terça-feira, 9 de julho de 2024

ÁLBUM DE FAMÍLIA

 

         - Um pouco de história não faz mal a ninguém

Jorge Farjalla é obstinado pelas peças míticas de Nelson Rodrigues. Já montou Doroteia (1949) em 2017 e Senhora dos Afogados (1947) em 2018 e agora chegou a vez de Álbum de Família (1946), só faltando encenar profissionalmente Anjo Negro (1947) para completar a série.

Foi o crítico Sábato Magaldi que classificou de míticas essas quatro peças escritas em seguida (Álbum de Famíla>>Senhora dos Afogados>>Anjo Negro>>Doroteia) na segunda metade da década de 1940. Nelson Rodrigues as classificou de “peças desagradáveis”

Se há desagradabilidade nas quatro peças mencionadas, não resta dúvida que Álbum de Família seja a campeã nesse quesito pelo tema áspero e perverso tratado e pela forma como ele é tratado, apesar do enorme talento do autor.

A ciranda passional da peça é composta de um pai (Jonas) que tem atração pela filha (Gloria), o filho (Edmundo) com atração pela mãe (Senhorinha), enquanto esta tem atração pelo outro filho (Nonô) e para completar Guilherme é tarado pela irmã Gloria. O casal Jonas e Senhorinha vive com os quatro filhos e a irmã de Senhorinha (Ruth) em um ambiente opressivo e cheio de luxúria armazenada que extravasa vez ou outra. Retratos singelos dessa nobre família são mostrados durante a ação.

Ao que consta Farjalla nunca apresentou em São Paulo algumas das peças psicológicas ou das tragédias cariocas do autor.

Farjalla realizou uma montagem criativa de Doroteia que constava com uma notável interpretação de Rosamaria Murtinho, mas a encenação de Senhora dos Afogados foi, a meu ver, bastante equivocada prejudicando bastante um dos mais belos textos de Nelson Rodrigues.

Vejamos o que ele faz com Álbum de Família!

A encenação 

É poderosa a primeira impressão que se tem ao adentrar o espaço cênico formado por um chão de terra vermelha e um álbum ao vivo da família; a única figura presente é Nonô, que também será a última a ali permanecer: aquele chão consumirá toda a família. Louve- se de início a bela e equilibrada cenografia assinada pelo diretor Jorge Farjalla. Tudo iluminado com a tradicional beleza assinada por Aline Santini.

Como encenador, Farjalla tratou o texto com a crueldade e a perversidade que lhe são próprias, sem, porém, exagerar nos apelos eróticos/passionais e até enfatizando os lados poéticos, irônicos e até engraçados tão presentes na obra de Nelson Rodrigues. Assiste-se às desgraças daquela família mais que disfuncional com um misto de horror e de humor no semblante. Para tanto contou com a belíssima trilha sonora também assinada por ele, composta por canções de Cartola e com o harmonioso elenco formado em parte por atrizes e atores bastante jovens. O resultado é muito bom e bastante fiel ao universo rodriguiano.

Por decisão do encenador foi suprimido o personagem do locutor e as fotos do álbum que são substituídas por cenas ao vivo.


 

Com muita garra Mariana Barioni e Alexandre Galindo dominam a cena como os protagonistas Senhorinha e Jonas. Mesmo sem ter idade para a personagem a composição de Mariana é perfeita e Galindo reafirma seu talento como o atormentado Jonas.

Lidia Engelberg tem participação digna como a despeitada (nos dois sentidos) Ruth.

Roberto Borenstein empresta sua voz potente ao avô servil que oferece a neta virgem para Jonas.

Jullia Leite tem uma pequena, mas importante participação como a mulher de Edmundo.

Helena Cury, Lakís Farias e Lara Paulauskas completam o elenco feminino.

Daniel Marano e Iuri Saraiva defendem com força os revoltados irmãos Guilherme e Edmundo, assim como Fernanda Gidali como Gloria que tem uma boa participação apesar do excesso de agudo na voz que confere um tom infantil à sua personagem.

Finalmente Agmar Beirigo que empresta seu corpo para exprimir os sentimentos do mudo Nonô, que apesar de ser considerado louco por todos é a personagem mais lúcida e pura da história.

Há muito mistério a ser desvendado à medida que você folheia este inusitado álbum de família. Há muita magia. HÁ MUITO TEATRO!!

NÃO DEIXE DE VER

Prestigie o novo espaço teatral da cidade: TEATRO ESTÚDIO situado na Rua Conselheiro Nébias 891.

Temporada até 18 de agosto com sessões às sextas e aos sábados às 20h e aos domingos às 18h 

09/07/2024

 

 

 



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