domingo, 5 de junho de 2016

NÃO CONTÉM GLÚTEN

Foto de Lenise Pinheiro

        O teatro do absurdo surgiu na Europa após a segunda guerra mundial quando o mundo ainda estava boquiaberto com aquilo que o homem era capaz de fazer com seu semelhante. Os teatros de Ionesco e, principalmente, de Beckett retratam essa época sombria e sem perspectivas de forma exemplar.
        Falta de perspectiva é talvez o maior problema do caos que tomou conta do Brasil nos últimos tempos. Some-se a isso o aquecimento global, as mudanças climáticas, a falta d’água. Acrescente-se ainda a falta de comunicação entre as pessoas e o tédio imposto por uma vida monótona a dois. Sergio Roveri deve ter pensado em tudo isso ao escrever Não Contém Glúten, simples - só na aparência! - história de um casal que recebe outro casal “no dia mais quente do ano”. O texto é preciso e enxuto mostrando tudo o que existe de absurdo nas situações mais cotidianas.
        A tradução cênica de José Roberto Jardim é excelente e criativa colocando os dois atores praticamente imóveis em cena circunscritos à área de um tapete redondo branco, sendo que suas ações (aquelas que no texto escrito correspondem às rubricas) são descritas em legendas no fundo do palco. Essa imobilidade física exterioriza de forma exemplar a monotonia daquela vida a dois. A chegada do casal amigo Dorothy e Henry (que não aparece em cena) escancara os traumas dos protagonistas Sue e Michael. A iluminação do espetáculo, assinada por Jardim e por Paula Hemsi, é peça fundamental para ilustrar a ação e o que vai pela cabeça do casal.
        Montagem com esse minimalismo exige a presença de grandes atores: Pascoal da Conceição com sua habitual competência compõe à perfeição o elegante e empertigado Michael, em papel bastante diverso daqueles que costuma fazer. O trabalho de Bia Seidl é uma obra de ourivesaria composta de filigranas faciais e vocais uma vez que ela pouco se mexe, isso resulta numa das interpretações femininas mais significativas que se tem presenciado em nossos palcos nos últimos tempos. Um privilegiado assento na terceira fileira me permitiu apreciar em detalhes todas as nuances desse trabalho.
        NÃO CONTÉM GLÚTEN não é obra para se assistir às pressas. São apenas 55 minutos do mais puro teatro e joias desse tipo necessitam de espectadores sensíveis e abertos para o novo. A peça está em cartaz no Sesc Santana às sextas e sábados (21h) e domingos (18h) apenas até o próximo fim de semana (12/06).

        Afinal... O suflê contém ou não contém glúten?

05/06/2016


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