Uma bela forma sem conteúdo é apenas
contemplativa, por outro lado um bom conteúdo sem forma pode ser chato e
indigesto. Um bom conteúdo em boa forma é o resultado que todo artista almeja.
Esses conceitos de forma e conteúdo me vieram à mente depois de assistir “Mural da Memória” realização do LABTD (Laboratório de Técnica Dramática) com texto de Ave Terrena e direção de Diego Moschkovich.
- Quanto ao conteúdo: é extremamente
louvável que um grupo com idade média ao redor de 38 anos venha se preocupando
ao longo de sua trajetória em denunciar os desmandos de uma ditadura militar
que governou o Brasil com punhos de ferro de 1964 a 1985, ano este em que a
maioria dos integrantes do grupo ainda não tinha nascido. Essa época funesta
está sempre presente nos trabalhos do LABTD e como se sabe, nunca é demais
relembrar para ter força de resistir caso esses tempos sombrios insistam em
voltar. “Mural da Memória” toca nesses pontos por meio de personagens que de um
modo ou outro foram vítimas desse tempo cruel.
LEMBRAR É RESISTIR, SEMPRE!
- Quanto à forma: Ave Terrena escreveu
o texto de “Mural da Memória” como um mosaico formado por cinco blocos que ela
chama de barbantes. O sub título da obra é: “Dramaturgia muralista: cinco
barbantes entrelaçados”. Ela usa a assim chamada narrativa multiplot, também
conhecida por multiperspectiva, técnica que se tornou muito popular nos filmes
do diretor norte-americano Robert Altman (1925-2006), cujo melhor exemplo é o
magnífico “Short Cuts” (1993).
A narrativa multiplot consiste em
mostrar vários personagens em histórias paralelas (os tais barbantes) que se
desenvolvem independentemente, mas se cruzam em certos momentos. O pano de
fundo de todas elas, no caso de “Mural da Memória” é o Brasil dos anos da
ditadura.
Deve haver uma imensa sincronia entre
texto (Ave Terrena) e sua tradução cênica (Diego Moschkovich encenador e
elenco) e quando isso acontece realiza-se o milagre do teatro que é agregar o
espectador a essa sincronia. Haja vista a emoção que tomou conta deste
espectador no momento em que a travesti Mirela canta uma canção ao mesmo tempo
que o casal Edna e Abel narra uma partida de futebol e os irmãos Juca e Silaine
agregam seus movimentos à cena. Nas cenas do julgamento e no final da peça essa
junção volta a acontecer, mas sem o impacto do momento citado acima.
No meu ponto de vista a encenação
ganharia ao introduzir mais momentos como esse ao desenrolar da trama e isso
seria possível, caso se reduzisse a frequência e o tempo das locuções dos jogos
de futebol. Deve ficar claro que o futebol foi usado com muita perversidade
como instrumento de propaganda dos militares para encobrir as atrocidades que
aconteciam.
Em um cenário simples e funcional o
elenco se desloca com desenvoltura. Diego e Maria Emília Faganello incumbem-se
dos irmãos resistentes Juca e Silaine. Com muita energia Andréa Sá e Diego
Chillo se encarregam do casal de locutores de futebol (seria bom se Andréa
gritasse um pouco menos na sua fala final). As travestis Mirela Melcarro e
Cátia Celeste são interpretadas com muita dignidade por Danna Lisboa (presença
imponente em cena) e Jessica Marcele.
A encenação tem também a participação
de Gabriel Barbosa e Felipe Pagliato na música em cena.
“Mural da Memória” não é um espetáculo
perfeito, mas tem muitas qualidades e cumpre o objetivo de unir forma e
conteúdo com harmonia.
NÃO DEIXE DE VER!
04/12/2025

Nenhum comentário:
Postar um comentário