segunda-feira, 10 de novembro de 2025

(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA

 

Cego é aquele que não quer ver

(Dito popular) 

        Eu conheço o “Grupo Galpão” desde 1993 quando assisti pela primeira vez sua versão de “Romeu e Julieta” dirigida por Gabriel Villela, desde então creio ter assistido a todas suas montagens, inclusive uma inesquecível apresentação de “Romeu e Julieta” no “Shakespeare Globe Theatre” de Londres no ano 2000.

        Uma característica desse querido grupo mineiro é trocar de encenador a cada nova montagem. Além de Villela, já assinaram a direção de espetáculos do grupo Cacá Carvalho, Paulo José, Paulo de Moraes, Jurij Alschitz, Yara de Novaes, Marcio Abreu, além de integrantes do grupo, Eduardo Moreira, Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia e Simone Ordones. O grupo troca de roupa, mas o corpo permanece com a mesma personalidade, afinal o que seria um espetáculo do Galpão sem a Simone Ordones tocando trombone e sem a presença luminosa de Teuda Bara? E assim acontece com “(Um) Ensaio Sobre a Cegueira” baseado no livro de José Saramago. Há o toque vibrante de Rodrigo Portella na direção, mas o Galpão está ali, quase inteiro, de corpo e alma. Quase inteiro porque Teuda não participa desta montagem.

        O primeiro ato, em parte interpretado e em parte narrado, mostra a primeira pessoa a ficar cega no trânsito, a reação dos transeuntes com o fato, o médico oftalmologista que o cego consulta e que também adquire a cegueira e a série de pessoas que vai ficando cega. Constatada a epidemia e sendo a cegueira facilmente transmissível as autoridades resolvem isolar os cegos em um antigo manicômio desativado.

        O segundo ato passa-se no isolamento e ali com o número cada vez maior de cegos instaura-se o medo, a insegurança e a falta de saciar necessidades primárias como a fome. Com tal cenário abole-se a solidariedade e o sentido de comunidade.  A subsistência cria um individualismo exacerbado que gera clima de tensão entre todos os envolvidos. Pessoas do público previamente selecionadas, participam vendadas deste ato.

Além disso as autoridades, de quem só se ouve as ordens, ameaçam matar quem ultrapassar os limites impostos. Em certo momento eles exigem que as mulheres lhes prestem serviços sexuais em troca de alimentos para o grupo. Um dos momentos mais belos do espetáculo ocorre após a volta das mulheres, quando uma delas é escolhida para ser lavada/purificada pelas outras. Totalmente inerte ela vai sendo ensaboada e envolvida. Na forma, essa cena me remeteu a outra de um trabalho de Pina Bausch onde uma mulher também inerte vai sendo apalpada e envolvida por inúmeros homens.

Este segundo ato que ocupa a maior parte do espetáculo é bastante tenso e claustrofóbico, dando margem a intensas participações de todo o elenco.

Sem querer ser desmancha prazer apenas escrevo que o final distópico do livro quando o grupo recupera a visão e sai à rua encontrando uma cidade devastada. transforma-se em um final libertador na versão teatral de Rodrigo Portella, dando um respiro para o espectador.

Que cegueira branca é essa, acometida por toda uma população? São várias as hipóteses para responder a essa questão, de qualquer maneira fica claro que não se trata de uma doença, nem de uma transformação física do tipo daquela mostrada por Ionesco em “Rinocerontes”. Aqui é a individualidade e a direção do olhar para o próprio umbigo que faz o ser humano esquecer de olhar para o lado e “reparar” (citando Saramago) como caminha a humanidade.

Difícil citar um só nome: Antonio Edson, Eduardo Moreira, Fernanda Vianna, Inês Peixoto, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Paulo André e Simone Ordones brilham de forma comunitária ao contrário das personagens da peça.

A música esfuziante e propositalmente repetitiva de Federico Puppi interfere magnificamente em vários momentos na interpretação do grupo, permitindo um bem-vindo distanciamento da tensa ação dramática.

(UM) ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA é mais um espetáculo marcante do Grupo Galpão.

Em cartaz:

- SESC Santo André de 6 a 16 de novembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 17h

-SESC 24 de maio de 20 de novembro a 14 de dezembro. Quinta a sábado, 19h e domingo, 18h

Conselho: Quem tem condições de assistir em Santo André o faça, porque a temporada em São Paulo promete ser concorridíssima, pois o teatro do SESC 24 de maio é muito pequeno para comportar o público do Grupo Galpão. 

9/11/2025

 

 

 

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