sexta-feira, 10 de outubro de 2014

QUE ESPAÇO OCUPA UMA AUSÊNCIA?


 
                Curitiba tem presenteado São Paulo com ótimos e consistentes espetáculos teatrais. A Companhia Brasileira de Teatro dirigida por Marcio Abreu é uma presença constante desde 2006 quando se apresentou por aqui com Suite 1 no Instituto Capobianco. Neste segundo semestre de 2014, após o mágico Tchekhov da  Ave Lola Espaço de Criação, dirigida por Ana Rosa Tezza (ainda em cartaz no Sesc Santana), eis que nos chega este instigante Obscura Fuga da Menina Apertando Sobre o Peito Um Lenço de Renda de autoria do dramaturgo argentino Daniel Veronese, pela CiaSenhas de Teatro dirigida por Sueli Araujo que estreou ontem no Sesc Belenzinho.
                Um espaço cênico muito interessante representando os cômodos de uma casa em processo de deterioração (metáfora para a condição daquela família) recebe o público que é acomodado, parte em uma plateia tradicional em arena e parte em cadeiras giratórias bem no olho do furacão aonde vai se desenrolar a ação.
 
 
                O primeiro estranhamento acontece quando os papéis do casal são invertidos: um ator representa a mãe e uma atriz representa o pai. Fazem isso com pequenos adereços na parte superior do corpo (um bigode e uma gravata para o pai; peruca, brincos e blusinha de renda para a mãe).
                Martina, a filha do casal, abandonou o lar e deixou uma carta para os pais. A peça inicia com um jogo de acusações mútuas entre o pai e a mãe e tudo leva a crer que o público vai presenciar um melodrama familiar. A salutar reviravolta acontece quando entram em cena o namorado e uma amiga da garota cada um deles trazendo uma carta que receberam de Martina. Contar mais seria tirar o prazer de quem vai assistir ao espetáculo, mas posso dizer que os diálogos travados entre os quatro são absurdamente interessantes. O dramaturgo, sabiamente, coloca um carteiro em cena para o desfecho de sua narrativa.
 
 
                A direção de Sueli Araujo dá ênfase ao trabalho dos atores e às suas movimentações em cena. Os objetos de cena também mudam de lugar como para demonstrar a instabilidade daquela casa.
                Por que Martina foi embora? Quem ali está com a razão? Martina realmente existe ou é fruto da imaginação daquele casal frustrado e problemático?  QUE ESPAÇO OCUPA UMA AUSÊNCIA? A peça não quer responder a essas questões, mas sim colocá-las para o público que sai aturdido após a forte cena final entre o pai e a mãe. Avis rara no atual cenário teatral, Obscura Fuga... é espetáculo de reflexão, para ser digerido na hora de colocar a cabeça no travesseiro e esperar que depois dessa experiência se tenha um sono tranquilo.
 
 
                Luiz Bertazzo que foi visto há pouco em Homem Piano (outro espetáculo do grupo) desempenha com rigor a mãe. Trabalho de composição precisa com perfeita dosagem entre emoção e razão. Greice Barros o acompanha à altura e sua fragilidade física dá um toque especial à figura do pai. Ciliane Vendrusculo sai-se bem como a agressiva amiga (que parece também ter tido um caso com a garota desaparecida). Em papéis menores, Jeff Bastos e Rafael di Lari dão conta dos mesmos.
                A trilha sonora de Ary Giordani é irregular. Tem momentos muito interessantes que reforçam o suspense das cenas, por outro lado às vezes é tão presente que parece querer tornar-se mais importante desviando a atenção do espectador que se pergunta: Para que esse som neste momento?
 
                Obscura Fuga da Menina Apertando Sobre o Peito Um Lenço de Renda é espetáculo obrigatório para quem espera do teatro algo mais do que puro entretenimento. Faz-nos refletir não só sobre nosso comportamento no seio familiar, mas como em toda a sociedade. Em cartaz no Sesc Belenzinho de quinta a sábado às 21h30 e domingo às 18h30 até 02 de novembro. Duração:70 minutos.
 
Fotos de Lenise Pinheiro
               
               
 

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