sábado, 2 de abril de 2016

NUON


AVE LOLA NO FESTIVAL DE CURITIBA 2016

        Nuon, o espetáculo do grupo curitibano Ave Lola Trupe de Teatro dentro do Festival de Curitiba curiosamente me remeteu ao filme Apocalypse Now (1979) dirigido por Francis Ford Coppola. As cenas finais do filme são dantescas e mostram de maneira violenta a cruel destruição humana causada pela guerra do Vietnã ouvindo-se em off a voz de Coronel Kurtz (interpretação de Marlon Brando) exclamando “ O horror!  O horror”.
        A dramaturga e diretora Ana Rosa Tezza trilha caminho inverso optando por olhar poético e de rara beleza para falar desse mesmo horror, neste caso provocado pelo genocídio causado pelo Khmer Vermelho no Camboja entre os anos 1975 e 1979 quando grande parte da população foi dizimada. O tema é de violência ímpar, mas o tratamento dramatúrgico/cênico faz a opção pelo belo e o resultado é tão devastador quanto o do filme.
        Sem acusar nem apontar culpados, mas ressaltando o ambiente que propiciou o acontecimento dos fatos a  peça   faz o espectador refletir sobre o assunto e perceber reflexos na situação atual do Brasil. A trama é narrada por Nuon, uma sobrevivente do massacre e se passa em grande parte em uma noite durante um ritual de homenagem aos ancestrais. Um coro com características do coro grego, mas com máscaras com traços orientais abre e fecha o espetáculo na melhor tradição das tragédias helênicas.


        Tudo é delicado e funciona na encenação de Ana Rosa: o elenco é homogêneo e atua com perfeição, com destaque para o trabalho de Regina Bastos como a narradora; os figurinos criados por Eduardo Giacomini após pesquisas sobre os trajes cambojanos são de um colorido vivo, magnificamente complementados pela plástica dos personagens e máscaras de Maria Adélia; a música de Mateus Ferrari é executada ao vivo por ele e por Breno Monte ilustrando a ação de maneira harmoniosa e finalmente a iluminação de Beto Bruel e Rodrigo Ziolkowski que banha suavemente toda essa beleza. Há momentos sublimes como aquele da entrada dos plantadores de arroz com seus chapéus típicos e também um raro suspense quando as duas irmãs caminham em um campo minado.



        Para coroar essa alimentação para a alma resta comentar sobre o acolhimento - incomum na maioria dos nossos teatros - que o grupo oferece ao público. O espaço muito aconchegante é dotado de um lindo jardim que, infelizmente, não foi possível usufruir na noite em que lá estive em função da forte chuva. E como não é só a alma que precisa de alimento disponibiliza-se um cardápio com prato típico do país tratado na peça em cartaz, no caso, um tradicional peixe cambojano herdado do Império Khmer que pode ser degustado acompanhado da cerveja artesanal Mekong criada especialmente para o espetáculo.



            Alma e corpo alimentados. Querer mais é ser guloso? Não! Porque ainda pode-se visitar a exposição Flores do Khmer (Retratos do Camboja) do artista plástico Max Carlesso.


        Raro momento teatral, NUON está em cartaz no Ave Lola Espaço de Criação em Curitiba, durante o Festival e cumprirá temporada após o término do evento. Resta torcer para que um dia ele chegue aos palcos paulistanos.

01/04/2016
       

       




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