segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SALAMALEQUE


 
        Intolerância étnica, religiosa ou sexual; violência e mais de perto falta de luz e de água. Somos bombardeados no dia a dia com notícias negativas nos jornais e nas torneiras. Há um antídoto para tanta coisa ruim e está ao alcance de todo mundo (é gratuito), ali no mais que simpático e acolhedor espaço da Fernanda, o Instituto Capobianco: SALAMALEQUE.

        Salamaleque é um encontro (acho esse termo mais apropriado do que espetáculo) concebido por Valéria Arbex a partir de cartas trocadas entre seus avós Nadime e Nicolau, de entrevistas que ela fez e também de sua memória do convívio com familiares de origem árabe. Esse material foi costurado dramaturgicamente com muita sensibilidade por Alejandra Sampaio e Kiko Marques e dirigido por Denise Weinberg e Kiko Marques. O resultado é delicioso até para o paladar, pois a personagem Elizete, enquanto conta as histórias dos imigrantes árabes (que poderiam ser aquelas de qualquer imigrante que um dia por circunstâncias diversas e com “uma mão na frente e outra atrás” deixaram seus países de origem para vir “fazer a América”) vai preparando oferendas para os convidados (nós, o público) degustarem ao final do encontro.

        Valéria está bastante à vontade em cena (muito mais solta do que a primeira vez em que assisti ao espetáculo em julho de 2013) dançando as músicas árabes com desenvoltura e sensualidade, interagindo com os convidados e permitindo-se uma cena deliciosamente erótica quando se comunica com Marcos, a pessoa que ela contrata para traduzir termos das cartas escritos em árabe que se revelam íntimos e muito sensuais. Aliás, é ótimo o recurso dramatúrgico de haver essa figura de Marcos com quem a protagonista a princípio troca e-mails, depois se apaixona e acaba casando. Encontro tão cheio de boas energias só podia ter um final feliz.

        Elizete pega o vestido de noiva, pede licença para ir se vestir para o casamento e deixa os convidados à vontade para se deliciar com as iguarias árabes e nós transformamos aquele espaço numa fraternal celebração. Na verdade a celebração acontece durante todo o encontro, pois uma emoção muito bonita envolve a todos que ali estão presenciando as histórias de Elizete. Na casa lotada do último sábado havia muitas senhoras (em especial a esfuziante Dona Alice) de descendência árabe que deram um colorido especial à sessão participando e batendo palmas durante as danças.

        O belo cenário de Chris Aizner reproduz com muitos detalhes uma casa de origem árabe utilizando muitos objetos pertencentes a Valéria.

        Por último, mas não menos importante, louve-se o acolhimento do público realizado com muita competência e simpatia pelas sorridentes Carol Vidotti, Rosana Maris e Patrícia Gordo, está última com uma função que devia fazer escola nos grupos que fazem teatro: Produção de formação de público.

        O programa da peça, simples, bonito e preciso contém até um glossário dos termos árabes usados no espetáculo e nos dias hoje mais que nunca é preciso dizer: sallamu alaicum (a paz esteja convosco).

        Viva Valéria! Seu espetáculo é lindo!

 

        Salamaleque está em cartaz no Instituto Cultural Capobianco (Rua Álvaro de Carvalho, 97) aos sábados e domingos às 16h até 26 de abril. Os ingressos (apenas 40 lugares) devem ser retirados uma hora antes, mas é bom ligar para 3237-1187 ou 97499-4243 porque os mesmos estão muito disputados.

 

26/01/2015

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

AS CRIADAS E O TEATRO ALIANÇA FRANCESA


Foto de Fernando Moraes
 

        É com muita alegria que testemunhamos a volta do Teatro Aliança Francesa com casas lotadas e com programação digna do seu passado.

        Esse teatro inaugurado em 1964 já passou por três distintas fases:
 
 

        - 1964-1985: Inaugurado com a peça francesa O Ovo, o teatro teve intenso movimento nesses 22 anos, apresentando grandes nomes da dramaturgia dirigidos por importantes encenadores (Antunes Filho, Ivan Albuquerque, Antonio Abujamra). Atuaram nesse palco Rubens Corrêa, Cleyde Yáconis, Eva Wilma, Regina Duarte, Lilian Lemmertz, Juca de Oliveira, Paulo Goulart, Marília Pêra, Jô Soares, Glauce Rocha, Nathalia Timberg, Dercy Gonçalves, Myrian Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, Antonio Fagundes, Rodrigo Santiago, citando apenas aqueles que me vêm à memória.
 
