quinta-feira, 26 de junho de 2025

FESTIVAL OCUPACENA

 

A convite de Mariana Nunes, estive na noite de ontem no Teatro do Kaos em Cubatão para assistir às apresentações do dia do “VI Festival Ocupacena” idealizado e produzido pelo “Coletivo Valsa Pra Lua”.

O amplo saguão/terraço do aconchegante espaço está lindo e colorido com as artesanias expostas na feira criativa.

No espaço cênico foram apresentadas cinco cenas curtas (a regra do festival é que as cenas podem durar no máximo vinte minutos), todas elas feitas com garra e amor. É impossível não destacar a emoção com a cena de André Mesmo (“Subindo a Escada”) que lembra os filmes mudos de Buster Keaton; a delicadeza e a graça da clown que interpreta “Lua Branca” e a hilariante metalinguagem de “Coveiros” com o grupo “É Só Isso”.

Uma plateia formada em grande parte dos jovens alunos do curso de teatro do Kaos, acompanhou com entusiasmo as apresentações.

Digna de nota a contrarregragem realizada pelas meninas de camiseta amarela da produção nos intervalos das cenas, varrendo o palco e até carregando baldes de água para esvaziar uma mini piscina utilizada na primeira cena; elas também fazem as apresentações de cada cena. Tudo isso com garra e amor emocionantes e sob a liderança de Mariana, atenta a tudo que acontece.

O festival apresenta 25 grupos ao longo da semana, além de palestras e a apresentação de um espetáculo convidado (“Geografias” do “Centro de Pesquisa em Artes”) que encerra o evento no domingo, 29.

Mariana Nunes é uma guerreira que se alinha com grandes mulheres do teatro, sempre dispostas aos maiores desafios para manter acesa a chama de nossa amada arte. É louvável sua atuação na formação de público na cidade de Cubatão.

De lambuja, foi delicioso reencontrar Mariana, Levy, Alana, Rafael, Fabiano, Lourimar e muitas meninas que conheci ao participar de outros festivais do Kaos.

Noite linda a ser somada aos importantes eventos teatrais do ano.

Obrigado Mariana!

O VI FESTIVAL OCUPACENA ocupa o TEATRO DO KAOS em Cubatão de 23 a 29 de junho sempre às 2h (com exceção das palestras no sábado às 15h) 

26/06/2025

 

quarta-feira, 25 de junho de 2025

A MÉDICA

 

 

Dra Ruth Wolff é uma médica de origem judaica, sem religião, que dirige com mãos firmes uma clínica para pacientes de Alzheimer. Rígida em seus princípios e ciente de sua capacidade, a doutora sofre um revés em sua vida profissional e pessoal ao impedir que um padre católico entre em um quarto para dar a extrema unção a uma jovem agonizante.

A peça do dramaturgo britânico Robert Icke (1986-) é inspirada em “Professor Bernhardi” do escritor vienense Arthur Schnitzler (1862-1931). O início das duas peças é semelhante, mas enquanto “Professor Bernhardi” coloca em xeque apenas o antissemitismo, “A Médica” vai além, expandindo os preconceitos para aqueles de gênero, sexo e também raça.

A peça apresentada pelo “Círculo de Atores” usa a ótima tradução de Diego Teza e é dirigida de forma clara e lucida por Nelson Baskerville.

A primeira parte da peça tem um ritmo frenético com a discussão entre os médicos da clínica de como tratar as repercussões negativas do caso, a movimento dos atores em cena é um espetáculo à parte.

No terço final surge um programa televisivo tipo “Roda Viva”, onde a doutora é bombardeada com questões sobre o acontecido, além de cenas domésticas da doutora, onde se revela sua opção sexual. Há uma visível queda de ritmo nesta parte final.

O elenco afinado garante a qualidade do espetáculo. Adriana Lessa e César Mello têm brilhantes momentos na defesa da doutora; Anderson Müller e Sergio Mastropasqua atuam com autoridade como opositores; Thalles Cabral é uma ótima revelação como o estagiário; Luisa Silva está bem como a secretária Rebeca; Cella Azevedo garante alguns momentos de descontração e humor como Sami; Chris Couto interpreta a companheira Cacá de Ruth com dignidade; Isabella Lemos adota a altivez e a autoridade da Ministra Kênia e Kiko Marques empresta seu talento tanto como o Padre José como o pai da menina morta.

