Em 15 de dezembro de 1964 – poucos
meses depois do golpe civil-militar que instalou a famigerada ditadura que
durou mais de 20 anos no Brasil - a sempre corajosa e empreendedora Ruth
Escobar (1935-2017) inaugurou o seu teatro na Rua dos Ingleses com A Ópera dos Três Vinténs de Brecht,
dirigida pelo saudoso José Renato. A partir daí aquele espaço abrigou momentos
fundamentais não só do teatro brasileiro (Roda
Viva, 1ª Feira Paulista de Opinião,
Revista do Henfil, A Viagem,
entre muitos outros) como também da resistência da classe teatral aos desmandos
da ditadura militar o que hoje pode ser verificado no livro de Rofran Fernandes
com o sugestivo nome de Teatro Ruth
Escobar-20 Anos de Resistência (Global Editora1985) e. no futuro, no livro
de Alvaro Machado a ser publicado pelo SESC ainda em 2020.
Em 1997, não conseguindo mais arcar
com as despesas do teatro, Ruth Escobar o vendeu para a Associação dos
Produtores de Espetáculos Teatrais do Estado de São Paulo (Apetesp), a qual afirmava
que o objetivo da compra era “prestar maiores benefícios aos seus
associados” (página da Associação). Desde então essa entidade tornou-se
responsável pela programação do teatro.
Ícone do melhor teatro que se fez em
São Paulo entre os anos 1960 e 1980, lamentavelmente esse teatro foi se
destinando cada vez mais a “produtos” estritamente comerciais e foi agonizando
artisticamente, suas salas sendo tomadas cada vez mais por títulos esdrúxulos como
os citados abaixo, colhidos em banco de dados que alimento desde os anos 1990:
Se Meu Ponto G Falasse//O Acidente
da Perua//Sex Shop Café//Diálogo do Pênis//Sexo, Etc e Tal//Segura o
Velho//Engolindo Sapo Para Um Dia Comer Perereca//Será Que Dona Flor Foi a
Única?//Confidências de Um Espermatozoide Careca//Entre a Pizza eo
Motel//TPM-Tratamento Para Machos//Cobras, Lagartos e Minhas Sogras//Patro
Rica, Pode//Assalto Alto/Cura Ele Cura Ela/Quem Não Vê Cara, Não Vê Furacão/O
Dia Em que Eu Comi a Pomba Gira/De Mala e Cuia no Trem do Riso/Homens no
Divã/Casal TPM/Casal TPM 2-A Música da Nossa Vida/TPM-Terapia Para Mulheres/O
Amante do Meu Marido/Nua na Plateia/Uma Família Muito Doida. Alguns
espetáculos com muito sucesso popular, como A Sogra Que Pedi a Deus, em
cartaz por cerca de uma década.
Essas programações não fizeram jus ao
brilhante passado do edifício que as abrigam e muito menos à brava guerreira
Ruth Escobar que dá nome ao teatro.
Teatro com esse passado e que leva o
nome de uma mulher desbravadora que enaltece e engrandece a cena brasileira
merecia títulos mais importantes em seus cartazes. E agora a Apetesp colocou o
teatro à venda, dando o golpe de misericórdia a uma morte que já vinha sendo
anunciada há muitos anos.
Mas tem de haver meios dessa situação
ser revertida. Não há uma lei para isso, mas eticamente a Apetesp deveria se
recusar a vender o teatro para uma igreja, supermercado ou qualquer outra
atividade que não fosse teatral. Buscar isenção de impostos nesta fase em que
procuraria compradores entre o município, o estado, o SESC ou patrocinadores,
talvez seria uma saída. E que aquele local volte a ser um templo de cultura e
de resistência na nossa cidade. Chega de fechar teatros!
Citando Bertolt Brecht no final de A Alma Boa de SetSuan:
Tem de haver outro final,
Tem de
haver um que é bom,
Tem de
haver,
Tem de haver.
CLASSE TEATRAL: VAMOS LUTAR POR
ISSO!!!
O TEATRO NOS UNE
O TEATRO NOS TORNA FORTE
VIVA O TEATRO!!
Caso isso não aconteça, vai restar a memória daqueles que ali assistiram a momentos fundamentais do teatro brasileiro. E o meu receio é que logo mais o Teatro Maria Della Costa, também administrado pela Apetesp, siga o mesmo caminho.
22/10/2020
Bravo, bravíssimo! Tem de haver um meio para impedir que seja para outra finalidade que não teatral ou cênica. Vamos lutar sim para isso, Cetra! Chega de desmantelamento da Cultura neste país! Basta!
ResponderExcluirO comentário acima é meu, Alvaro Machado.
ResponderExcluir"VIVA O TEATRO"... "reexistir" é preciso.
ResponderExcluirÉ de fato um episódio muito triste. Acultura se esvaindo, realmente se uma igreja ou supermercado comprar o espaço, será o fim e pensei também no Maria Della Costa... Triste, muito triste, espero que o final seja feliz com aplausos
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