maria Antônia, Vitória e Áldice Lopes (produtor)

        Assisti à peça ao lado do cunhado Osmar, da sobrinha Mariana e das irmãs Vitória e Maria Antônia (retratada na peça na personagem Isabel). Maria Antônia, sentada ao meu lado, em muitos momentos me cutucava emocionada com lágrimas nos olhos e sussurrava “Foi assim mesmo!”. Esse momento de conviver de maneira tão próxima com realidade e ficção pode ser considerado um dos mais sublimes da minha longa vivência como espectador: emoções provocadas pelo texto e pela excepcional montagem de Villela embaladas e alimentadas pela presença ao meu lado de alguém que inspirou personagem da peça.

        Por cortesia e com permissão de Maria Antônia reproduzo abaixo foto da família de Zé Vicente com os nomes de cada um e entre parênteses os nomes das personagens por eles inspiradas na peça: no alto, João (Quincas), o irmão mais velho. Segunda fileira, da esquerda para a direita: José Vicente (Valente); Maria, a irmã cega (Rosario); Cida; Messias (Davi). Terceira fileira, da esquerda para a direita: Maria Antônia (Isabel); Pedro, o pai (Pedro Fogueteiro); Vitória; Júlia, a mãe (Adélia) e Bartolomeu. Foto tirada em São Sebastião do Paraíso, MG, nos anos 1950.


        Noite mágica de 10 de maio de 2018.

        ONTEM FOI DIA DE ROCK!

      P.S. São Paulo não pode ficar limitada a essa temporada relâmpago onde apenas 200 privilegiados espectadores tiveram a oportunidade de assistir a este belo espetáculo. Urge que o Sesc e/ou outras entidades culturais os tragam de volta para uma temporada mais longa.

        11/05/2018

sábado, 5 de maio de 2018

A IRA DE NARCISO




       Qual a melhor tradução de spoiler para o português? Desmancha prazer? Estragão? (Não! Isso é uma planta!). Estragador (Sim! Essa palavra existe em português!)

       Há dois espetáculos em cartaz na cidade que um bom spoiler se sentiria satisfeito contando o desfecho aos seus inimigos! Um deles, já comentado neste blog, é O Escândalo Philippe Dussaert e o outro é este admirável A Ira de Narciso.

       Contar algo além da sinopse da peça – que pode ser lida nos guias de teatro – já seria um estrago para as delícias e as surpresas que a trama oferece para o espectador.

       Sergio Blanco, dramaturgo uruguaio, residente na França, do qual já vimos o provocador Tebas Land, também dirigido por ele (Festival de Curitiba, 2016) e Kiev, direção de Roberto Alvim (2017) é o autor. Blanco gosta de brincar com a meta linguagem e de se colocar como personagem de suas peças e na autoficção está o mote de A Ira de Narciso; a personagem é o próprio autor que vai à Eslovênia para fazer uma palestra sobre o mito de Narciso. PRESTE ATENÇÃO: “Je est un autre” (“Eu é um outro), frase de Arthur Rimbaud (1854-1891) é uma das chaves da trama. As surpresas só terminam na saída da sala de espetáculos!

        A inteligente tradução, adaptada para o ator Gilberto Gawronski, é de Celso Curi e a notável direção, amparada pelo eficiente cenário de André Cortez iluminado por Wagner Antônio, é de Yara de Novaes, que concentra sua atenção na direção do ator.


         Gilberto Gawronski transita entre o narrador, o apresentador da palestra e o intérprete de maneira sutil e brilhante. Seu trabalho pode ser considerado, junto com aquele de Marcos Caruso no já citado O Escândalo Philippe Dussaert, como um dos grandes momentos da cena paulistana neste primeiro semestre de 2018.

       A IRA DE NARCISO está em cartaz no Sesc Pinheiros de quinta a sábado às 20h30 só até o próximo fim de semana (12 de maio, sábado). CORRA. ABSOLUTAMENTE IMPERDÍVEL!

05/05/2018


terça-feira, 1 de maio de 2018

ALEJANDRA SAMPAIO



        No último fim de semana foi a vez da Velha Companhia  apresentar Valéria e os Pássaros, na retrospectiva que faz dos seus três últimos espetáculos no Sesc Pompeia por ocasião da comemoração dos 15 anos do grupo. A peça ganhou muito no novo espaço, tornando mais verossímil a presença daqueles que “visitam” Valéria.

        Mas não é sobre isso que quero escrever! Quero registrar mais uma vez a interpretação magnífica de Alejandra Sampaio que foi agraciada pelo dramaturgo José Sanches Sinisterra com esse texto. Ela praticamente não sai de cena e tudo gira em torno de sua personagem Valéria.

        Não que preciso fosse, mas Alejandra prova mais uma vez que é uma das melhores atrizes de nossa cena.

        Berenice, Valéria, Maria Aparecida... Personagens marcantes às quais ela empresta emoção, sensibilidade, humanidade, delicadeza e todo o seu talento.

Berenice em "Cais" - Foto de Ligia Jardim

Valéria em "Valéria e os Pássaros"

Maria Aparecida em "Sínthia"

        E o mais bonito de tudo é que na vida real Alejandra também é assim: sensível, humana, delicada e solidária para com todos que atravessam o seu caminho.



        É de gente assim que o teatro e a vida precisam.

        Obrigado, Alejandra.

01/05/2018