Todos holofotes vão para Clara Carvalho em uma guinada em sua gloriosa carreira ao interpretar uma mulher de pulso firme e irreversível em suas decisões e pontos de vista.  Clara que já deu provas de talento como tradutora e diretora, agora surpreende como atriz em uma outra chave interpretativa bastante diferente daquela que já estávamos acostumados.

Apesar de suas ações radicais, Icke trata Ruth como a heroína da trama sem questionar essa posição e coloca os opositores como vilões, algo que diminui a abrangência da peça.  

A produção se completa com os talentos de Marisa Bentivegna na criação de cenário propositalmente frio com módulos de paredes transparentes que se movem nas mudanças de cena; de Marichilene Artisevskis (figurinos); de Wagner Freire (iluminação); de “Um Cafofo” (direção de imagem).

Destaque especial para a trilha sonora composta por Gregory Slivar e executada ao vivo por ele e Edézio Aragão.

Saindo das peças de Bernard Shaw, o Círculo de Atores se volta para outro baluarte do teatro internacional.

A MÉDICA está em cartaz no auditório do MASP. Sexta e sábado 20h. Domingo 18h 

24/06/2025

segunda-feira, 23 de junho de 2025

JOÃO

 

 

Quantos Joãos são necessários para conceber um Severino?

Muitos Joãos, Pedros, Josés e até Severinos devem ter cruzado o caminho de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), poeta e diplomata pernambucano, para inspira-lo na criação de personagens sofridas do sertão nordestino, sendo Severino do poema “Morte e Vida Severina” a mais famosa.

Marcelo Marcus Fonseca, dramaturgo do espetáculo, condensa todas essas inspirações em uma única personagem de nome João, que está migrando para o sul com a cara e a coragem. No encontro com o poeta surgem os primeiros belos diálogos da peça.

João Cabral segue sua carreira de escritor enquanto João - só João - vai para o Sul Maravilha onde se engaja com Gaivota, uma travesti valente, mas muito carinhosa. A vida urbana não é fácil e o casal acaba sucumbindo à especulação imobiliária.

 João Cabral, João e Gaivota são os pilares do espetáculo e são defendidos com muita garra por Vitor Vieira, Dudu Galvão e Mattilla, respectivamente.

Vitor Vieira

Dudu Galvão

Mattilla

Vitor empresta seu conhecido talento para criar um João Cabral nobre e até meio esnobe na sua altivez, Dudu tem graça e singeleza como o inocente João e Mattilla é um verdadeiro furacão em cena com uma interpretação que tira do chão e deslumbra o espectador, algo de que só a verdadeira arte é capaz. Curiosamente, Mattilla só entrou na montagem às vésperas da estreia, para substituir Marina Mathey que teve que passar por um procedimento cirúrgico.

O musical “João” tem bela e até sofisticada tradução cênica de Kleber Montanheiro que utiliza os quatro cantos da Cia da Revista como cenário.

A luz (Gabriele Souza), os figurinos (Marcos Valadão) e o visagismo (Louise Helène) colaboram harmoniosamente com a direção.

João Cabral, tão avesso à música, ficaria encantado com as canções criadas por Marco França e tão bem letradas por Vitor Rocha. Diga-se de passagem, que ele já deve ter se encantado em 1965 quando o jovem Chico Buarque musicou seu poema “Morte e Vida Severina” na montagem do TUCA dirigida por Silney Siqueira.

O elenco de apoio também é muito bom, com destaque para Bia Rezi, encantadora presença cênica.

Uma ressalva: Apesar do elenco estar micro fonado e do espaço não ser muito grande, o espetáculo acontece em volume muito alto, algo que chega a prejudicar a fruição do mesmo.

A sala de espera da Cia da Revista está decorada com figurinos e cenas dos espetáculos de Kleber Montanheiro.

Fotos de Edgar Machado 

JOÃO está em cartaz no Espaço Cia da Revista de sexta a domingo às 20h até 03 de agosto. 

23/06/2025

domingo, 22 de junho de 2025

VEIAS ABERTAS 60 30 15 SEG

 

Mas tudo passa, tudo passará
E nada fica, nada ficará

(Nelson Ned)

Nos anos 1970, regimes totalitários vomitavam poder e truculência em muitos países da América Latina como Brasil, Argentina, Chile e Uruguai.

Em 1971 o escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) publica “As Veias Abertas da América Latina”, volumoso livro analisando a história do continente sul americano que passou da dominação europeia para a norte americana.

