quinta-feira, 4 de dezembro de 2025

MURAL DA MEMÓRIA

 

Uma bela forma sem conteúdo é apenas contemplativa, por outro lado um bom conteúdo sem forma pode ser chato e indigesto. Um bom conteúdo em boa forma é o resultado que todo artista almeja.

Esses conceitos de forma e conteúdo me vieram à mente depois de assistir “Mural da Memória” realização do LABTD (Laboratório de Técnica Dramática) com texto de Ave Terrena e direção de Diego Moschkovich. 

- Quanto ao conteúdo: é extremamente louvável que um grupo com idade média ao redor de 38 anos venha se preocupando ao longo de sua trajetória em denunciar os desmandos de uma ditadura militar que governou o Brasil com punhos de ferro de 1964 a 1985, ano este em que a maioria dos integrantes do grupo ainda não tinha nascido. Essa época funesta está sempre presente nos trabalhos do LABTD e como se sabe, nunca é demais relembrar para ter força de resistir caso esses tempos sombrios insistam em voltar. “Mural da Memória” toca nesses pontos por meio de personagens que de um modo ou outro foram vítimas desse tempo cruel.

LEMBRAR É RESISTIR, SEMPRE!

- Quanto à forma: Ave Terrena escreveu o texto de “Mural da Memória” como um mosaico formado por cinco blocos que ela chama de barbantes. O sub título da obra é: “Dramaturgia muralista: cinco barbantes entrelaçados”. Ela usa a assim chamada narrativa multiplot, também conhecida por multiperspectiva, técnica que se tornou muito popular nos filmes do diretor norte-americano Robert Altman (1925-2006), cujo melhor exemplo é o magnífico “Short Cuts” (1993).

A narrativa multiplot consiste em mostrar vários personagens em histórias paralelas (os tais barbantes) que se desenvolvem independentemente, mas se cruzam em certos momentos. O pano de fundo de todas elas, no caso de “Mural da Memória” é o Brasil dos anos da ditadura.

Deve haver uma imensa sincronia entre texto (Ave Terrena) e sua tradução cênica (Diego Moschkovich encenador e elenco) e quando isso acontece realiza-se o milagre do teatro que é agregar o espectador a essa sincronia. Haja vista a emoção que tomou conta deste espectador no momento em que a travesti Mirela canta uma canção ao mesmo tempo que o casal Edna e Abel narra uma partida de futebol e os irmãos Juca e Silaine agregam seus movimentos à cena. Nas cenas do julgamento e no final da peça essa junção volta a acontecer, mas sem o impacto do momento citado acima.

No meu ponto de vista a encenação ganharia ao introduzir mais momentos como esse ao desenrolar da trama e isso seria possível, caso se reduzisse a frequência e o tempo das locuções dos jogos de futebol. Deve ficar claro que o futebol foi usado com muita perversidade como instrumento de propaganda dos militares para encobrir as atrocidades que aconteciam.

Em um cenário simples e funcional o elenco se desloca com desenvoltura. Diego e Maria Emília Faganello incumbem-se dos irmãos resistentes Juca e Silaine. Com muita energia Andréa Sá e Diego Chillo se encarregam do casal de locutores de futebol (seria bom se Andréa gritasse um pouco menos na sua fala final). As travestis Mirela Melcarro e Cátia Celeste são interpretadas com muita dignidade por Danna Lisboa (presença imponente em cena) e Jessica Marcele.

A encenação tem também a participação de Gabriel Barbosa e Felipe Pagliato na música em cena.

“Mural da Memória” não é um espetáculo perfeito, mas tem muitas qualidades e cumpre o objetivo de unir forma e conteúdo com harmonia.

NÃO DEIXE DE VER! 

04/12/2025

 

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