William Shakespeare (1564-1616)
Junto com Romeu e
Julieta e Hamlet, Ricardo III é uma das peças de
Shakespeare mais encenadas em São Paulo. Entende-se essa preferência dos
encenadores por esta peça, pois a mesma retrata os mecanismos pela luta de
poder, luta essa tão cara aos políticos brasileiros. As intrigas palacianas mostradas
não devem diferir muito das artimanhas usadas pelos nossos “bravos” homens
públicos. A peça também serviu de inspiração para um dos espetáculos mais bem
sucedidos de 2003, ao retratar as mazelas da assim chamada “Era Collor”: Os Collegas, encenada pelo grupo Bendita Trupe com direção de Johana
Albuquerque.
A peça foi encenada em 1975 por Antunes Filho com Juca de
Oliveira no papel de Ricardo. Após uma longa pausa, ela nos chegou de Minas
Gerais em 2000 pelas mãos de Yara de Novaes com uma interpretação fulminante de Jorge
Emil (talvez a melhor de todas as que assisti). Em 2006 houve duas montagens
quase simultâneas do texto do bardo: uma de Celso Frateschi com o próprio no
papel título e outra de Jô Soares com Marco Ricca. Finalmente em 2012 surge a
versão para teatro de rua do grupo potiguar Clowns
de Shakespeare intitulada Sua
Incelença, Ricardo III, dirigida
por Gabriel Villela com Marco França. Além disso, há várias versões para
cinema, sendo as mais famosas, a clássica de 1955 dirigida e interpretada por
Laurence Olivier e Ricardo III – Um Ensaio
(1996), uma reinterpretação do texto, dirigida e interpretada por Al Pacino.
Elenco com o diretor Marcelo Lazzaratto
Eis que agora a peça é escolhida para a abertura do
ambicioso Projeto 39 de Alexandre
Brasil que pretende montar a íntegra da obra teatral de Shakespeare no prazo de
uma década.
Imara Reis, Chico Carvalho, Mayara Magri
A exuberante encenação de Marcelo Lazzaratto está pautada no
funcional e bonito espaço cenográfico criado por Kleber Montanheiro. Poucas
vezes se presencia diálogo tão harmônico entre direção e cenografia. Todo o
teatro é ocupado pelos atores em sua aventura de contar a saga do rei maldito e
as cenas principais acontecem num grande tablado redondo de madeira que avança
para a plateia. Não se pode dizer o mesmo dos figurinos bastante irregulares de
Marichilene Artisevskis (em alguns casos tem-se a impressão que os atores
trouxeram de casa as roupas usadas em cena).
Elenco masculino. No destaque, Marcos Suchara
Peça com personagens fortes e bem definidas, Ricardo III dá oportunidade para grandes
interpretações. Todo o elenco masculino de apoio aproveita esta chance apresentando
ótimos desempenhos, com destaque para Marcos Suchara (que interpretou Catesby
na versão de Jô Soares) como Buckinghan e Evas Carretero como Catesby. As
importantes personagens femininas são vividas por Renata Zhaneta (vigorosa como
a Rainha Margareth), Imara Reis como a Duquesa de York (ilumina o palco com sua
poderosa voz nas breves cenas em que aparece), Maria Lucia Nogueira como Lady
Anne(com uma forte interpretação na primeira cena com Ricardo) e Mayara Magri
como a Rainha Elisabeth (presença destoante em relação ao homogêneo elenco, com
uma interpretação equivocada à base de recursos televisivos).
Chico Carvalho
Por último, mas talvez o mais importante: Chico Carvalho.
Presença perturbadora em cena dando vida a um Ricardo contraditório e frágil em
sua aparente segurança em relação aos meios que dispõe para conquistar o poder.
O ator usa nuances de voz e de gestual (não se prende às deformações físicas da
personagem) para nos dar um retrato completo dessa figura tão asquerosa, mas
também muito humana. Com certeza uma das grandes interpretações masculinas do
ano que por justiça deveria ser indicada para muitos prêmios.
Texto, direção, cenografia e elenco fazem deste novo Ricardo III um espetáculo obrigatório,
malgrado a duração do espetáculo que exige uma corrida do espectador-pedestre
até o metrô (o espetáculo dura – incluindo intervalo – duas horas e trinta e
termina às 23h30).
Por se tratar de um espetáculo apresentado num teatro de
bairro a preços populares seria interessante que houvesse um painel na sala de
entrada com o nome das personagens e a relação entre elas (a pouca
familiaridade com os nomes em inglês e com a relação entre Yorks e
Lancasters pode dificultar a completa
fruição do texto).
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