 

        - 1986-2001: Em 1986 o grupo TAPA dirigido por Eduardo Tolentino vindo do Rio de Janeiro apresenta o espetáculo O Tempo e os Conways e a partir daí se instala por 15 anos no teatro com repertório que beirou a excelência. O grupo, com elenco fixo de alto nível, apresentou cerca de 40 espetáculos nesse período com ênfase na dramaturgia brasileira e em textos menos conhecidos da dramaturgia mundial.

        - Em 2002 o teatro fica fechado para reforma.
 
 

        - 2003-2013: O teatro reabriu em 2003 com o espetáculo Aux Pieds de la Lettre do grupo franco brasileiro Dos à Deux, mas depois disso não encontrou um caminho apresentando uma programação irregular sem nenhum sinal de curadoria. Foram menos de 20 espetáculos em 11 anos.
 
 

        - 2014: Inicia-se uma nova fase do Teatro Aliança Francesa com a comemoração dos seus 50 anos. Como bom filho pródigo o grupo TAPA retorna ao Aliança Francesa em 2015 apresentando dois textos do dramaturgo francês Jean Genet (1910-1986): As Criadas e Splendids.
 
Foto de Ronaldo Gutierrez

        AS CRIADAS dirigida por Eduardo Tolentino estreou em janeiro de 2015 e já é um dos grandes espetáculos do ano. Cabe notar neste caso outros bem vindos retornos: Denise Weinberg e Emilia Rey voltam a se apresentar com o TAPA depois de um afastamento de muitos anos.

        O duplo, tão caro a Genet, impõe-se desde a primeira cena quando Clara, uma das criadas, se assume como Madame e a outra criada Solange, sua irmã , se assume como Clara. Uma vez instaurada a cerimônia, Madame e Clara fazem um jogo cruel onde a meta final é o assassinato da toda poderosa. Essa duplicidade é reforçada pelo cenário composto de vários espelhos que refletem as imagens das personagens. O embate entre as duas irmãs permite que testemunhemos um momento luminoso de duas atrizes: Clara Carvalho e Denise Weinberg aproveitam e degustam cada palavra do texto indo da violência à delicadeza e interagindo num processo de atração e repulsão até os instantes finais da peça quando se concretiza o ritual. A participação da pernóstica Madame na trama é menor, mas também permite uma bela composição de Emília Rey.

        A encenação de Eduardo Tolentino realça a perversidade que está presente na personalidade das três personagens: oprimidos ou opressores, pobres ou ricos, criadas ou madames, somos todos membros dessa raça dita humana. Genet, pobre, homossexual e marginalizado é o melhor exemplo disso.

        O cenário de Marcela Donato de fundo e chão vermelhos é composto de muitos espelhos, uma escada, muitos objetos de cena, entre os quais se destaca um enorme vestido que vai ser peça importante da última cena. Ao meu modo de ver esse cenário está subaproveitado pela encenação, uma vez que o fundo do espaço quase não é usado; além disso, o já citado enorme vestido fica restrito ao canto esquerdo do palco, diminuindo a suntuosidade que ele quer demonstrar.

        As Criadas é encenação do melhor quilate que faz jus ao espaço em que se apresenta e que já foi palco de grandes momentos do teatro paulistano.

        Longa vida ao Grupo TAPA!

        Longa vida ao Teatro Aliança Francesa!

 

        AS CRIADAS está em cartaz no Teatro Aliança Francesa (Rua General Jardim, 182) a apartir de 16 de janeiro, de quinta a sábado às 20h30 e aos domingos às 19h. Ingressos a R$20,00 e R$10,00 (meia).

 

16/01/2015

         

 

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

O AUTOR BRASILEIRO NOS PALCOS PAULISTANOS EM 2014



        Segundo os guias de teatro, 583(*) peças assinadas por dramaturgos brasileiros estiveram em cartaz nos palcos de São Paulo no ano de 2014 com uma média de 48 estreias ou reestreias por mês. Quantidade espantosa não necessariamente acompanhada de qualidade. Abundam os espetáculos comerciais que apenas pelo título indicam a que vieram, tais espetáculos, em geral, concentram-se nos Teatros Ruth Escobar, Maria Della Costa, Bibi Ferreira, Brigadeiro, Gazeta e Folha.

