quinta-feira, 30 de maio de 2013

REMEMORANDO A INFÂNCIA NUMA VIAGEM DE ÔNIBUS


     Numa fila de espera, cada pessoa do público recebe uma mala que será carregada até a entrada no ônibus onde se realizará o espetáculo. Este é o primeiro momento de Dentro É Lugar Longe, novo trabalho do grupo Sinhá Zózima.

     O poético texto de Rudinei Borges tem como base as lembranças alegres e tristes dos atores que compõem o elenco; por se tratar de grupo bastante jovem, essas lembranças se restringem àquelas da infância e da adolescência e as mortes retratadas referem-se a avós e pais e nunca a filhos e/ou a companheiros.
 



     A encenação acontece em um ônibus em movimento e o grupo sabe explorar muito bem o seu restrito espaço cênico. Algumas cenas acontecem no exterior e a direção criou belas cenas na Praça Júlio Prestes, na Praça Ramos de Azevedo e na calçada defronte à Sala São Paulo onde o espetáculo termina. Pungente e muito triste é a passagem pela Rua Helvetia onde centenas de mendigos, a maioria usuária de crack, aglomeram-se em barracos improvisados. Num momento como este a realidade lá fora se torna tão envolvente que se corre o risco do público desviar o seu olhar da ação dos atores para o exterior.
     O bom preparo vocal do elenco faz com que as palavras sejam entendidas qualquer que seja o local em que se está sentado. Elenco gracioso, talentoso e simpático (formado por quatro atrizes e um ator) que transita com naturalidade pelos momentos alegres e tristes. Pela homogeneidade do mesmo seria injusto destacar este ou aquele nome. A direção de Anderson Maurício é muito delicada e centra-se no trabalho dos atores e na exploração de efeitos visuais no restrito espaço cênico.
     Meu único senão ao espetáculo é a parte musical: as melodias são fracas e não se encaixam nas respectivas letras, além disso, há o uso artificial e inadequado da melodia da canção The Sound os Silence da dupla Simon e Garfunkel com uma letra que não se coaduna com a mesma. Este ponto fraco, porém, não compromete mais este belo trabalho da Sinhá Zózima.
     As malas distribuídas no início são esquecidas durante e após o espetáculo; seria interessante que elas tivessem outras funções dentro do mesmo.
     Ao descer do ônibus sensibilizados por aquelas lembranças - muitas delas parecidas com as nossas - nos sentimos felizes de pertencer à raça humana... Apesar de tudo! Obrigado Sinhá Zózima!

quarta-feira, 29 de maio de 2013

PURA DELÍCIA PARA POUCOS PRIVILEGIADOS



      Dentro do projeto Baú de Arethuzza o “fofíssimo” grupo Os Fofos Encenam apresentou nas duas últimas semanas a burleta caipira Vancê Não Viu Minha Fia? de autoria de Leonel Rocha (não consegui maiores detalhes sobre o autor). Foram somente seis apresentações com a lotação limitada a 40 pessoas. Sendo assim apenas 240 privilegiados puderam assistir a essa deliciosa encenação dirigida por Fernando Neves.
     A peça se passa em três ambientes distintos: a casa do pai caipira da ingênua Berta em (se não me engano) Curvalinho  (apresentada na sala de espera  do teatro); a frente do cabaré Colombo no Rio de Janeiro(apresentada na área descoberta na frente do teatro)e o próprio cabaré, onde se desenvolve a maior parte da ação(apresentada na sala principal do Espaço).
     As personagens são hilárias: a tia Prudência, pândega e “bunduda”,valorizada pela ótima interpretação de Cris Rocha (que não é “bunduda”!), seu filho Zezé (impagável Paulo de Pontes) que vai casar com a ingênua Berta (Stella Tobar) que é filha do caipirão (o sempre ótimo Marcelo Andrade) e que foge pra o Rio de Janeiro com o galã (Eduardo Reyes) e com a vilã e depois vedete do cabaré Malu (Katia Daher, com perfeito domínio do público). Outros tipos cercam esse núcleo principal com destaque para a “mulata assanhada” vivida com um excepcional tempo de comédia por Carlos Ataíde. Completam o afiado elenco: Erica Montanheiro e Zé Valdir. A ótima direção musical é de Fernanda Maia e o piano é tocado por Fernando Esteves.
Divulgação - A atriz Cris Rocha está ausente nesta foto
     Apesar da curta temporada a produção do espetáculo é muito bem cuidada com uma bonita recriação de um cabaré carioca do início do século 20, com direito até a um luminoso na porta de entrada.
     Segundo o programa, no projeto Baú de Arethuzza, Os Fofos “se propõem a investigar a evolução da teatralidade circense durante o período de 1910 a 1950, a partir de cinco montagens”: uma pantomima já apresentada,  a burleta aqui comentada, um drama religioso, uma comédia e um melodrama, gênero este que será o próximo a ser apresentado com a peça A Ré Misteriosa. Já estou me preparando para entrar na fila para ser um dos 240 privilegiados que irão assistir a essas encenações.
     Por último, mas não menos importante, cabe ressaltar o simpático acolhimento ao público realizado pelos Fofos, item normalmente negligenciado por quem faz teatro.