segunda-feira, 10 de março de 2014

VIRA-LATAS DE ALUGUEL - Uma experiência na comunidade de Heliópolis.


 
     Enquanto nos dirigimos com van da Estação Sacomã para a comunidade de Heliópolis somos informados por um noticiário da TV Heliópolis que um bando roubou uma carga de leite em pó (diga-se pó, ou melhor, cocaína). Adentrando a comunidade faz-se uma pequena pausa para uma cervejinha num boteco onde alguns frequentadores discutem e brigam em volta de uma mesa de bilhar. Serjão, nosso guia nada amistoso, nos conduz em seguida para o Cine Favela onde nos acomodamos para assistir a Vira-latas de Aluguel  texto escrito em processo colaborativo pelo grupo e assinado pelo também diretor Daniel Gaggini e inspirado no filme Cães de Aluguel (1992) de Quentin Tarantino.
 
     Um suceder de atos violentos (uma mulher baleada que agoniza, um homem que tortura uma mulher enquanto dança ao som da lírica O Cisne de Saint Saens, homens se atracando por qualquer motivo) acontece nas dependências de uma igreja evangélica onde um pastor tenta pacificar uma incontrolável violência. Vários tipos (todos detestáveis) desfilam em cena com destaque para a vereadora corrupta (é claro!) e o chefe da gangue, um efeminado ambíguo e violentíssimo. Tudo caminha para um final violento digno do Hamlet de Shakespeare, a diferença é que em vez de um Horácio que proclama tempos de paz para o reino da Dinamarca, a sobrevivente é a vereadora corrupta que não só elimina todos que se interpõem no seu caminho como leva para si boa parte da carga roubada.
 
     O surpreendente espetáculo de Gaggini nos sufoca e nos imerge na violência e no caos urbano. O elenco (escolhido a partir de um projeto de capacitação teatral que teve 157 pessoas inscritas) sai-se muito bem com destaque para Aga Orimaf (o chefe), Bruno Ribeiro (Serjão), Eduardo Ferreira (Batata) e para Tabata Monteiro, a bela atriz que interpreta a vereadora. Foi muito bonito encontrar no elenco Donizete Bomfim e Klaviany Cozy, dois atores da Companhia de Teatro Heliópolis que nos brindou em 2012 com o excelente O Dia em que Túlio Descobriu a África.
     Ao final do espetáculo há um congraçamento de atores e público e é uma alegria verificar que atrás daquelas personagens escrotas existem pessoas tão afáveis, bonitas e simpáticas.
 
     Vira-Latas de Aluguel tem uma importância básica que é a realização do projeto social com a comunidade de Heliópolis e trata-se de uma experiência absolutamente imperdível para quem ama o teatro e reflete sobre a realidade brasileira. O espetáculo é apresentado aos sábados e domingos às 20h para pouco mais de 20 privilegiados espectadores. A temporada, já prorrogada por duas vezes, parece que vai terminar em 30 de março com ingressos esgotados até essa data, mesmo assim vale a pena tentar conseguir um lugarzinho, você não vai se arrepender.
     Por último, mas não menos importante: a logística do espetáculo funciona perfeitamente desde a recepção no Sacomã, o transporte de ida e volta com a van e a acomodação no teatro. (tudo isso feito por Serjão e Marron). E ao final ainda somos brindados com a beleza e a simpatia de Luh Moreira, responsável pela produção do espetáculo.
     OBS: As fotos aqui reproduzidas são de Weslei Barba.

3 comentários:

  1. Zé, uma pergunta: O texto ou a apresentação não são maniqueístas?

    ResponderExcluir
  2. RETIFICANDO:
    A pergunta acima foi enviada por Nadya Milano. É que como a Ingrid usou meu computador hoje acabou entrando em nome dela. Sorry.

    ResponderExcluir
  3. Como já lhe disse pessoalmente, não há nada de maniqueísmo no espetáculo.

    ResponderExcluir