Ronaldo Ciambroni
 
        O dramaturgo mais montado no ano foi Ronaldo Ciambroni com nove espetáculos em cartaz, seguido de Mário Bortolotto com sete. Nelson Rodrigues e Plínio Marcos, em geral bastante montados, ficaram com cinco, empatados com Luís Alberto de Abreu, Sergio Roveri e Wilson Coca. Jô Bilac, Tony Giusti e José Celso Martinez Corrêa/Marcelo Drummond comparecem com quatro títulos. 10 autores tiveram três textos montados e 35 aparecem com dois títulos.
 
Mário Bortolotto

        O gênero drama predomina com 355 títulos, seguido de 161 comédias, mas é curioso notar a presença de 45 espetáculos musicais assinados por autores brasileiros, a maioria deles focando vida e obra de cantores famosos.

        Esse ano tão pródigo em número de espetáculos de autores brasileiros não destacou ao meu modo de ver nenhum nome da nova geração. Entre aqueles a que assisti, os melhores textos foram Abnegação de Alexandre Dal Farra, Maldito Benefício de Leonardo Cortez e as excelentes adaptações para teatro de O Grande Circo Místico (Newton Moreno e Alessandro Toller) e de Os Irmãos Karamázov (Luís Alberto de Abreu e Calixto de Inhamuns).

        Esperemos que em 2015 haja  melhor equilíbrio entre quantidade e qualidade.


(*) Não fazem parte deste total: stand up comedies, teatro infantil e espetáculos apresentados na periferia que não aparecem nos guias.

 

domingo, 4 de janeiro de 2015

ZESCAR TEATRO 2014


 
 


        Listas de melhores e prêmios por votação pela Internet onde se pode votar quantas vezes quiser (??!!) estão tão banalizados que relutei em publicar a relação do ZESCAR  de teatro de 2014. Essa história do ZESCAR começou com uma brincadeira. Há muitos anos que faço minha lista particular do que considero os melhores do teatro e do cinema. Minha cunhada um dia brincou perguntando quando eu ia distribuir o ZESCAR (amálgama de Zé com Oscar). A partir daí esse se tornou o nome da minha lista e ultimamente eu a tenho publicado neste blog. É uma lista ABSOLUTAMENTE pessoal que leva em conta os 207 espetáculos a que assisti no ano e nada tem a ver com a minha participação em comissões de premiação onde os premiados são eleitos por votação. Para não ser totalmente injusto, listo também aqueles “perdidos” que julgo terem sido importantes.   Distribuo também os RACSEZ para os piores do ano, mas permito-me ser politicamente correto não divulgando essa lista.
 
        Quero ressaltar aqui minha surpresa ao não ver em nenhuma lista de premiados ou indicados um espetáculo que ao meu modo de ver é um dos melhores, senão o melhor, do ano; trata-se de KARAMÁZOV, encenado por Ruy Cortez.
 

        Minha lista está dividida em categorias e não há um número certo para cada categoria (se listo só dois é porque foram só eles, assim como posso listar sete ou oito). Por categoria, a lista está em ordem alfabética.


        PEÇAS:
        - A ARTE DA COMÉDIA
        - ASSIM É (SE LHE PARECE)
         - E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU
        - ILHADA EM MIM
        - KARAMÁZOV
        - PRETO NO BRANCO
        - PROPRIEDADES CONDENADAS
        - TCHEKHOV

        OBS: Voltei a assistir por mais quatro vezes (total 10) um dos espetáculos da minha         vida: CAIS OU DA INDIFERENÇA DAS EMBARCAÇÕES de KIKO MARQUES com a VELHA       COMPANHIA


        MUSICAIS:
        - ELIS, A MUSICAL
        - O GRANDE CIRCO MÍSTICO
        - O HOMEM DE LA MANCHA
        - JESUS CRISTO SUPERSTAR


        DIREÇÃO:
        - ANA ROSA TEZZA – TCHEKHOV
        - ANDRÉ GAROLLI – HISTÓRIA DOS PORÕES
        - ANDRÉ GUERREIRO LOPES – ILHADA EM MIM
        - CHRISTIANE JATAHY – E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU
        - GUILHERME LEME – TRÁGICA.3
        - MARCO ANTÔNIO PÂMIO – ASSIM É (SE LHE PARECE) e       PROPRIEDADES CONDENADAS   
        - RUY CORTEZ – KARAMÁZOV
        - SERGIO MÓDENA – A ARTE DA COMÉDIA
 
        ATRIZ:
        - CLARA CARVALHO – PRETO NO BRANCO
        - MIWA YANAGIZAWA – TRÁGICA.3
        - SANDRA DANI – OH OS BELOS DIAS
        - SYLVIA PRADO – WALMOR Y CACILDA/CACILDA!!!!!
 
