domingo, 29 de setembro de 2019

BRIAN OU BRENDA



        Raças, gêneros e os tipos físicos mais variados compõem o elenco da peça Brian ou Brenda e essa diversidade não foi uma escolha ao acaso dos diretores Yara de Novaes e Carlos Gradim, uma vez que ela atesta a proposta da encenação.
        Ao que consta no programa o autor Franz Kepler fez uma grande pesquisa em torno do caso da família Reimer ocorrido na década de 1960 no Canadá, onde um dos gêmeos nascidos saudavelmente teve o pênis destruído numa cirurgia de circuncisão. Por sugestão médica a família concordou que o menino sofresse cirurgia para mudança de sexo “transformando-se” de Brian em Brenda. Um corpo de Brenda com espírito de Brian foi o tormento desse ser durante toda sua vida terminada tragicamente em 2004. Baseado nesses fatos reais Kepler escreveu texto dramaturgicamente ágil com elementos da trama que vão se esclarecendo aos poucos e que não devem ser comentados sob pena de tirar a surpresa do espectador.
        Com esse texto em mãos e o elenco citado acima os encenadores criaram espetáculo extremamente ágil e criativo onde todo elenco interpreta todas as personagens da história no melhor estilo coringa. Para facilitar o entendimento do espectador e também para criar clima propício para o desenvolvimento das personagens, os atores usam etiquetas com o nome das pessoas que estão vivendo naquele momento. Uma simples arquibancada com espaço frontal foi o cenário idealizado por André Cortez para o desenvolvimento da peça; para tanto contou também com a sempre criativa luz desenhada por Aline Santini que em certos momentos “encara” o espectador, colocando-o na berlinda. A trilha sonora de Dr Morris completa o clima exigido pela encenação, assim como os criativos figurinos de Cassio Brasil que ressaltam a importância da identidade de gênero.
        Lavínia Pannunzio, Augusto Madeira e Daniel Tavares, donos de raro domínio de palco, têm intervenções excelentes quaisquer que sejam as personagens que estejam fazendo e são muito bem acompanhados por todo o resto do elenco formado pelos surpreendentes Giovanni Venturini, Jimmy Wong, Kay Sara, Marcella Maia e Paulo Campos.        
        A intervenção da atriz Marcella Maia ao final do espetáculo coroa de forma exemplar tudo o que foi mostrado até então e é com o coração apertado de emoção e de indignação que o público deixa a sala de espetáculos.

        BRIAN OU BRENDA está em cartaz no Centro Cultural São Paulo às sextas e sábados às 21h e domingos às 20h até 20/10. NÃO DEIXE DE VER... Principalmente se tiver filhos pequenos!!


        28/09/2019

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

INSÔNIA – TITUS MACBETH



        O horror! O horror!” Exclama o coronel Kurtz diante da tragédia humana em O Coração das Trevas de Joseph Conrad.
        “O horror! O horror!” Exclamamos com um gosto amargo na boca, ao final de Insônia-Titus Macbeth.

