terça-feira, 16 de outubro de 2012

FICÇÃO É A REALIDADE DA COMPANHIA HIATO

     A Companhia Hiato está de volta. Houve um bem sucedido espetáculo em 2007-2008(Cachorro Morto), seguido do premiado Escuro (2009-2010) culminando com O Jardim (2011), espetáculo de muita sensibilidade com uma concepção cênica arrojada e inovadora que também recebeu plena aceitação do público e da crítica. Todos esses trabalhos mostraram o talento tanto do diretor/dramaturgo Leonardo Moreira como do jovem elenco que em grande parte está presente desde o primeiro espetáculo e ainda da equipe técnica com destaque para a cenógrafa e iluminadora Marisa Bentivegna. E eis que agora temos Ficção, voltando o grupo a se superar e a nos surpreender.
     Os temas caros ao grupo como os limites entre ficção e realidade, os assuntos pessoais de cada integrante, a relatividade do tempo e as questões da memória voltam a ser trabalhados desta vez por meio de solos dos atores Aline Filócomo, Fernanda Stefanski, Luciana Paes, Maria Amélia Farah, Thiago Amoral e Paula Picarelli. O espetáculo é dividido em dois solos de uma hora cada por noite, sendo necessário três deslocamentos ao Sesc Pompeia para assistir a todo o trabalho. Garanto que vale as viagens!

Antessala

     O espaço concebido por Marisa Bentivegna está bem de acordo com o intimismo do espetáculo. Há uma antessala onde ficam as mesas de som e luz e muitas fotos de diversas fases da vida dos atores, em seguida podemos passear pelo camarim com dois lugares onde os atores da noite deixam os seus pertences e preparam-se à vista do público (referência muito bem vinda ao que é feito pelo grupo francês Théâtre du Soleil). O espaço cênico em si contém de um lado as paredes de tijolinho e as janelas (por onde se avista os passantes na rua) e do outro um cenário que imita não só as paredes “de verdade” como uma janela com a projeção de passantes. É nesse espaço nu de objetos de cena que os atores farão os seus solos para 45 privilegiados espectadores.

Luciana Paes e Paula Picarelli preparando-se no camarim.

     Os solos são independentes, mas possuem alguns elos como Paula Picarelli passeando no camarim com um traje que tem a ver com a cena da Luciana Paes, ou a frase “No more” que é repetida em três das cenas ou ainda outros pequenos detalhes que não vale a pena citar sob pena de tirar as sensações de surpresa e descobrimento reservadas a  cada espectador. É preciso estar atento e forte, já dizia Caetano Veloso.

Parte do espaço cênico com vistas das paredes-cenário e do camarim.

     Todos os solos foram criados a partir da experiência pessoal de cada ator mesclando realidade com ficção, nunca ficando claro o limite entre uma e outra. A maioria dos conteúdos tem a ver com relações familiares não resolvidas (uma irmã que tem diferenças com outra irmã, um filho não aceito pelo pai, uma pessoa que perdeu um ente querido, outra que não gosta de sua aparência física). Em se tratando das experiências desses seis jovens de classe média, pelo espetáculo pode-se concluir  que a eles incomodam mais as questões individuais do que aquelas políticas (apesar que tudo é político) e isso não deixa de ser um reflexo da atual juventude brasileira . O fato é que da maneira como estão encenados, esses solos extrapolam o individual fazendo o espectador refletir sobre o coletivo.
     O interesse pelos solos varia em função de seus conteúdos, da identificação do espectador com este ou aquele e pela forma como os mesmos são apresentados, incluindo neste último ponto o desempenho do ator.
     O trabalho do elenco é primoroso merecendo todos os prêmios de interpretação do ano e os conteúdos variam, sendo o mais consistente -no meu ponto de vista- aquele feito pela Luciana Paes (que também é a melhor em cena), seguido do realizado pela Aline Filócomo e daquele interpretado pelo Thiago Amoral. Repito que esses são os meus destaques, sem absolutamente ter deixado de gostar e de me emocionar, principalmente com as interpretações, dos outros três solos.
     Corajoso e comovente, Ficção arranca lágrimas e faz pensar. Perfeito equilíbrio entre razão e emoção. E não é para isso que servem as artes?
     Ficção está em cartaz no Sesc Pompeia de terça a sábado às 21 horas e aos domingos e feriados às 19 horas até 04/11/2012.
     Escala dos solos: Terças e sábados: Luciana e Paula / Quartas e domingos: Maria Amélia e Thiago / Quintas e sextas: Fernanda e Aline.
     Corra para garantir o seu privilegiado lugar. IMPERDÍVEL.

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