A “Aquela Cia.” do Rio de Janeiro se inspira no livro de Galeano para fazer uma linha de tempo da América Latina por meio de narrativa fragmentada com cenas que têm a velocidade das redes sociais e não duram mais do que 60 segundos. Em um ritmo frenético o elenco se reveza nas cenas que são interrompidas por um sinal que soa após 15, 30 e no máximo 60 segundos. Mesmo com esse delírio temporal o público é capaz de juntar as pedras do quebra cabeça compreendendo o espetáculo como um todo.

As cenas são intituladas com ritmos: mambo, rumba, samba e até os intervalos duram 15 segundos!!

Carolina Virgüez, Matheus Macena e Rafael Bacelar revezam-se nos papeis de oprimidos e opressores em um verdadeiro carrossel de situações e personagens chegando a entoar e dançar canções muito importantes para o clima do espetáculo; dois músicos (Felipe Storino e Pedro Leal David) fazem parte da cena e Carolina tem a leveza de uma pluma parecendo flutuar quando dança.

A canção de Nelson Ned permeia toda a encenação parecendo ilustrar que nada é definitivo e que um dia os tempos sombrios também vão passar, mas para isso vai ser preciso resistir e lutar.

A direção de Marco André Nunes é tensa e veloz como requer o texto de Pedro Kosovski e Carolina Lavigne.

            A direção de movimento é um ponto nevrálgico desse tipo de montagem e é resolvido muito bem por Márcia Rubin.

         Destaque para os figurinos e máscaras assinados por Fernanda Garcia.

A volta de “Aquela Cia” aos palcos paulistanos é sempre bem-vinda. Depois de “Caranguejo Overdrive” e “Guanabara Canibal” que se concentravam na realidade carioca, voltamos a nos impactar com esse poderoso e imperdível “As Veias Abertas 60 30 15 seg” que amplia o foco para toda a América Latina. 

AS VEIAS ABERTAS 60 30 15 SEG está em cartaz no SESC Pompeia até 04/07 com sessões de quarta e quinta às 19h e sexta à 15h e 19h. 

22/06/2025

 

sexta-feira, 20 de junho de 2025

GATTU É UMA FESTA!

 

        É sempre uma festa ir ao Cine e Teatro do Sol do Grupo Gattu em Santana. E hoje, não estou aqui para comentar um espetáculo, mas para elogiar a maneira como o público é recebido nesse local tão aconchegante e como é importante haver um grupo teatral fora do circuito tradicional (o centro da cidade, o Bixiga e a região da Avenida paulista). A zona norte, carente de espaços teatrais, tem no Cine e Teatro do Sol, um local onde há sempre uma atração cultural à disposição do público da região gratuitamente. Os espetáculos infantis ali realizados prestam-se à importante missão de formação de público.

A alegria começa com o carinhoso acolhimento que acontece desde a porta da entrada. Funcionários e maridos das atrizes recebem o público com um sorriso nos lábios e um cafezinho na sala de espera.

        Neste sábado foi a estreia da nova montagem de “Glória”, peça da tetralogia filosófica de Eloisa Vitz, sobre a qual escrevi em 2019 quando de sua primeira versão:

        https://palcopaulistano.blogspot.com/2019/04/gloria.html

        Após o espetáculo acontece o brinde com espumante servido gentilmente pelos maridos das atrizes, a atuação desses companheiros fora de cena é um espetáculo à parte que até mereceria uma peça sobre o assunto. Sugeri à dramaturga Eloisa que pense nisso.

        O elenco sai do camarim sob aplausos e vem se congraçar com o público: Eloisa Vitz, Miriam Jardim, Mariana Fidelis, Lilian Peres, Daniel Gonzales e Paulo de Almeida são pessoas muito especiais e talentosas que merecem o carinho com que são recebidos pelos presentes.

        E a noite regada a espumante e afeto segue com muitos abraços e muito papo sobre teatro.





        Em 2017 dei o prêmio de acolhimento ao Grupo Gattu na minha lista de melhores ZESCAR e o grupo continua, cada vez mais, merecedor desse título.

        20/06/2025

       

quinta-feira, 19 de junho de 2025

DZI CROQUETTES SEM CENSURA

 

Fotos de Ronaldo Gutierrez

Abro esta matéria reproduzindo texto que escrevi para a minha dissertação de Mestrado em 2012 e que consta de meu livro “O Palco Paulistano de Golpe a Golpe (1964-2016)”:

1973 - Dzi Croquettes. Apresentada no Teatro Treze de Maio. Foi um fenômeno muito bem-vindo. Em época de dura repressão, o grupo liderado por Lennie Dale e Wagner Ribeiro fez furor na cidade. Mais uma vez fui convidado a dançar com um dos participantes e, é claro, aceitei. O espetáculo era irreverente e divertido. Ficou muito tempo em cartaz em vários teatros e o revi várias vezes.”

