sexta-feira, 23 de julho de 2021

CEMITÉRIO VERTICAL

 

Esse é o título do novo projeto de Eric Lenate, jovem encenador brasileiro, já reconhecido pelo público e pela crítica    por seus bem sucedidos trabalhos em nossos palcos. Esta é a primeira incursão do diretor no teatro virtual e ele mantém seu olhar sombrio sobre nossa realidade voltando-se para a necropolítica e a obra do filósofo camaronês AchilleMbembe.

De forma bastante simplista podemos definir a necropolítica como o faz o Portal Geledés: poder social e político para decretar como algumas pessoas podem viver e como outras devem morrer; ou seja, na distribuição desigual da oportunidade de viver e morrer no sistema capitalista atual”. Como se vê, nada mais atual para o Brasil de hoje, onde um insano presidente e seus asseclas atuam exatamente nesse sentido tanto em termos raciais, como de gênero e de faixa etária.

Considerando-se as tantas mortes ocorridas no país não só devido à pandemia da covid, mas também pela eliminação de negros e de elementos trans, nada mais natural do que Lenate ambientar o seu espetáculo em um cemitério. E esse cemitério é vertical, aqueles onde o morto não tem uma sepultura individual, mas se amontoa em gavetas quase anônimas.

Doze participantes de um laboratório de criação coordenado por Lenate foram provocados por ele e pelo assistente de direção Vitor Julian a escrever e interpretar texto como se já estivessem mortos e falassem de suas sepulturas. Os doze monólogos e mais algumas intervenções constituem a espinha do espetáculo.

Filmes de episódio e espetáculos constituídos de cenas independentes primam pela irregularidade tendo sempre episódios excelentes convivendo com outros não tão bons e menos interessantes e Cemitério Vertical não foge à regra. Todas as cenas são bem produzidas e todo o jovem elenco (idade média: 34 anos) é excelente; a irregularidade se concentra na dramaturgia que é bem resolvida em alguns casos e peca pelo tempo excessivo e pela ânsia de ser “pós dramático” em outros.

No meu modo de ver as cenas que mais atingem o objetivo de denúncia são aquelas que têm um toque de humor: Neurocisticercose de Paulo Castello, Sem Sentido de Luís Paulon, Você Decide de Juliana Poggi, as intervenções Verdades Paralelas de Michelle Braz e mesmo Ideologia de Renato Izepp. Submersa de Paloma Alecrim e Sem Nome no Bolso de Diego Lima que, respectivamente, abrem e fecham o espetáculo têm grande força dramática.

De maneira geral, cabe enfatizar que o espetáculo é longo demais para a linguagem virtual, que dispõe de web espectadores com concentração diferente e menor daquela do espectador que presencia um trabalho ao vivo.

A direção de Lenate procura manter a morbidez do tema tanto nas inserções entre as cenas [lápides com foto e datas de nascimento (real) e de morte (todas em 16/03/2020, dia em que  foram decretados a pandemia e o isolamento social)] como no pungente texto, pouco antes do final, onde um jovem morto busca se comunicar com seus parentes vivos; este texto se assemelha a uma réplica de Meu Guri do Chico Buarque e é apresentado com imagens de fósforos queimando e ao som da impressionante trilha sonora de L.P. Daniel.

Apesar dos senões apresentados, o espetáculo é conceitualmente impecável e apresenta bastante elementos de reflexão para o caótico momento pelo qual passa a humanidade e, em particular, o povo brasileiro.

O espetáculo presta homenagem a todos humilhados e ofendidos deste Brasil. 

ROTEIRO: 

- SUBMERSA de Paloma Alecrim

- VERDADE PARALELA I de Michelle Braz

- MORTE DA MULHER DE VERDADE de Maria Amélia Lonardoni

- NEUROCISTICERCOSE de Paulo Castello

- SEM SENTIDO de Luís Paulon

- MÉTODO DE EXTERMÍNIO DA VIDA ANÍMICA ou CÂMERA DE GÁS LIGHT de Rebecca Loise

- REFLEXÕES PARA DANTES DO EXTERMÍNIO de Lorena Garrido

- VERDADE PARALELA II de Michelle Braz

- DELIRIUM TREMENS POST-MORTEM de Maria Eduarda Pecego

- IDEOLOGIA, EU QUERO UMA PRA VIVER? de Renato Izepp

- VOCÊ DECIDE de Juliana Poggi

- (DES)ALMA de Vinicius Aguiar

- VERDADE PARALELA III de Michelle Braz

- TEXTO DO GAROTO MORTO

- SEM NOME NO BOLSO de Diego Lima

- TEXTO FINAL

- CRÉDITOS

SERVIÇO: 

Dias 24 a 25 de julho e 31 a 01 de agosto 

Sábados e Domingos às 20h

Pedimos que acessem o link do ingresso com 15 minutos de antecedência

Ingressos a R$10, R$20, R$30 ou R$50

Via Sympla Streaming

https://www.sympla.com.br/cemiterio-vertical__1277350 

Todos os dias o público é convidado para uma conversa após a sessão

Classificação: 16 anos 

        23/07/2021

 

 

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