domingo, 4 de outubro de 2015

A MÁQUINA TCHEKHOV



TIO VÂNIA, QUEM DIRIA, ACABOU NA ILHA DE SACALINA!

         O espetáculo A Máquina Tchekhov oferece leituras distintas para quatro tipos de público:
         1 - Aquele que está indo pela primeira vez ao teatro por curiosidade ou para acompanhar uma amiga.
         2 - Aquele que frequenta teatro, conhece sua linguagem, mas não está familiarizado com a obra de Anton Tchekhov (1860-1904).
        3 - Aquele que conhece a obra do autor russo, assim como as personagens de suas peças.
         4 - Aquele que além de conhecer a obra de Tchekhov já leu também a peça do dramaturgo romeno Matéi Visniec (1956-).
         Pelas qualidades do texto e da tradução cênica realizada pelas atrizes, agora diretoras, Clara Carvalho e Denise Weinberg arrisco afirmar que qualquer que seja o caso o prazer do espectador está garantido.
          A primeira vez a que assisti ao espetáculo eu me incluía no grupo 3 e foi uma delícia jogar o quebra cabeças de descobrir qual personagem de qual peça tratava determinada cena. Instigado pela criativa encenação fui em busca do texto que sorvi numa golada incluindo o glossário no final que dá algumas informações sobre as personagens. Tudo “parcialmente” decifrado voltei ontem ao Instituto Capobianco para rever a primorosa montagem de Clara e Denise.
         Visniec demonstra conhecer plenamente a obra de Tchekhov colocando em cena as personagens do russo em ações que sucedem aquelas das peças. O melhor exemplo é aquele em que Tchekhov em sua viagem à ilha de Sacalina encontra com Tio Vânia que após o término da peça da qual é protagonista realizou o sonho de assassinar Serebriakov, viúvo de sua irmã e casado com a bela Helena. Pelo crime Tio Vânia é levado para Sacalina, local de envio dos criminosos russos sobre o qual Tchekhov escreveu um livro quase científico. Outro instigante momento é aquele em que os médicos de três peças distintas velam o corpo de Tchekhov (esta é a cena 7 do original, mas as encenadoras sabiamente a transferiram para o início do espetáculo  introduzindo o público no universo do absurdo  de Visniec). Visniec se propõe até a colocar uma aula de dramaturgia dada por Tchekhov ao frágil e inseguro candidato a dramaturgo Treplev de A Gaivota.
         Movidas por suas sensibilidades e pelos seus plenos conhecimentos do fazer teatral Clara e Denise realizaram espetáculo maduro que enriquece o texto de Visniec. Elementos essenciais de cena criados pelo talento de Chris Aizner e personagens vagantes são banhados pela belíssima iluminação de Wagner Pinto.


         Mariana Muniz que já foi Nina na inesquecível montagem de Lago 21 realizada em 1988 por Jorge Takla tem momentos preciosos como a empregada Anfissa (de As Três Irmãs) que aqui assiste ao próprio Tchekhov e, principalmente, como Liuba (O Jardim das Cerejeiras) quase ao final da peça. Emmilio Moreira brilha como o dócil Tio Vânia não arrependido do crime que cometeu. Brian Penido interpreta Tchekhov frágil à beira da morte, mais “doente” do que “médico”. Muito bonita a participação de Fernando Poli como Firs, o criado esquecido de O Jardim das Cerejeiras. Michel Waisman compõe com delicadeza o andarilho em busca de novos caminhos talvez representando a revolução russa que estava para chegar. Ariana Silva, Dinah Feldman e Fernando Rocha completam o homogêneo elenco.
         A lamentar apenas a não inclusão da cena onde Tchekhov morto visita sua casa em Ialta, agora um museu que é cuidado por Bobik que nem aparece em As Três Irmãs, mas é apenas citado pela personagem Solioni (Se esse menino fosse meu, eu o fritaria numa frigideira e o comeria). Esta é a cena final do original que, segundo as diretoras, por razões técnicas, não foi incluída na montagem.
         Espetáculo intimista para apenas 50 privilegiados com apenas duas sessões semanais só pôde ser realizado pelo fato do projeto ter sido aprovado pelo Prêmio Zé Renato. É triste constatar que terminado o patrocínio espetáculo tão belo e importante não consiga se manter em cartaz. “Teatro, esse enjeitado”, como já dizia Oswald de Andrade. Pobre cultura brasileira!
         A MÁQUINA TCHEKHOV está em cartaz no Instituto Capobianco aos sábados (21h) e aos domingos (19h) apenas até o dia 25/10. Como já escrevi no início desta matéria o espetáculo é IMPERDÍVEL para qualquer tipo de público... agora, se você ama e/ou faz teatro é INCONCEBÍVEL perdê-lo!

04/10/2015


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