sábado, 12 de julho de 2025

GERTRUDE, ALICE E PICASSO

 

Passaram-se vinte e nove anos e tenho uma vaga lembrança da montagem dessa peça a que assisti no Centro Cultural São Paulo com Nicette Bruno, Clarisse Abujamra e Francarlos Reis com direção de Antônio Abujamra e Marcio Aurelio. Talvez por acontecer em palco italiano no teatro maior do CCSP (sala Jardel Filho) senti a montagem fria e distante, apesar de me entusiasmar com a performance de Nicette como Gertrudes.

Esta nova montagem acontece em um espaço intimista e a sensação é que se está na sala de estar de Gertrude em Paris convivendo com essas três figuras emblemáticas. Essa aproximação oferece um grande ganho em relação à anterior: ali estão os móveis de Gertrude, a paleta de Picasso e os chapéus de Alice. Os três estão ali respirando o mesmo ar que nós, os espectadores.

As inserções contemporâneas colocadas por Alcides Nogueira no original foram atualizadas para esta montagem.

Vanessa Goulart faz sua primeira incursão na direção e se sai muito bem realizando uma montagem enxuta focada nos três intérpretes e com a colaboração da iluminação de Cesar Pivetti, da caracterização de Beto França e da trilha sonora de Ricardo Severo a partir da música originalmente composta por André Abujamra. É palpável o carinho e a emoção de Vanessa ao lembrar da avó Nicette e ao dirigir a mãe Bárbara.


A química entre o elenco é extraordinária. Patrícia Vilela tem grande presença cênica e realiza uma Alice apaixonada e elegante; Joca Andreazza está à vontade interpretando o extrovertido Picasso com muita garra e Bárbara Bruno entrega todo seu talento para compor a irascível Gertrude em um dos seus melhores trabalhos no teatro, perpetuando a tradição de grandes intérpretes da família Bruno Goulart.

Como se vê, tudo é paixão e entrega nessa excelente montagem do texto de Alcides Nogueira.

E por falar em emoção, Bárbara fez uma bela fala ao final louvando o milagre do teatro que se renova a cada apresentação. O teatro é a única arte capaz desse fenômeno.

Viva o teatro!

 

GERTRUDE, ALICE e PICASSO está em cartaz no aconchegante Ágora Teatro às quartas, quintas e sextas às 20h.

IMPERDÍVEL PARA QUEM AMA O TEATRO.

 

12/07/2025

sexta-feira, 11 de julho de 2025

A BOCA QUE TUDO COME TEM FOME (DO CÁRCERE ÀS RUAS)

 

Em boa hora o SESC 14 Bis abre as portas de seu belo Teatro Raul Cortez para acolher um espetáculo da Companhia de Teatro Heliópolis que neste ano completa 25 anos.

Continuando seus espetáculos sobre encarceramento, desta vez o foco é como sobrevivem esses seres que depois de anos encarcerados voltam para as ruas sem preparo nenhum para a liberdade, como bem diz uma das personagens “ Quando abrem aquele último portão, eu não tenho para onde ir / Penso em voltar, mas a cadeia é morte / E eu não vim na vida para morrer / Eu vim na vida para viver” E nessa sobrevivência essas pessoas enfrentam preconceito, dificuldade de arrumar emprego e tantas outras barreiras.

A dramaturgia de Dione Carlos é composta de cenas onde várias personagens desfilam seus dramas e seus problemas de readaptação em um mundo hostil.

Miguel Rocha e Dione Carlos

Miguel Rocha costura essas cenas com momentos coreográficos muito bem realizados, aliás a peça inicia com uma longa cena de rara beleza sem palavras, onde Miguel, além de diretor, revela-se excelente coreógrafo, sempre com a colaboração da provocadora corporal Erika Moura. A música de Alisson Amador, executada ao vivo por ele e mais três músicos, tem papel importante tanto nesta cena como em todo o espetáculo.

O cenário de Telumi Hellen contém um espelho d’água que perde um pouco de sua beleza estando em palco italiano, sem poder ser visto de cima. Essa beleza poderá ser contemplada quando o espetáculo se transferir para a sua sede, após a temporada no Raul Cortez.

