sexta-feira, 10 de março de 2017

ÁGUAS DE MARÇO


        São as águas de março levando e trazendo bons espetáculos para os palcos paulistanos.

Daniel Tavares, Tiago Real, Andrea Dupré, Renata Calmon

        Levaram o ótimo EIGENGRAU – NO ESCURO que esteve em cartaz até domingo, dia 05, na Funarte. O engenhoso texto de Penélope Skinner tem as características da excelente dramaturgia contemporânea inglesa: personagens consistentes, narrativa fragmentada com boa trama e ótimos e ágeis diálogos. Nelson Baskerville faz uma leitura nervosa do texto enfatizando a relação das personagens com as neuroses de uma cidade grande. São dois homens e duas mulheres que se relacionam de maneira inusitada e surpreendente criando a eterna ciranda: A quer B, mas B se interessa por C e D (por quem ninguém se interessa) acaba se interessando por A. Essas figuras são interpretadas de forma naturalista e convincente por quatro ótimos atores: Andrea Dupré, Renata Calmon, Tiago Real (o gordinho e tímido Tomás – o D da ciranda - que abre e fecha a peça dialogando com as cinzas da avó) e Daniel Tavares. Espetáculo simples na aparência, delicioso de se assistir e que merece uma segunda temporada na cidade.

        Trouxeram dois monólogos (tendência crescente como já apontei em outra matéria) e uma peça húngara, fato quase inédito na cena da cidade:


        HAMLET – PROCESSO DE REVELAÇÃO - O Coletivo Irmãos Guimarães que já ofereceu excelentes leituras da obra de Beckett traz essa reflexão do ator Emanuel Aragão sobre o mais famoso e complexo texto de Shakespeare. Ele narra e interpreta cenas da peça de forma surpreendente enfatizando a relação de Hamlet e Horácio e sumariamente tirando Ofélia da história. A trama é permeada com declarações pessoais do ator e com abertura de diálogo com a plateia, podendo provocar - como foi o caso na sessão em que assisti ao espetáculo – reações de alguém do público que quer brilhar mais que o ator que está em cena! Ao meu modo de ver essa interatividade (sinal de contemporaneidade!) só atrapalha a fruição de trabalho tão sólido e bem realizado. Cartaz do Sesc Ipiranga até 26/03 às sextas e sábados às 21h e aos domingos às 18h. O ator informa que a peça pode durar entre 2 e 3 horas, dependendo da reação da plateia.


        QUARTO 19 – A atriz Amanda Lyra traduziu e adaptou o conto homônimo de Doris Lessing sobre uma mulher bem realizada na profissão que casa com o homem que ama, tem três belos filhos, abandona o trabalho para cuidar dos pequenos e acaba tornando-se o que se convencionou chamar de “do lar”. Acredita que quando os filhos crescerem possa retornar a uma vida mais ativa, mas aí já é tarde demais... Só lhe resta o quarto19! Amanda defende essa personagem tão parecida com tantas mulheres que se anulam em função da sociedade machista em que vivem; ela narra para a plateia de forma muito natural as fases da vida dessa mulher, interpretando-a em certos momentos, sempre com muito brilho e vigor. A direção limpa de Leonardo Moreira coloca todo o foco no trabalho da atriz. Mais um monólogo de fôlego a se juntar a outros que estiveram ou estão em cartaz na cidade. No Sesc Pinheiros de 09/03 a 15/04 de quinta a sábado às 20h30.


        O PLANETA TÁ UM LUGAR PERIGOSO – Peça húngara contemporânea de László Garaczi montada por iniciativa da também atriz Frida Takáts. A peça é veículo para um surpreendente trabalho de Leonardo Miggiorin que interpreta uma personagem dos sete aos setenta anos (o psicólogo do menino lhe faz uma hipnose progressiva fazendo-o vivenciar o futuro em várias idades até a sua morte). Com esse mote a peça procura levantar questões relativas ao mundo líquido e fugaz em que vivemos, nem sempre sendo clara em suas intenções. Com a ajuda de ótima trilha de André Abujamra e da iluminação de Adriana Dham, Kiko Marques faz uma direção discreta com ênfase no trabalho do elenco que conta, além dos já citados, com João Bourbonnais e Andrea Tedesco. Temporada de 08/03 a 27/04 no Teatro Augusta, ás quartas e quintas às 21h.

        As águas de março trazem também a 4ª MITsp que inicia no dia 14 além de muitas estreias. Viva o nosso teatro que mostra com sua vitalidade e coragem como enfrentar com brio os terríveis momentos que nosso país atravessa.


10/03/2017



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