Isso foi um pouco do que a memória guardava em 2012 e, ainda hoje, depois de cinquenta anos rememoro o corajoso espetáculo que iluminou a época negra da ditadura militar, cutucando e lambendo feridas tão doloridas. 

Em 2016 Ciro Barcelos reviveu Dzi Croquettes em um simpático espetáculo apresentado no Rio de Janeiro e em São Paulo (no extinto Teatro Augusta). 

De maneira mais elaborada Ciro volta ao grupo em espetáculo estreado no Teatro Itália no dia 12/06/2025.



No primeiro ato Ciro se divide narrando o histórico da formação do grupo e representando Lennie Dale. Os jovens da montagem atual são apresentados e designados para representar os croquettes originais: Wagner Ribeiro, Carlos Tovar, Paulette, Nêga Wilma, entre outros. Aqui é mostrada a convivência daqueles jovens irreverentes com suas alegrias, tristezas e que acreditavam no que iam fazer, apesar de toda truculência imposta pelo regime militar.

Esse ato termina de forma triunfal e emocionante recebendo uma ovação da plateia. Não conto de que maneira para não tirar a surpresa e a emoção de quem for assistir.

O segundo ato é o show dos Croquettes com a recriação, por um elenco de jovens atores/dançarinos/cantores talentosos e bonitos, de vários quadros que encantaram plateias de todo o mundo. É uma verdadeira empolgação que se espalha pelo público.

Belas homenagens são prestadas aos saudosos Lennie Dale e Elis Regina que recebeu lições de Lennie de como se movimentar em cena no início da carreira.


“Dzi Croquettes Sem Censura” é um espetáculo delicioso de se assistir.

Cartaz do Teatro Itália de quinta a domingo às 20h30.

NÃO PERCA!

19/06/2025

 

segunda-feira, 9 de junho de 2025

DESERTORES e A CAUSA SECRETA

 


Que pena! O “Coletivo Alfenim” já está indo embora.

O Alfenim é um grupo da Paraíba fundado em 2007 pelo paulista Márcio Marciano que para lá se mudou, após deixar a “Cia. do Latão” da qual foi fundador, dramaturgo e diretor em parceria com Sergio de Carvalho.

Alfenim vem realizando importante ação teatral em João Pessoa tendo montado, segundo o site do coletivo, nove espetáculos nos dezoito anos do grupo, uma média de um novo espetáculo a cada dois anos. Todos os espetáculos foram dirigidos por Marciano e o elenco conta com intérpretes que estão no grupo há muito tempo, como Adriano Cabral, Lara Torrezan e Paula Coelho, companheira do diretor.

Uma curiosidade: alfenim, que dá nome ao grupo, é um doce típico da Paraíba, parecido com a rapadura.

 Ao que me consta, das poucas vezes que o Alfenim esteve em São Paulo trouxe “Quebra Quilos” e “Milagre Brasileiro” em 2010 e “Memórias de Um Cão” em 2019, por isso o anúncio de uma temporada no SESC Belenzinho foi recebido com muita expectativa. A temporada ocorreu de 16/05 a 08/06.

Desta vez o coletivo trouxe seus dois últimos trabalhos: “Desertores” de 2019 (10 apresentações) e “A Causa Secreta” de 2024, (apenas três apresentações) bastante diferentes um do outro, mostrando a versatilidade do grupo. 

DESERTORES


“Desertores” é um experimento cênico que tem por base a obra “O Declínio do Egoísta Johan Fatzer” de Bertolt Brecht. A montagem de Marciano transpira Brecht no seu caráter épico e nas alusões às peças didáticas do dramaturgo alemão. A cenografia também assinada por Marciano consiste de uma plataforma que corta a plateia, por onde as personagens se movimentam. Dignas de nota são a bela iluminação de Ronaldo Costa e a excelente trilha sonora que comenta toda a ação.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) quatro soldados resolvem desertar. Na clandestinidade tentam sobreviver sonhando com a possibilidade de que uma ação coletiva possa acabar com a guerra. O elenco coeso tem Adriano Cabral em destaque no papel de Fatzer.

Espetáculo íntegro denunciando as insanidades de toda e qualquer guerra.

Vale lembrar das palavras do Mestre Brecht na “Cartilha de Guerra Alemã”:

“A guerra que está por vir não é a primeira; antes dela outras já ouve.

