segunda-feira, 16 de março de 2015

BALANÇO DA 2ª MITsp (Mostra Internacional de Teatro de São Paulo) – 05 a 15 de março de 2015.


 

         Numa maratona de 11 dias o público paulistano teve a oportunidade de entrar em contato com 12 espetáculos vindos da Rússia (2), Alemanha (2), Colômbia (2), Brasil (2), Holanda, Israel, Itália e Ucrânia. Sucesso de crítica e de público (casas lotadas em todos os espetáculos), o Mitsp consolida-se como o festival internacional de teatro oficial de São Paulo (como eu gostaria que a Ruth Escobar tivesse lucidez para curtir este grande acontecimento) e sua terceira edição já está agendada para o período de 04 a 13 de março de 2016, sendo que seus organizadores (os incansáveis Antonio Araújo e Guilherme Marques) já estão trabalhando na seleção das montagens que farão parte do evento do próximo ano.

         As grandes estrelas desta MITsp foram as encenações russas. Dois verdadeiros monumentos teatrais chegaram até nós.
 

         O primeiro pelas mãos de Yuri Butusov com sua genial e inovadora concepção de A GAIVOTA nos mostrando um Tchekhov operístico e melodramático (no melhor sentido da palavra), quase o oposto ao modo que se interpreta o grande dramaturgo russo, mas conservando e até ressaltando os grandes temas contidos na peça: o desencanto pela tediosa vida rural e os dilemas e inseguranças que o artista enfrenta durante o ato criador (é emblemático o tratamento dado à personagem do escritor Trigorín em sua cena com Nina). Além do conteúdo preservado, o espetáculo é de um esplendor visual pouco visto em nossos palcos. As quase cinco horas passam rapidamente e quando o espetáculo termina ficamos com aquela sensação de querer mais.
 

         OPUS Nº7 foi a outra montagem russa que tirou os pés do público do chão. Dirigida por Dmitry Krykov a encenação divide-se em dois atos, cada um com uma peça distinta, mas ambos tendo como pano de fundo as consequências funestas dos regimes autoritários. No primeiro (Genealogia) são enfocados a perseguição e o extermínio de judeus soviéticos e no segundo (Shostakovich) os danos que a censura do regime stalinista causaram à vida e à obra do compositor Dmytri Shostakovich (1906-1975). Com efeitos cênicos relativamente simples e com pouquíssimos diálogos o espetáculo tem grandiosidade épica e inflama os sentidos do público. Grandes achados cênicos são os painéis com projeções de Genealogia, a boneca gigante representando a tirânica Mãe Rússia e a guerra de pianos de lata quase ao final do segundo ato.

         AS IRMÃS MACALUSO foi o belo espetáculo vindo da Itália, dirigido por Emma Dante. Teatro dança de rara sensibilidade que mostra poeticamente e até com certa dose de humor temas como morte, luto e perdas. Elenco coeso. É lamentável que diante de tanta beleza alguém se preocupasse em escrever um artigo sobre o cuspe que eventualmente as atrizes dirigiram para quem estava na primeira fila do teatro. Assim caminha nossa crítica teatral!
 

         WOYZECK. O texto de Georg Büchner (1813-1837) que por sua vez já é fragmentado e inacabado serve de pretexto para o diretor ucraniano Andriy Zholdak criar uma longa e explosiva performance que leva as personagens Woyzeck e Maria para o espaço cósmico. Apesar de excessivo o espetáculo tem momentos significativos e a ênfase é na violência e na truculência dos militares, provável resquício dos tempos em que a Ucrânia pertencia à extinta União Soviética e também da delicada situação que o país vive atualmente.

         CANÇÂO DE MUITO LONGE é delicado trabalho vindo da Holanda que, assim como As Irmãs Macaluso, trata de assuntos como morte, luto e superação da perda. O texto de Simon Stephens, dirigido por Ivo van Hove tem interpretação contida e segura de Eelco Smits. Como “estreia mundial” no MITsp esperava-se espetáculo mais impactante e original.

         SENHORITA JULIA vem da Alemanha, com direção da inglesa Kate Mitchell. Colocando a empregada Cristina como a protagonista da peça, a encenadora torna a peça de Strindberg (1849-1912) menos misógina do que o autor a concebeu. É notável o sincronismo entre a ação dos atores, dos técnicos que fazem as filmagens, dos dois sonoplastas que executam os sons ao vivo e à vista do público e da violoncelista. Com exceção da luz que vem do exterior, todo o espetáculo tem como iluminação apenas as luzes das velas e dos candelabros. Tudo é propositalmente muito nórdico e gélido não despertando emoção nem nas mortes do pintassilgo e de Julia. O uso dos recursos cinematográficos é bastante eficiente e as cenas na tela remetem aos filmes de Ingmar Bergman e aos quadros do pintor Vermeer. Tudo muito bonito, mas sem o mínimo de emoção.

         STIFTERS DINGE (de Heiner Goebbels - Alemanha/Suíça) e ARQUIVO (Arkadi Zaides - Israel), cada um à sua maneira foram espetáculos de exceção. O primeiro por se tratar de uma instalação sem atores em cena (na verdade o ator está presente com sua voz narrando algumas partes do espetáculo) e o segundo por colocar um coreógrafo israelense diante de projeções realizadas por palestinos, interpretando com gestos e sons o que se passa em cena. Espetáculos áridos e instigantes, bem vindos numa mostra que necessita ter seu lado inovador no que se refere a trazer novas linguagens.

         “Muito barulho por (quase) nada” poderia ser o título deste item que trata dos dois espetáculos trazidos pelo grupo colombiano Maldita Vanidad dirigido por Jorge Hugo Marín. Depois da bem sucedida apresentação da trilogia Sobre Alguns Assuntos de Família no Mirada 2012 esperava-se muito destes novos trabalhos do grupo, mas parece que a fórmula se esgotou. Depois de sucessivas exigências de mudança dos locais de apresentação foi mostrado o apenas razoável e melodramático MORRER DE AMOR numa casa na Vila Madalena e o decepcionante MATANDO O TEMPO claramente inspirado em Festa de Famíla do dinamarquês Thomas Vinterberg. Bons atores atuando de forma hiper-realista necessitam de sólida dramaturgia para o bom resultado de espetáculo desta natureza e texto consistente foi exatamente o que faltou nas encenações dos colombianos.

         O Brasil foi muito bem representado pelos dois espetáculos de Christiane Jatahy JULIA e E SE ELAS FOSSEM PARA MOSCOU? que contêm dois aspectos enfatizados pela curadoria do evento: a visita a textos clássicos e o uso de linguagem cinematográfica na concepção dos mesmos.

        As atividades paralelas, tão importantes quanto os próprios espetáculos, envolveram profissionais de teatro e o público promovendo um intercâmbio produtivo e mais que necessário.

       Saldo mais que positivo da MItsp 2015. Já estamos aguardando a próxima!

15/03/2015



 
   
 
 
 
      

 

15/03/2015

 

 

2 comentários:

  1. ai, deve ter sido incrível. pena que não consegui ir. beijos, pedrita

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  2. Compartilho de suas percepções, excelente texto. Espero poder estar presente no Mitsp 2016. Acompanharei o blog, um grande Abraço!

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