Em
nome da contemporaneidade tenho visto muitos Shakespeares histéricos, Tchekhovs
mais que gritados; urrados. Será que é necessário berrar um texto clássico para
provar que ele é atual e reflete essa realidade de ódio que o Brasil está
vivendo? Vejo um grande equívoco nessa postura e foi com o desagradável eco
dessas últimas experiências que me dirigi ao Teatro Aliança Francesa para
assistir a As Irmãs Siamesas cujas
atrizes eu não conhecia e minhas únicas referências eram o autor José Rubens
Siqueira (Prêmio APCA de melhor autor em 1987 com esta peça) e o diretor
Sébastien Brottet- Michel (ator nos dois espetáculos do Théâtre du Soleil que foram
apresentados em São Paulo em 2007 e 2011).
Que
diferença! Ao se apagarem as luzes da plateia a silhueta de duas mulheres sobre
um fundo de cor bege clara já antecipa a beleza e a delicadeza do que está por
vir.
Duas
irmãs conversam após a morte da mãe numa cidade do interior. Uma se emancipou e
foi morar em São Paulo, a outra permaneceu na cidade do interior, casou, teve
um filho, ficou viúva e cuidou da mãe até a sua morte. Em um jogo de atração e
rejeição as duas conversam sobre o que a vida fez com elas remexendo memórias e
as roupas de um baú. Dentro desse baú há outro menor que contém objetos e
cartas que foram da falecida. A própria casa representada no cenário por um
grande baú é a principal caixa de memórias dessas duas mulheres que, cada uma à
sua maneira, são muito solitárias e frágeis.
A
encenação de Brottet-Michel prima pela delicadeza. Tudo é harmonioso desde os
figurinos de Kene Heuser cujas cores combinam com as nuances que o cenário de
Marisa Rebolo vai adquirindo por meio da belíssima iluminação de Rodrigo Alves.
Creio que alguém que não entendesse uma palavra do espetáculo se encantaria com
a movimentação das atrizes nesse espaço e com a envolvente trilha sonora de
Wayne Hussey.
E
por falar em atrizes, mais uma grata surpresa. Além de terem o aspecto físico
apropriado para seus papeis (Nara Marques é bastante alta e exuberante e
Cinthya Hussey é bem mais baixa e tem aparência frágil), elas têm excelente desempenho
jogando muito bem com as mudanças de estado de espírito requeridas pelas
personagens. Não há a mais forte ou a mais fraca e em cada momento é uma delas
que “está ganhando o jogo”.
As Irmãs
Siamesas é de uma beleza ímpar e conta bonita história de amor fraternal
que um cordão umbilical insiste em manter. Excelente antídoto para o veneno que
a realidade está nos injetando. IMPERDÍVEL!
AS
IRMÃS SIAMESAS está em cartaz no Teatro Aliança Francesa às sextas e aos
sábados às 20h30 e aos domingos às 19h.
06/10/2018
eu tb adorei esse espetáculo. excelente resenha! é muito interessante mesmo o texto quando a aparentemente mais frágil mostra uma força assustadora e vice-versa. é lindo esse jogo. minha postagem está aqui http://mataharie007.blogspot.com/2018/10/as-irmas-siamesas.html
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