terça-feira, 11 de julho de 2017

HOTEL MARIANA



 Triste tempo presente
Em que falar de amor e flor
É esquecer que tanta gente
Tá sofrendo tanta dor

(Augusto Boal e G. Guarnieri em Arena Conta Zumbi, 
a partir do poema Aos Que Vão Nascer de B. Brecht)


        Importa escrever sobre encenação, dramaturgia, interpretação, cenografia e iluminação diante da tragédia ocorrida em Mariana em novembro de 2015? Tragédia esta anunciada e decorrente do descaso de empresas e autoridades (in) competentes cujos únicos objetivos são a ganância e o lucro.
        Citando mais uma vez Boal/Guarnieri/Brecht: “A voz da minha gente se levantou e a minha voz junto com a dela” Como cidadãos (elenco e público), damos nosso grito de indignação com os fatos apresentados na peça, pois sabemos que “nossas vozes não podem muito, mas gritar nós bem gritamos; temos certeza que os donos da Samarca e as autoridades ficariam mais contentes se não ouvissem a nossa voz”.
        Só pelo tema tratado a peça causaria emoção e indignação mesmo que não fosse boa, mas se trata de uma das melhores montagens desta temporada de 2017 e como pessoa de teatro me restrinjo ao fato teatral, deixando o assunto em si para a mídia, sociólogos, antropólogos e historiadores. Fica a ressalva que isso não pode cair no esquecimento (como parece ser o caso da mídia) porque lembrar é resistir e vai aí talvez o maior mérito desta encenação idealizada por Munir Pedrosa.
        Seis dias após o acontecimento Pedrosa viajou para o local da tragédia e recolheu relatos de pessoas de Bento Rodrigues e Paracatu, dois locais afetados pelo tsunami de lama e rejeitos sólidos.


         De posse desse material foi organizando junto ao diretor Herbert Bianchi e ao elenco a dramaturgia do que viria a ser Hotel Mariana. A encenação usa a técnica Verbatim que já havia sido empregada por Zé Henrique de Paula em 2015 no espetáculo Ao Pé do Ouvido, no qual Bianchi participou como ator e dramaturgo. Segundo o programa da peça “Verbatim é um tipo de teatro documentário que reproduz no palco as palavras exatas de depoimentos reais sobre um determinado tema ou evento”. A técnica se encaixa como uma luva na proposta de Hotel Mariana. Munidos de fones de ouvido onde escutam o relato original os atores reproduzem não só as falas, mas a emoção do entrevistado.
        A organização cênica (cenário e disposição dos atores) de Herbert Bianchi é exemplar e muito bela, tendo um grande aliado no desenho de luz criado por Rodrigo Caetano.
        A atuação do elenco é pungente e vai ser muito difícil esquecer a expressão de dor estampada na face de Angela Barros, a canção entoada pelo velhinho representado por Rodrigo Caetano (que só fui reconhecer quando interpretou o prefeito da cidade) e a figura cômica e comovente do “herói” Arnaldo interpretado por Munir Pedrosa. Não disponho da relação ator/personagem do restante do elenco, mas todos sem exceção estão perfeitos em suas interpretações.




        Hotel Mariana é espetáculo impactante que merece retorno ao cartaz (a última apresentação foi em 10/07/2017 na Estação Satyros) por ser belíssimo e mais que isso, NECESSÁRIO E URGENTE!

11/07/2017



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