        Parece incrível que espetáculo tão forte e cruel tenha saído de mãos tão delicadas como aquelas de André Guerreiro Lopes, Djin Sganzerla e Sérgio Roveri. Sinal dos tempos! Uma vez que escolheu montar Shakespeare (1564-1616), o casal, por sua índole e beleza poderia ter optado pelos nobres de Sonho de Uma Noite de Verão ou até por Romeu e Julieta, mas a violência e a truculência dos nossos tempos fizeram com que a escolha recaísse sobre dois dos mais sangrentos textos do bardo: Titus Andronicus (obra da juventude, ~ 1590) e Macbeth (obra da maturidade, ~ 1607)
        A costura dramatúrgica das duas obras realizada a quatro mãos por André e Roveri dá o protagonismo para Lady Macbeth e Titus e a inteligente intersecção das duas obras presente em vários momentos do espetáculo se intensifica e se completa na vigorosa cena final do banquete
        A encenação de André Guerreiro Lopes ocupa todo o espaço do 13º andar do SESC Avenida Paulista e permite que o espectador circule pelos vários pontos onde se desenvolvem as diversas cenas. Apesar de cruel e sanguinolenta a montagem é esteticamente muito bonita, fato reforçado pelo cenário e figurinos de Simone Mina e a preciosa iluminação de Marcelo Lazzaratto. A sonoridade do espetáculo concebida por Gregory Slivar e executada em boa parte em cena por Samuel Kavalerski é um dos pontos fortes do espetáculo.
        Helena Ignez, do alto dos seus 80 anos, interpreta Titus com vigor impressionante. Sua poderosa voz clamando pela liberdade dos filhos ecoa por todo o espaço cênico e perdura na mente do espectador tempos depois do término da função. Sua poderosa interpretação e a corajosa caracterização de seu Titus são fatos notáveis da atual temporada teatral.
        Djin Sganzerla demonstra sua versatilidade e seu talento interpretando a maquiavélica Lady Macbeth com muita energia.
        Michele Matalon encarrega-se de uma das bruxas que surgem para Macbeth (junto com Djin e Helena) e de Tamora, outra das malvadas de Shakespeare.
        Samuel Kavalerski tem poucas palavras, mas é poderosíssima presença em todo o espetáculo, servindo quase como um narrador por meio dos sons que produz ao tocar nos diversos objetos de cena.
        Dirceu de Carvalho empresta sua bela voz a um Macbeth ofuscado pela sua poderosa companheira.
        Camila Bosso interpreta Lavínia, filha torturada e estuprada de Titus. Sua figura em certo momento da peça lembra uma índia e em minha ignorância estranhei “O que faz uma índia na Roma do século IV a.c.?”, mas depois me lembrei que estamos no século XXI em um Brasil que já torturou, estuprou e matou muitos índios! E ainda o faz! Seria essa a relação? 
        Insônia – Titus Macbeth não é, nem se propõe a ser, um espetáculo fácil. É pungente e direto em seu recado e extremamente necessário para que se reflita na relação dele com a violenta situação deste nosso país desgovernado. Mais uma vitória para o Estúdio Lusco-Fusco que nos tem oferecido trabalhos que aliam tecnologia avançada de som e imagem com conteúdo consistente.

        INSÔNIA – TITUS MACBETH está em cartaz no SESC Avenida Paulista até 20/10 de quinta a sábado às 21h e domingos e feriados às 18h.

        OBS: O SESC prima pelo bom acolhimento a seus visitantes, porém, não é o que acontece com o hall do elevador do 13º andar da unidade da Avenida Paulista onde o público que vai assistir a um espetáculo na sala daquele andar é obrigado a aguardar a abertura da sala espremido. Situação extremamente desconfortável não prevista pelos arquitetos que fizeram a reforma do prédio, que a meu modo de ver, oferecia muito mais conforto ao visitante enquanto era a unidade provisória.  


        27/09/2019                             

 

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

EU DE VOCÊ



1.   Uma introdução

         Tenho um amigo, figura influente de nosso teatro, que abomina monólogo. Argumenta que monólogo não é teatro e que os pouquíssimos bons monólogos a que assistiu eram exceções que comprovavam a regra!
        Até a metade da década de 1960 eram raras as montagens com menos de três atores. Os espetáculos do TBC e mesmo do Arena e do Oficina tinham elencos numerosos. O único monólogo que marcou época nesse início de década foi Diário de Um Louco (1965) na interpretação do grande Rubens Corrêa.
        O sucesso em 1969 de O Cão Siamês de Antonio Bivar (posteriormente rebatizada como Alzira Power) - com uma interpretação antológica de Yolanda Cardoso - e as dificuldades de produção devido à eterna crise do teatro, agora intensificada pela ação da censura, levaram alguns autores a escreverem textos com duas personagens, entre eles algumas obras primas, como O Assalto de José Vicente e, principalmente, Fala Baixo Senão Eu Grito de Leilah Assumpção, com Marília Pêra e Paulo Villaça. Completavam a lista desse ano: As Moças de Isabel Câmara e À Flor da Pele de Consuelo de Castro, mas os monólogos continuavam raros. Só nos anos 1970 é que eles marcam presença com A Vinda do Messias (1970) com Berta Zemel e Apareceu a Margarida (1974), momento maior de Marília Pêra.
        Com pouca incidência até o final do milênio, o monólogo atinge força total na segunda metade da segunda década deste século atingindo a considerável número de uma centena de espetáculos por ano (cerca de 20% do total de peças apresentadas nos palcos paulistanos). Alguns excelentes, outros razoáveis e outros francamente ruins, como qualquer outro espetáculo quer seja monólogo ou não. 

