sábado, 11 de abril de 2015

RICARDO III


 
        Quando um espetáculo me tira do chão fico durante algum tempo ruminando aquela experiência (chocando os ovos, como diria Walter Benjamin). Ao sair do Sesc Pinheiros na última quinta feira após ter assistido ao Ricardo III da dupla Gustavo Gasparani (ator) e Sergio Módena  (diretor) tomei o metrô e o vagão estava vazio. Nos bancos eu vislumbrava ora a solene Elisabeth, ora a frágil Lady Anne, ora o maquiavélico Ricardo e até a deliciosa criada do palácio com sotaque nordestino. E pensando em Shakespeare, naquele instante meu pensamento viajou até a crítica Barbara Heliodora (que por triste coincidência morreria algumas horas depois) quanto à consistência da obra do bardo e como ela se presta às mais variadas possibilidades de encenação cabendo lembrar apenas como bons e criativos exemplos o Ensaio.Hamlet da Cia. dos Atores ,  o Romeu e Julieta do Grupo Galpão e agora este Ricardo III.

        Ao entrar na sala de espetáculos nos deparamos com o ator Gustavo Gasparani vestido casualmente diante de um quadro branco onde ele completa um cronograma com a genealogia das casas de Lancaster e de York que mostra as personagens que farão parte da história que iremos presenciar. A seguir o ator dirige-se informalmente ao público fazendo uma breve introdução da tragédia do rei Ricardo III e explicando que interpretará todas as 27 personagens escolhidas por ele e pelo encenador entre as mais de 60 que fazem parte do original de Shakespeare.
 
 
        Tem início a trama e por meio de pequenos gestos e mudanças de voz o ator dá conta dessas personagens e nos conta a história do terrível Ricardo realizando um trabalho de interpretação poucas vezes visto nos nossos palcos. Dá-se ao luxo de praticamente abdicar de objetos de cena, limitando-se ao uso de um véu para interpretar Lady Anne e de canetinhas (recurso muito criativo) para representar os filhos pequenos de Elisabeth e de Edward IV e depois os soldados no campo de batalha. A direção limpa e criativa de Módena complementa a cena apenas com discretos efeitos de luz... O resto não é silêncio, mas o privilégio de testemunhar o trabalho de um ator com pleno domínio de sua arte. Este trabalho deveria servir de verdadeira aula e exemplo para aqueles atores que, ao interpretar diversas personagens, se utilizam de recursos explícitos e óbvios para indicar que estão mudando de personagem.

        Outros pontos altos do espetáculo são o uso do humor (a cena da criada é antológica) e a quebra da ação para fazer comentários com o público e buscando a adesão do mesmo para as cenas que exigem vozes do povo clamando por seus reis.

        Paulista radicado no Rio de Janeiro, Sergio Módena nos brindou no ano passado com A Arte da Comédia (um dos melhores trabalhos da temporada de 2014) e agora repete a dose com este Ricardo III, que certamente será incluído na lista dos melhores de 2015 (a peça estreou no Rio de Janeiro em 2014 e desde então vem cumprindo vitoriosa carreira nacional, sendo que  Gustavo Gasparani e Sergio Módena foram premiados e/ou indicados para vários prêmios do teatro carioca).

        Segundo o programa, as atividades teatrais solitárias na infância tanto do diretor como do ator foram muito importantes para a realização do espetáculo; o ciclo se fecha quando se acrescenta idêntica experiência deste espectador que, talvez se imaginando um Charles Chaplin, representava todas as funções do teatro, incluindo o público.

        RICARDO III está em cartaz no Sesc Pinheiros até 23 de maio de quinta a sábado às 20h30. Onde quer que esteja Shakespeare está aplaudindo de pé.

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