Quando a última acabou, viram-se vencedores e vencidos.

Entre os vencidos, o povo mais pobre passando fome;

Entre os vencedores o povo humilde passando fome também” 

A CAUSA SECRETA


O lado B da temporada do Alfenim foi composto de apenas três apresentações de “A Causa Secreta” baseada no conto homônimo de Machado de Assis.

O conto é sombrio e até mórbido revelando Fortunato, uma figura sádica que se satisfaz torturando animais e seres humanos para lhes ver o sangue escorrer, ele é casado com Maria Luísa que tem uma doença grave e faz amizade com Garcia, um médico que percebe e investiga os estranhos hábitos de Fortunato.

Marciano ambienta essa história no picadeiro de um circo onde um esfuziante mestre de cerimônias (Edson Albuquerque, excelente) narra a história com divertido toque de humor. Bem-vindas referências ao melodrama fazem parte da encenação.

Paula Coelho (Maria Luísa), Murilo Franco (Garcia) e Adriano Cabral (Fortunato) representam o trio central.

Kevin Melo executa ao vivo a trilha sonora de sua autoria.

Sem didatismo a deliciosa encenação cumpre o objetivo proposto por Márcio Marciano: “refletir sobre a perversão que preside as relações de dominação presentes em nossa sociedade, e que se manifestam não apenas no âmbito das relações públicas, mas também no cotidiano das relações privadas”

O humor também faz parte da divulgação do espetáculo - que foi montado sem nenhum patrocínio -  ao informar que “nem lei, nem deus” apoiaram a montagem do mesmo. 

Espera-se que o resultado altamente positivo dessa temporada, permita que o Alfenim volte com mais frequência aos palcos paulistanos 

09/06/2025

 

 

 

 

segunda-feira, 2 de junho de 2025

LADY TEMPESTADE

 

Contar e recontar uma história muitas e muitas vezes, é uma maneira de impedir que o horror aconteça de novo

(Andrea Beltrão)

         E agora o ciclo se completou.

        Esse ciclo começou quando tomei conhecimento da brava existência de Mércia Albuquerque, professora e advogada pernambucana que defendeu presos políticos e lutou contra a ditadura civil militar brasileira, razão pela qual foi também perseguida e presa. Mércia escreveu diários sobre suas atividades.

        O impacto continuou quando recebi um presente de Sílvia Gomez com o texto da peça que ela escreveu a partir dos diários de Mércia. Li o texto com um misto de indignação, revolta e admiração pela valorosa mulher que foi Mércia. O texto de Silvia é uma lição de dramaturgia.

        O ciclo ficou em clima de expectativa: a peça intitulada LADY TEMPESTADE, dirigida por Yara de Novaes e interpretada por Andrea Beltrão estava em cartaz no Teatro Poeira no Rio de Janeiro e havia chance de vir para São Paulo.

        E o dia chegou completando o ciclo:  no dia 30 de maio a peça estreou no Teatro Anchieta.

        Andrea Beltrão preenche todas as expectativas realizando trabalho soberbo, cheio de nuances, circulando entre a narração da história (Sra. A.) e a interpretação de Mércia. Andrea passa de A. para Mércia apenas com um leve girar de cabeça e adotando o sotaque pernambucano. Trabalho primoroso, digno dos prêmios para os quais foi, ou será, indicada.

        Yara de Novaes realiza mais um notável trabalho, desta vez como diretora do espetáculo, fazendo uma bela tradução cênica do texto de Silvia.

        Trata-se de espetáculo de três mulheres brilhantes (Silvia, Yara e Andrea) reverenciando outra mulher brilhante (Mércia) e contando e recontando sua história, como escreve Andrea no programa, refrescando assim a memória de todos para o terror que foram os anos da ditadura e alertando para os perigos de um retorno desses tempos tão sombrios.

        Um soco no estômago necessário, que não deixa ninguém indiferente. Muita gente sai do espetáculo com lágrimas nos olhos.

        Assisti ao espetáculo da plateia do Teatro Anchieta; existem poltronas disponíveis também no palco do teatro, nas quais acredito, que nela sentado, o espectador obtenha um clima mais parecido com aquele oferecido no aconchegante espaço do Teatro Poeira no qual o espetáculo foi concebido.


        LADY TEMPESTADE está em cartaz no Teatro Anchieta até 06/07 com sessões de quinta a sábado às 20h e domingos às 18h.

        URGENTE/NECESSÁRIO/IMPERDÍVEL

        01/06/2025