2.   Eu de Você

        Denise Fraga aderiu ao monólogo e o faz com seu talento e sua graça habituais. Dirigida por Luiz Villaça, ela foi buscar em relatos de pessoas comuns, as histórias que compõem o novo espetáculo. Acompanhada por um trio de músicas, Denise interpreta, canta e dança em cena mostrando com muita humanidade os dramas e comédias de seres humanos iguais a ela, a mim e a você. Os relatos sofreram tratamento dramatúrgico e o texto final assinado a seis mãos por Rafael Gomes, Denise e Villaça apresenta-se coeso e harmonioso.
        O espaço cênico contém três telões onde são projetadas fotos das pessoas que enviaram suas narrativas e a iluminação de Wagner Antônio colore esses telões nos momentos adequados a cada emoção. Esses elementos mais a participação preciosa das três músicas (Fernanda Maia, piano; Clara Bastos, guitarra e Priscila Brigante, bateria) são os recursos disponíveis e o resto é com Denise Fraga que circula pela plateia, interage com o público fazendo-o até cantar.
        E já que escrevemos sobre monólogos é bom lembrar que na mesma semana estreou no Teatro Porto Seguro Alma Despejada com Irene Ravache. Mais uma exceção para comprovar a regra do meu amigo???


3.   O novo Teatro Vivo 

        E o Teatro Vivo está de cara nova! A sala de espera bem mais iluminada; a sala de espetáculos e o palco dão a impressão de terem ficado mais amplos, além de significativa melhoria na acústica. É uma felicidade ver uma empresa privada investindo em cultura. Viva a Vivo!!

        Na reabertura da casa, Eu de Você, que é apresentada às sextas (20h), aos sábados (21h) e aos domingos (19h) está em boa companhia: o excelente espetáculo Ordinários da Cia. LaMínima apresenta-se às quartas e às quintas (20h).


(*) Endereços das matérias sobre esses espetáculos.

        23/09/2019

       

INFERNO – UM INTERLÚDIO EXPRESSIONISTA


 
        André Garolli sabe conduzir elencos numerosos, haja vista o bem sucedido projeto Homens ao Mar, uma trilogia de trabalhos inspirados na peças do mar de Eugene O’Neill (1888-1953): Rumo a Cardiff (2003), Zona de Guerra (2006) e Longa Viagem de Volta Pra Casa (2007).
        Com elencos menores e sempre com a Cia. Triptal criou o projeto Homens à Deriva com quatro peças, sendo duas de Tennessee Williams (1911-1983).
        Agora chegou a vez de montar um Tennessee Williams com grande elenco. Trata-se de peça pouco conhecida do dramaturgo americano escrita em 1938 com o título irônico de Not About Nightingales (Não É Sobre Rouxinóis). Baseada em fatos reais a peça se passa em uma prisão americana onde os presos são submetidos a maus tratos sob as ordens de um chefe de prisão violento. Esse chefe tem auxiliar submisso que é um preso à espera da liberdade e uma secretaria que não se submete aos seus desmandos. Há certo tom maniqueísta na peça, onde o chefe é o grande vilão e ou outros são muito bons e donos da razão. Esse aspecto inerente ao texto, não é amenizado pela direção, que de resto faz excelente trabalho de conjunto.
        Fabrício Pietro tem forte presença cênica e é um bom ator, mas sua atuação acaba sendo um pouco over e muito gritada, para dar conta das maldades da sua personagem. Camila dos Anjos empresta seu talento e delicadeza para a personagem da secretaria e Athos Magno tem ótima participação como “mocinho” da história, o auxiliar que acaba se revoltando e tem gestos de heroísmo ao final da peça. Excelente a participação de Lucas Guerini, ator que abre e fecha o espetáculo com textos de sua autoria.
        Os melhores momentos da peça estão nas cenas de conjunto onde um grupo de 30 atuadores representam os presos. A cenografia de Garolli e Cézar Rezende é composta de cadeiras que ora servem de grades da prisão e ora são trincheiras.
        A vasta ficha técnica do espetáculo mostra o cuidado com a produção do mesmo.

        INFERNO encerrou a primeira temporada no domingo (22/09) no Teatro João Caetano, mas deve retornar em breve na Cia. da Revista. FIQUE DE OLHO!