        ATOR:
        - CLETO BACCIC – O HOMEM DE LA MANCHA
     - ELENCO: ANTONIO SALVADOR/EDUARDO OSORIO/MARCOS DE ANDRADE/RICARDO GELLI - KARAMÁZOV
        - GUSTAVO RODRIGUES – BILLDOG
        - RICARDO GELLI – PROPRIEDADES CONDENADAS
        - VITOR VIEIRA – ABNEGAÇÃO


        DRAMATURGIA NACIONAL:
        - ALESSANDRO TOLLER/NEWTON MORENO – O GRANDE CIRCO   MÍSTICO
        - ALEXANDRE DAL FARRA – ABNEGAÇÃO
        - CALIXTO DE INHAMUNS/LUÍS ALBERTO ABREU – KARAMÁZOV
        - LEONARDO CORTEZ – MALDITO BENEFÍCIO

        CENOGRAFIA:
        - O JARDIM DAS CEREJEIRAS – LU BUENO/MARCELO LAZZARATTO
        - UM RÉQUIEM PARA ANTONIO – MAIS CENOGRAFIA
        - VIDAS PRIVADAS – MARCO LIMA

        ESPECIAIS (PROJETOS E EVENTOS):
        - MIRADA – FESTIVAL IBERO-AMERICANO DE ARTES CÊNICAS DE SANTOS
        - MITsp – 1ª MOSTRA INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO PAULO
        - PALAVRAS PARA TEATRO – Coleção de sete livros com textos de integrantes do CENTRO DE DRAMATURGIA CONTEMPORÂNEA.
        - TEATRO SOLO – M. UMPIERREZ (Argentina)
        - VIRA-LATAS DE ALUGUEL – Espetáculo realizado em Heliópolis – Direção: DANIEL         GAGGINI
        - Em 2014 três teatros de São Paulo fizeram aniversário redondo: ALIANÇA FRANCESA – 50 anos (após um período de indefinição propõe uma programação interessante para 2015); RUTH ESCOBAR – 50 anos e MARIA DELLA COSTA - 60 anos. Os dois últimos não têm muito a comemorar, pois as suas programações não condizem com seus passados gloriosos.
 
        ACOLHIMENTO:
        - NÚCLEO EXPERIMENTAL
        - PEQUENO TEATRO DE TORNEADO (WILLIAM COSTA LIMA)
        - VELHA COMPANHIA
 
        ESPETÁCULOS ESTRANGEIROS:
        - CASTIGO (CHILE) – MIRADA
        - CINEASTAS (ARGENTINA) – MITsp
        - JOGO DE CARTAS (CANADÁ) – Sesc
        - THE OLD WOMAN (ESTADOS UNIDOS) – Sesc
        - SONGS OF LEAR (POLÔNIA) – Sesc
        - A VIOLAÇÃO DE LUCRÉCIA (REINO UNIDO) – Sesc
 
        ÓPERAS:
         - CANDIDE (SALA SÃO PAULO)
        - CARMEN (THEATRO MUNICIPAL)
        - SALOMÉ (THEATRO MUNICIPAL)
        - TOSCA (THEATRO MUNICIPAL)
 
        CONCERTOS:
         - ORQUESTRA SINFÔNICA SIMON BOLIVAR (VENEZUELA)
        - OSESP (TERCEIRA SINFONIA DE MAHLER)
 
        SHOW:
        - NADA A DESTACAR


        DANÇA:
         - NADA A DESTACAR
 
        RESUMO:
        - TEATRO: 182
        - CONCERTO: 10
        - SHOW: 04
        - ÓPERA: 07
        - DANÇA: 04
        - TOTAL: 207
 
         PERDIDOS:
        - A ARMADILHA
        - CADA DOIS COM SEUS POBREMA
        - E SE FEZ A HUMANIDADE CIBORGUE EM 7 DIAS
        - KANÁ KAWÃ
        - OSMO
        - PALAVRA DE RAINHA
        - PROJETO FAUZI ARAP
        - A VOLTA PARA CASA