quarta-feira, 3 de junho de 2020

E LÁ SE FOI NOSSA VELHA DAMA INDIGNA



        Em menos de quinze dias perdemos cinco pessoas importantíssimas para o nosso teatro: Michel Fernandes puxou a fila no dia 17 de maio e foi levando com ele o Kiko Jaess, o Carlos Colabone, o Iacov Hillel e hoje a nossa queridíssima Maria Alice Vergueiro.
        Quem de nós vai sobrar para contar a triste história do tempo presente?

        Lembro-me de Maria Alice, sempre transgressora, no início dos anos 1970, na anarquia do Gracias Señor do Zé Celso, depois vieram O Lírio do Inferno e O Belo Indiferente, ambos ou pelo menos um deles no aconchegante Espaço Off que o Celsinho Cury tinha ali numa travessa da Avenida Nove de Julho. Com o Ornitorrinco nos anos 1980/1990  ela fez coisas maravilhosas junto com o Cacá Rosset e a Christiane Tricerri e chegou a ser uma vigorosa Mãe Coragem (2002) pelas mãos do Sérgio Ferrara.
        Apesar de toda exuberância e energia que ela mostrava tanto no palco como na vida real, a interpretação de Maria Alice que mais me impactou foi em Katastrophé dirigida pelo Rubens Rusche em 1986 que constava de quatro peças curtas de Samuel Beckett. É impossível não se lembrar da peça Eu Não que iluminava apenas sua boca e sua voz poderosa discorria sobre a vida, entre silêncios, que às vezes eram mais eloquentes do que as próprias palavras. Em Cadeira de Balanço ela voltava a brilhar, interpretando uma mulher sentada numa cadeira fazendo movimento contínuo de balanço, enquanto se ouve sua voz gravada, aos poucos ela começa a emitir sons até suas palavras se juntarem àquelas emitidas pela voz gravada. Momentos sublimes e inesquecíveis da grande atriz que fazem dessa montagem uma das mais significativas de minha vida de espectador.
        A presença de Maria Alice foi rareando nos palcos neste início de século, mas ela voltou a brilhar em As Três Velhas (2010), junto com Pascoal da Conceição e seu grande companheiro Luciano Chirolli e, principalmente, em sua despedida triunfal já bastante debilitada em Why the Horse, onde era simulado o seu velório.
        Maria Alice tinha o sonho de morrer no palco. Quase que conseguiu.

        A estrela dessa vigorosa mulher é muito forte e com certeza não se apaga com a sua partida destas bandas.

        VAI EM PAZ, MARIA ALICE!

        03/06/2020

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