        23/09/2019

 

 

 

domingo, 22 de setembro de 2019

INHAÍ – COISA DE VIADO



       Os desavisados que não conhecem Sylvety Montilla podem pensar que se trata de uma peça de temática indígena; aqueles outros que se concentram apenas no título talvez pensem que se trata de uma brincadeirinha gay com trejeitos e dublagens da Donna Summer.
       Inhaí diverte sim, mas também faz pensar! Ao entrar no espaço cênico o público se encontra com os três alegres atores vestidos com macacões que têm a cor da pele do quase homônimo animal, a seguir, dançando e cantando no melhor estilo gay, eles se apresentam para depois dar algumas versões da origem de se chamar homossexual masculino de viado. O animal veado surge a seguir numa verdadeira aula de seus usos e costumes, sendo que a união na luta contra as adversidades presente na raça pode e deve ser um símbolo para a união entre os homossexuais e as minorias.
       No melhor estilo de teatro documentário, o espetáculo mostra por meio das pesquisas realizadas pelo grupo, o preconceito, a perseguição e o extermínio de viados, coisa que vem desde a época dos jesuítas portugueses que explodiram um índio homossexual na boca de um canhão, sendo que para os índios a homossexualidade era uma coisa normal. Triste mundo dito civilizado!
       Por meio de fatos reais e histórias fictícias, incluindo uma delicada e gostosa participação da plateia, os versáteis Fernando Pivotto, Alexia Twister e Cayke Scalloni entretém o receptivo público por hora e meia, divertindo e fazendo pensar não só sobre o mundo gay, mas sobre a intolerância cada vez mais presente na sociedade brasileira. Alguns assuntos bastante pertinentes como a AIDS e a tal de “cura gay”, não são tratados da peça; fato bem observado por Pivotto que em certo momento comenta que ali há apenas um recorte sobre o assunto e que outros recortes devem ser procurados e pesquisados. Inhaí, não é só coisa de viado, é coisa de gente de uma maneira geral. A peça precisa atingir um público além da bolha. ISSO É MUITO NECESSÁRIO!
       Não há como não citar a discreta, mas bastante segura direção do estreante Cezar Zabelli que consegue equilibrar o espetáculo entre seus momentos divertidos e aqueles sérios e documentais.

       INHAÍ-COISA DE VIADO está em cartaz no Teatro Pequeno Ato só até o próximo fim de semana. Sexta e sábado às 21h. NÃO DEIXE DE VER, ou você (viado ou não) tem algum preconceito??
 
      OBS: Um bom complemento para este espetáculo é o livro Devassos no Paraíso de João Silvério Trevisan, recém reeditado.
 

       22/09/2019

 

sábado, 21 de setembro de 2019

ALMA DESPEJADA





       Com seu talento e suas técnicas e experiências teatrais, Irene Ravache domina e preenche com tranquilidade o imenso palco do Teatro Porto Seguro. Ela nos faz ver a família, os móveis e a empregada que habitaram aquela casa hoje vazia e prestes a ser transformada ou até demolida. Dona Teresa está morta e visita a casa pela última vez e nesse aspecto a peça dialoga com Quando Tudo Estiver Pronto do dramaturgo americano Donald Margulies que esteve em cartaz até a pouco em São Paulo. Irene Ravache, com sua interpretação segura e contida, conduz as emoções dos espectadores em suas mãos.
       O cenário de Fábio Namatame preenche o espaço com as caixas dos móveis e objetos que, assim como a alma da antiga dona da casa, serão despejados. Um imenso painel ao fundo da cena tem uma árvore pintada, bonita, mas quase brega, como a fonte que Teresa diz ter na entrada da casa. Namatame também assina o sóbrio modelo vestido pela atriz.
       Solos de violoncelo (autoria de George Freire e Daniel Grajew) e uma suave iluminação de Hiram Ravache ilustram e complementam os humores e sentimentos pelos quais a personagem passa durante a ação da peça.
      Com muita delicadeza Elias Andreato harmoniza todos esses elementos junto com a soberba interpretação de Irene Ravache, presenteando o público com pouco mais de uma hora de bom teatro.
       Tudo funciona no espetáculo, mas a maior atração é o texto de Andréa Bassit. Com construção dramatúrgica enxuta e perfeita, Andréa dribla o que poderia haver de melancólico no tema, tratando-o com humor delicado e certeiro, além de não deixar de mencionar coisas importantes dos tempos atuais como a posição da mulher na sociedade e a corrupção dos políticos, uma das maiores feridas do nosso país.

       ALMA DESPEJADA está em cartaz no Teatro Porto Seguro às quartas e quintas feiras às 21h até 28/11.

