Cego é aquele que não quer ver
(Dito popular)
Eu conheço o “Grupo Galpão” desde 1993
quando assisti pela primeira vez sua versão de “Romeu e Julieta” dirigida por
Gabriel Villela, desde então creio ter assistido a todas suas montagens,
inclusive uma inesquecível apresentação de “Romeu e Julieta” no “Shakespeare
Globe Theatre” de Londres no ano 2000.
Uma característica desse querido grupo
mineiro é trocar de encenador a cada nova montagem. Além de Villela, já
assinaram a direção de espetáculos do grupo Cacá Carvalho, Paulo José, Paulo de
Moraes, Jurij Alschitz, Yara de Novaes, Marcio Abreu, além de integrantes do
grupo, Eduardo Moreira, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia e Simone
Ordones. O grupo troca de roupa, mas o corpo permanece com a mesma
personalidade, afinal o que seria um espetáculo do Galpão sem a Simone Ordones tocando
trombone e sem a presença luminosa de Teuda Bara? E assim acontece com “(Um)
Ensaio Sobre a Cegueira” baseado no livro de José Saramago. Há o toque vibrante de Rodrigo Portella na direção,
mas o Galpão está ali, quase inteiro, de corpo e alma. Quase inteiro porque
Teuda não participa desta montagem.
O primeiro ato, em parte interpretado e em
parte narrado, mostra a primeira pessoa a ficar cega no trânsito, a reação dos
transeuntes com o fato, o médico oftalmologista que o cego consulta e que
também adquire a cegueira e a série de pessoas que vai ficando cega. Constatada
a epidemia e sendo a cegueira facilmente transmissível as autoridades resolvem
isolar os cegos em um antigo manicômio desativado.
O segundo ato passa-se no isolamento e
ali com o número cada vez maior de cegos instaura-se o medo, a insegurança e a
falta de saciar necessidades primárias como a fome. Com tal cenário abole-se a
solidariedade e o sentido de comunidade.
A subsistência cria um individualismo exacerbado que gera clima de
tensão entre todos os envolvidos. Pessoas do público previamente selecionadas,
participam vendadas deste ato.
Além disso as autoridades, de quem só se
ouve as ordens, ameaçam matar quem ultrapassar os limites impostos. Em certo
momento eles exigem que as mulheres lhes prestem serviços sexuais em troca de
alimentos para o grupo. Um dos momentos mais belos do espetáculo ocorre após a
volta das mulheres, quando uma delas é escolhida para ser lavada/purificada
pelas outras. Totalmente inerte ela vai sendo ensaboada e envolvida. Na forma,
essa cena me remeteu a outra de um trabalho de Pina Bausch onde uma mulher
também inerte vai sendo apalpada e envolvida por inúmeros homens.
Este segundo ato que ocupa a maior
parte do espetáculo é bastante tenso e claustrofóbico, dando margem a intensas
participações de todo o elenco.
Sem querer ser desmancha prazer apenas
escrevo que o final distópico do livro quando o grupo recupera a visão e sai à
rua encontrando uma cidade devastada. transforma-se em um final libertador na
versão teatral de Rodrigo Portella, dando um respiro para o espectador.
Que cegueira branca é essa, acometida
por toda uma população? São várias as hipóteses para responder a essa questão,
de qualquer maneira fica claro que não se trata de uma doença, nem de uma
transformação física do tipo daquela mostrada por Ionesco em “Rinocerontes”.
Aqui é a individualidade e a direção do olhar para o próprio umbigo que faz o
ser humano esquecer de olhar para o lado e “reparar” (citando Saramago) como
caminha a humanidade.
Difícil citar um só nome: Antonio
Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia Del
Picchia, Paulo André e Simone Ordones brilham de forma comunitária ao contrário
das personagens da peça.
A música esfuziante e propositalmente
repetitiva de Federico Puppi interfere magnificamente em vários momentos na
interpretação do grupo, permitindo um bem-vindo distanciamento da tensa ação
dramática.
(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA é mais um
espetáculo marcante do Grupo Galpão.
Em cartaz:
- SESC Santo André de 6 a 16 de novembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 17h
-SESC 24 de maio de 20 de novembro a
14 de dezembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 18h
Conselho: Quem tem condições de assistir em Santo André o faça, porque a temporada em São Paulo promete ser concorridíssima, pois o teatro do SESC 24 de maio é muito pequeno para comportar o público do Grupo Galpão.
9/11/2025


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