terça-feira, 6 de outubro de 2020

ÍDOLOS DA TELA

 

Eu comecei a ir ao cinema ainda no colo do meu pai e lembro vagamente da sala de cinema na qual assisti aos meus primeiros filmes. Era o Cine São Carlos na Rua Guaicurus no bairro da Água Branca. Esse cinema que na minha memória se assemelhava - no que se refere à arquitetura - ao Theatro Municipal, tinha capacidade de 2200 lugares divididos entre plateia, frisas, camarotes, anfiteatro e galeria. Inaugurado na década de 1920, foi desativado em 1951 quando eu tinha sete anos.

Em 1950 foi inaugurado o Cine Nacional na Rua Clélia com 3300 lugares e em 1951 foi a vez do Cine Tropical na Rua Roma com pouco mais de 2000 poltronas. O bairro estava bem servido de cinemas que exibiam os mesmos filmes que estavam em cartaz na chamada Cinelândia, área onde se concentravam os cinemas do centro da cidade (Avenida São João e adjacências).

Para um garoto com pouco menos de dez anos era um verdadeiro paraíso poder ir ao cinema e assistir aos desenhos do Walt Disney e aos filmes com censura livre (perdi a conta do número de vezes que assisti a Aladim e a Lâmpada Maravilhosa nas matinês de domingo no Cine Nacional).

Era uma festa também quando na época do carnaval estreavam as chanchadas da Atlântida estreladas por Oscarito, Grande Otelo e Eliana, a eterna mocinha virgem sempre apaixonada pelo galã, que podia ser Anselmo Duarte, Cyll Farney ou John Herbert. O papel de vilão ficava sempre com José Lewgoy.

As chanchadas eram recheadas com números musicais onde os cantores da moda interpretavam as marchas de carnaval do ano, tratava-se de uma versão pobre e cabocla dos ricos musicais da Metro dos anos 1950, onde até alguns títulos parodiavam aqueles dos filmes norte-americanos: Matar ou Correr (de Matar ou Morrer), Nem Sansão, Nem Dalila (de Sansão e Dalila).

Talvez já com o espírito de colecionador (as más línguas me chamam de acumulador) eu queria trazer para casa um pouco daquele mundo que eu via no cinema e foi assim que, para desespero dos meus pais, eu enveredei pelo mundo dos álbuns de figurinhas e pelas revistas de cinema Cinelândia e Filmelândia, desta última eu ainda tenho os primeiros 30 números encadernados.


Os mais queridos álbuns também atravessaram esses 60 anos comigo, resistindo a mudanças de casa e faxinas. São três ainda bem conservados e todos completos, sem faltar uma figurinha: Bambi, A Dama e o Vagabundo e Ídolos da Tela.




Ídolos da Tela é para mim o mais precioso, ali eu contemplava os artistas de cinema pelos quais eu tinha verdadeiro fascínio e que eu via mais nas revistas do que nas telas, já que a maioria dos filmes era impróprio para menores de dez anos. O álbum lançado em 1952 era composto de 450 figurinhas com nove artistas em cada página, sendo que a foto central era, em sua maioria, reservada para estrelas e astros do cinema brasileiro.

A duras penas consegui preencher 449 espaços, mas aquele de número 354, reservado ao Vittorio Gassman, permaneceu vazio, apesar de todos os esforços tanto meus como de meus pais, comprando mais pacotinhos e ajudando na troca com outros colecionadores.

Passaram-se 50 anos e cada vez que eu olhava para aquele álbum lastimava que ele estava incompleto, nessas alturas  Vittorio Gassman já havia falecido. Certo dia conversando com minha amiga Zuleica Saldanha, colecionadora de cartões postais, recebi o alento de que ela talvez conseguisse a tal figurinha.

O tempo passou e minha esperança de completar o álbum foi esvanecendo, achar aquela figurinha tão antiga era quase impossível e assim cheguei a me esquecer da conversa com a Zuleica. 

Certo dia chega uma carta registrada que recebo sem saber do que se trata. Abro e para minha surpresa e alegria me deparo com o jovem Vittorio Gassman que foi direto para seu endereço no número 354 dos Ídolos da Tela. Ele pode ser visto no canto superior direito da foto abaixo.


Aleluia! Completei meu álbum meio século depois de iniciá-lo. 

06/10/2020

 

 

 

 

 

 

2 comentários:

  1. Boas lembranças do nosso querido e extinto Cine Éden, Ipiaú/BA

    ResponderExcluir
  2. Zé as suas lembranças são também as nossas lembranças dos seus primos que conviveram muito com você desses tempos! Obrigado, por nos proporcionar uma "volta ao passado"


    ResponderExcluir