       21/09/2019

      

terça-feira, 10 de setembro de 2019

CHERNOBYL





        Assisti ontem a Chernobyl, mais um soco no estômago como aqueles provocados quando estamos diante de uma obra que trata de imensa tragédia humana.
        Na última sexta feira assisti a uma peça-conferência do uruguaio Sergio Blanco onde ele comenta sobre a celebração da violência e sobre certo fascínio mórbido com que olhamos as barbaridades ocorridas à nossa volta, quer sejam produzidas por acidentes naturais, quer sejam realizadas pelo homem.
        Essas obras me fizeram refletir sobre o misto de compaixão/revolta/piedade/indignação e porque não? fascínio, com que olhamos para os prisioneiros de Auschwitz, para as vítimas do ataque de Hiroshima, para o menino sírio morto na praia de Bodrum na Turquia, para a condição sub humana em que vivem os moradores de rua e para tantas outras barbaridades, a maior parte delas, provocadas pelo assim chamado homo sapiens!


        Foi com esse espírito e com forte mal estar provocado por uma gripe que assisti ao pungente espetáculo dirigido com mão de mestre por Bruno Perillo tendo quatro excelentes atrizes no elenco.
         O texto da francesa Florence Valéro narra os terríveis fatos ocorridos em 1986 na Ucrânia com a explosão da usina nuclear de Chernobyl contando a história pelos olhos de uma boneca que a tudo presenciou sem poder fazer absolutamente nada. E aqueles dotados de vida o que puderam fazer? Nada também!
        Com o uso de sugestivas imagens e até com pitadas de humor, a encenação de Perillo procura amenizar, sem deixar de denunciar, essa imensa tragédia, para tanto se mune dos sugestivos figurinos cinzentos criados por Chris Aizner, assim como do cenário também de Aizner, composto por caixotes que circulam pelo espaço adquirindo diversas funções. A iluminação e o vídeo de Grissel Pinguillem completam o ambiente necessário para o espetáculo.
        Quatro grandes atrizes se revezam nas diversas personagens/narradoras propostas pela autora. Excelentes quando atuam em conjunto, Carolina Haddad, Joana Dória, Manuela Afonso e Nicole Cordery brilham ainda mais em seus solos/depoimentos.
        Chernobyl é espetáculo necessário para refletirmos sobre os desmandos a que estamos sujeitos. Não podemos esquecer que temos uma Angra 3 à espreita!
        Vou rever o espetáculo em momento melhor de saúde e talvez mude meu ponto de vista e volte a escrever sobre ele.

        CHERNOBYL está em cartaz no SESC Consolação às segundas e terças às 20h até 22/10. NÃO DEIXE DE VER.

 

        10/09/2019

 

 

sábado, 7 de setembro de 2019

CASA SUBMERSA



Virginia Buckowski
 
         Desta vez a Velha Companhia mergulha fundo nas águas turvas de um Brasil desumano e violento para contar a saga de Maíra, uma bióloga marinha traumatizada com seu passado obscuro e que ao ir atrás dele descobre não só as suas origens como os fatos que levaram ao assassinato do seu suposto pai pelo fato dele ter denunciado a morte de 500 caminhoneiros no estado do Pará na década de 1980. O público é guiado por um escafandrista que o conduz literalmente até o fundo do poço brasileiro.
 
Leonardo Fernandes

         A peça de Kiko Marques é dividida em três atos que ele chama de estágios de apneia. No primeiro (O Tubarão de Okinawa) o autor faz o seu costumeiro jogo com o tempo e o espaço de maneira não cronológica para contar um pouco sobre quem é a protagonista Maíra. O ato termina com um diálogo entre Maíra e um tubarão do aquário de Okinawa que, ao que se sabe, é o único de sua espécie que vive confinado em um viveiro. O segundo estágio (A Casa) é mais linear e no meu modo de ver, o melhor elaborado, ali conhecemos a família de Maíra e parte do seu passado. No terceiro ato (Lago de Lágrimas) uma madura e agora vivida Maíra já com todos os detalhes do seu passado e de sua origem provoca uma verdadeira explosão em relação aos seus predadores. Mais não escrevo para não ser desmancha prazer. Apesar de estarem dramaturgicamente bem amarrados, com pequenos ajustes cada um desses atos poderia funcionar como uma peça independente.