A água, símbolo de purificação, também pode ser interpretada como um dos elementos das religiões afro. Enquanto Xangô era o orixá que acompanhava a narrativa de “(In)justiça” e Iansã acompanhava “Cárcere”, desta vez é Exu que está presente.

Destaque para os vários figurinos criados por Samara Costa.

O elenco, composto por três atrizes (Dalma Régia, Jucimara Canteiro e Klavy Costa) e três atores (Cristiano Belarmino, Davi Guimarães e Walmir Bess) reveza-se na criação das diversas personagens e nas performances coreográficas.

Em termos dramatúrgicos, algumas cenas são melhor resolvidas do que as outras, mas todas elas seduzem pela poética de Dione Carlos e o elenco sabe tirar proveito disso.

Trata-se de elenco homogêneo e talentoso, mas vale destacar Walmir na cena do Lobo; Cristiano, excelente como Exu; Jucimara e Klavy brilhantes como Inocência e Generosa e por último as “estrelas” da Heliópolis Davi e Dalma em vários momentos e, em especial, no último relato, onde falam o emocionante texto em conjunto.

Dalma Régia e Davi Guimarães

 Miguel Rocha se aprimora e se lapida a cada encenação e “A Boca Que Tudo Come Tem Fome” é talvez a sua obra mais madura e ,  com certeza, a mais bela. Passou no teste do grande palco do Teatro Raul Cortez e há de crescer ainda mais quando estiver no local onde foi concebida, a Casa de Teatro Maria José Carvalho, sede da companhia, no Ipiranga.

Mais um espetáculo para a lista dos melhores do ano. 

A BOCA QUE TUDO COME TEM FOME está em cartaz no SESC 14 Bis até 03 de agosto com sessões de quinta a sábado às 20h e domingo às 18h.

NÃO DEIXE DE VER.


11/07/2025

 

sexta-feira, 4 de julho de 2025

O AUTOR BRASILEIRO NOS PALCOS PAULISTANOS BALANÇO 1990-2024

 

 

Tenho pesquisado a presença do autor brasileiro nos palcos paulistanos desde 1990, ano em que 118 espetáculos eram de autores nacionais, o aumento gradativo tem uma elevação notável a partir da Lei do Fomento ao Teatro instituída em 2002 e teve seu auge na década de 2010, atingido o máximo de 633 títulos em 2017. A queda brusca em 2020 e 2021 é explicada pala pandemia e a reação sente-se a partir de 2022, estando na atualidade na casa de 400 títulos brasileiros presentes no ano, bem longe dos níveis década de 2010. 

Nesses 35 anos alguns pontos permanecem inalterados:

- A cada ano surgem novos autores com apenas um título e que somem no ano seguinte, em geral eles acumulam as funções de diretores, produtores e até de atores e apresentam suas peças em teatros alternativos ou em teatros de espetáculos mais populares (Ruth Escobar, Maria Della Costa, Bibi Ferreira, UOL e Gazeta.

Os autores nacionais mais encenados continuam sendo Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Ariano Suassuna, Luiz Alberto de Abreu, Mário Bortolotto e continuam lamentavelmente esquecidos Jorge Andrade e Carlos Alberto Soffredini. Machado de Assis tem comparecido com ótimas adaptações de seus contos e romances.  Bons autores surgiram no período: Newton Moreno, Samir Yazbek, Silvia Gomez, Bosco Brasil, Marcos Damaceno, Kiko Marques, Daniela Peteira de Carvalho, Jô Bilac, Nanna de Castro, Vinicius Calderoni.

- A proporção de 1 título de autor estrangeiro para 3 nacionais tem se mantido ao longo dos anos.

- Não entram neste estudo espetáculos infantis e os chamados “stand up comedy” 

A partir de 2011 tenho publicado um relato anual sobre dramaturgia brasileira em nossos palcos tendo por base guias de teatro, dos quais só restou o OFF, releases recebidos de assessorias de imprensa e anotações pessoais recolhidas na mídia. Esses relatos mais detalhados podem ser acessados no blog www.palcopaulistano.blogspot.com , indicando na janela pesquisa “dramaturgia brasileira”.

A evolução anual do número de espetáculos de autores brasileiros aparece no quadro anexo.

 

03/07/2025