         A elaboração do texto começou a partir de oficinas realizadas pela Velha Companhia em 2018. Os participantes relataram casos fictícios ou reais. Um desses fatos - terrivelmente cruel e retrato do Brasil violento em que vivemos - somado a um sonho que Kiko teve com casa submersas foi o embrião da obra que hoje se chama Casa Submersa. Trata-se do texto mais complexo do dramaturgo e ele completa a Trilogia das Águas iniciada com a obra prima Caís ou Da Indiferença das Embarcações de 2013 e continuada com Sinthia em 2016.

         Para dar conta do texto a encenação é tão complexa quanto ele. O cenário de Marisa Bentivegna que corta o espaço cênico numa semi diagonal expõe e esconde os personagens, além de servir de tela para as projeções de imagens, a iluminação através de uma porta com as entradas e saídas do escafandrista sugerem os quadros de De Chirico. Os belos figurinos de João Pimenta são bastante estilizados sugerindo a personalidade da cada personagem. Bruno Menegatti criou uma poderosa trilha musical para acompanhar as ações.

         Kiko Marques harmoniza todos esses elementos com um elenco tão homogêneo que fica difícil destacar esta ou aquela interpretação.
 
         O autor dá um verdadeiro presente para sua companheira Virginia Buckowsky por meio da personagem Maíra que vai da insegurança das primeiras cenas ao total domínio da situação no final da peça. Virginia atravessa praticamente toda a peça em cena e aproveita cada momento de sua personagem nos presenteando com uma vigorosa interpretação.
 
Kiko Marques

          Kiko reservou para si o difícil personagem do Senador e o faz com grande brilho. Willians Mezzacapa está ótimo como o patético português Augusto, enamorado de Maíra e homenageia Maurício de Barros no modo de falar com o Seu Dejair. Os Marcelos Marothy e Diaz brilham como sempre, o primeiro como o asqueroso Salsicha e o segundo como o impagável tubarão de Okinawa. Valmir Sant’Anna que foi uma revelação em Sínthia confirma seu talento como o injustiçado pai. Leonardo Fernandes faz sua estreia na companhia em grande estilo como o escafandrista. Bruno Menegatti e Rodrigo Vellozo encarregam-se da parte musical, além do último também interpretar o psiquiatra que cuida de Maíra.
 
Patrícia Gordo
 
Adriana Dham

         E o que dizer do elenco feminino? As três irmãs de Maíra ganham vida nas intervenções de Patrícia Gordo (cada dia melhor), Adriana Dham e Ana Negraes, sendo que esta última interpreta uma sensual “sereia” no primeiro ato. Muito simpática e oportuna a inclusão de uma verdadeira índia (Sandra Nanayna) como Dulce que além de boa atriz canta com uma linda voz.
 
Juliana Sanches
 
         Por último, mas não menos importante: a talentosíssima Alejandra Sampaio interpretaria a personagem de Maíra Mãe, mas sua nenê deu sinais de querer vir ao mundo antes do tempo e ela teve que abandonar temporariamente o projeto. Substituída às pressas por Juliana Sanches, esta teve menos de uma semana para se preparar para o papel. Contando com o carinho e o apoio do grupo, com seu esforço e com o imenso talento que o Universo lhe deu, Juliana já na noite de estreia nos ofereceu tanto uma “Maíra Mãe” como “A Que Ria das Dores” plenas de humanidade e verossimilhança.
 

         Essa somatória de talentos só poderia resultar em mais uma vitória da Velha Companhia.

         CASA SUBMERSA está em cartaz no SESC Pompeia de quarta a sábado às 20h e aos domingos às 18h. São poucos lugares e a temporada é curta (só até 22/09). Corra e acompanhe o escafandrista por nossas águas turvas! É doloroso, mas é necessário!

         07/09/2019

        

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 1 de setembro de 2019

CORDEL DO AMOR SEM FIM



        Há muita delicadeza e muita singeleza neste texto de Claudia Barral. Delicadeza e singeleza tão raras nos dias conturbados que vivemos que é um verdadeiro alento parar o tempo por uma hora para testemunhar que para a protagonista Tereza o tempo só passa para ela esperar pelo resto de sua vida um Antonio que virá, que virá, que virá...
         O texto de Barral é pleno de poesia e beleza e Daniel Alvim soube conservar essas qualidades na ótima montagem ora em cartaz no SESC Santo Amaro.
        Em 2007 o grupo Sinhá Zózima dirigido por Anderson Maurício já havia montado esse texto que era representado dentro de um ônibus e agora Alvim faz uma nova leitura do mesmo.
        A trama é muito simples: três irmãs têm uma vida simples no sertão nordestino à beira do Rio São Francisco, a caçula Tereza está prometida para o matuto José, mas ao apaixonar-se por Antonio que ela conheceu ao acaso no cais, ela jamais pensará em outro homem, malgrado as interferências das duas irmãs e a espera eterna pelo homem que viu uma única vez. A história tem desdobramentos trágicos beirando o melodrama, o qual tanto a autora como o diretor sabem dosar.
        A direção de Daniel Alvim é de uma delicadeza ímpar valendo-se das belas canções criadas por Dadi Barral para criar o clima necessário ao espetáculo. São importantíssimos os silêncios que pontuam toda a encenação e que muitas vezes transmitem muito mais que as palavras. Apesar de estarmos no sertão nordestino um suave vento tchekhoviano sopra durante toda a peça. O tablado criado pelo cenógrafo André Cortez onde se desenvolve toda a ação é bonito e bastante flexível; ele está aparentemente apoiado em bacias cheias de água que poderiam representar o Rio São Francisco.
        Um elenco primoroso dá vida às personagens criadas por Claudia Barral: as três irmãs são interpretadas com muito carinho por Helena Ranaldi, Patrícia Gasppar e Débora Gomez, todas elas, de alguma maneira, esperando que um dia as coisas tomem um novo rumo (olha aí, Tchekhov!). Rogério Romera com seu belo porte é o narrador da história e intérprete das canções dedilhando o seu violão. Luciano Gatti representa com muita garra o matuto José, poço de frustrações que ele transforma em ódio desencadeando o trágico final da história. Trágico não para Tereza que vai continuar a esperar o seu Antonio.
        O texto Rio adentro e suas histórias de Daniel Alvim constante do programa é um bônus poético que complementa o espetáculo e não pode deixar de ser lido.

        CORDEL DO AMOR SEM FIM está em cartaz só até o próximo fim de semana (08/09). Quinta e sexta (21h), Sábado (20h) e Domingo (18h30). IMPERDÍVEL!

        01/09/2019

 

 

       

CRIATURA – UMA AUTÓPSIA


 
       O artista que muito jovem escreve sua obra prima fica marcado por ela pelo resto de sua vida. Com Mary Wollstonecraft Shelley (1797-1851) não aconteceu diferente. Ela tinha apenas 21 anos quando escreveu Frankenstein e essa é a obra pela qual ela será sempre lembrada. Apesar de muito jovem Mary já tinha uma experiência de vida e já havia perdido dois filhos, mesmo assim é surpreendente pensar em sua imaginação ao criar personagem tão monstruoso.
       Bruna Longo concebeu um espetáculo onde coloca frente a frente criadora e criatura e em apenas uma hora dá ao espectador uma boa ideia da vida de Mary Shelley e de seu personagem mais famoso. Pequenina em tamanho, Bruna se agiganta em cena colocando seu corpo e sua límpida dicção (como é bom entender cada sílaba que o ator diz!) a serviço de seus personagens. Contribuem para o sucesso da empreitada a lúgubre ambientação cênica criada pela atriz e por Kleber Montanheiro; assim como os adereços que compõem a cena trazidos também por Bruna com a colaboração de Larissa Matheus; a precisa iluminação de Rodrigo Silbat e a poderosa trilha sonora escolhida também por Bruna. Todos esses elementos harmoniosamente somados oferecem a moldura perfeita para a intérprete que transitando entre o criador e a criatura mostra pleno domínio de cena e oferece ao espectador uma marcante interpretação com base no assim chamado teatro físico.
 
Foto de Danilo Apoena
 
       Para quem não conhece detalhes da vida de Mary Shelley a primeira parte da peça pode soar confusa, principalmente pelo fato de uma parte da história ser narrada em off e outra pela atriz em cena. Uma leitura prévia do texto incluso no programa ajudaria, mas o mesmo só é entregue quando se entra na plateia.
        
       CRIATURA – UMA AUTÓPSIA encerrou sua temporada na Oficina Cultural Oswald de Andrade no dia 31/08, mas fará QUATRO SESSÕES EXTRAS no mesmo local no mês de setembro. Fique de olho nas datas e horários (Telefone: 3222-2662)
 
       01/09/2019