sexta-feira, 29 de abril de 2016

OS MINUTOS QUE SE VÃO COM O TEMPO



Somos todos espectadores
Somos todos atores
Somos todos passageiros
Neste mundo de meu Deus.



        Existem grupos que temos grande prazer em acompanhar a trajetória e este é o caso da Trupe Sinhá Zózima que nos cativa pelo acolhimento, pela simpatia e, principalmente, pelo talento e pela qualidade de seus trabalhos caracterizados por serem realizados em ônibus e por apresentarem, com muita delicadeza, temas singelos sempre ligados à passagem do tempo, à saudade e à memória. Meu primeiro contato com o grupo foi em 2009 com a apresentação de Valsa Nº 6, que tinha um dos finais mais bonitos que já presenciei em teatro: quando o público descia do ônibus onde a peça era apresentada o elenco se despedia acenando na janela traseira do veículo. Seguiram-se Cordel do Amor Sem Fim em 2012 (na verdade esta é a primeira montagem do grupo estreada em 2007) e Dentro É Lugar Longe em 2013. Todas essas montagens eram apresentadas no ônibus da companhia apenas para os espectadores formais.


        Com Os Minutos Que Se Vão Com O Tempo, o grupo radicaliza sua proposta realizando a peça em transporte público de linhas que trafegam do Terminal Dom Pedro II até cinco diferentes terminais (dependendo do dia da apresentação) com passageiros normais que entram, permanecem ou saem, além dos espectadores que vieram para assistir ao espetáculo. Com tal proposta os atores submetem-se a novas experiências a cada viagem necessitando de grande versatilidade e certo grau de improvisação para enfrentar reações inesperadas de passageiros/espectadores flutuantes que saíram de casa ou estão voltando para ela . Na apresentação a que assisti uma jovem passageira se emocionou de tal maneira quando se cantava uma canção que tratava de saudade que começou a chorar copiosamente tendo sido acalentada por uma das atrizes e por uma senhora moradora de rua que nos acompanhava desde o Terminal Dom Pedro II; a maneira como essa senhora humilde consolou aquela moça constituiu-se em emoção à parte, fazendo com que a gente se pergunte: quem é ator, quem é espectador e quem é passageiro neste mundo de meu Deus?
        A dramaturgia da peça, em processo colaborativo, é assinada por Cláudia Barral e baseia-se em fatos relatados por passageiros e por relatos do próprio grupo, resultando num todo harmonioso e poético.


        A homogeneidade do elenco não nos permite destacar este ou aquele trabalho onde todos, sem exceção, saem-se muito bem na interpretação das personagens, nas improvisações e no canto. Cumpre notar que desde o último trabalho houve enorme progresso no que se refere às interpretações das belas canções, todas elas compostas pelo grupo. A direção musical do espetáculo é de Luiz Gayotto.
        Como encenador Anderson Maurício limita-se a reger o conjunto de atores (inclusive ele) de maneira delicada e harmoniosa sem exibicionismos desnecessários. Há um DVD de Chico Buarque que se refere ao Brasil como “o país da delicadeza perdida”, mas podemos afirmar que ainda se pode encontrar delicadeza dentro de um ônibus que caminha lotado pelas ruas de São Paulo em direção ao Terminal Santo Amaro e que todos aqueles que ali estiveram (espectadores/passageiros) saíram da experiência com a alma alimentada. PARABÉNS SINHÁ ZÓZIMA.

        INFORMAÇÕES SOBRE O ESPETÁCULO:
        (55 11) 98053-0652 / www.sinhazozima.com.br


29/04/2016 

4 comentários:

  1. Eu estava lá... a princípio, de corpo presente. Por que me parece que a alma é gastada. Parece que o homem gasta a alma com "os minutos que se vão com o tempo" e por isso, ele não a usa sempre. Deve ser usada nos momentos certos, ela - a alma. E talvez algum teórico tenha dito que quanto mais se gasta... mais profunda e bela ela vai se tornando... por isso os soslaios dos velhos... por isso da incapacidade de se afirmar sobre as crianças.
    Pois, bem. Estava, eu, lá... de corpo presente... no que as cordas do violão, no que a poesia flutuando no ar, no que os passageiros que adentravam e saíam e recusavam e sorriam como quem sorri pra si... e no que da moça que derramou-se ao colo da atriz e depois no corpo da moradora de rua... vi que a alma foi se achegando por dentro de mim como um beijo do filho que esta por chegar. O tempo também é futuro!
    Há de se também a firmar, que na noite fria da cidade, a alma foi acalentada com o embalar das canções da Trupe Sinhá Zózima. Há de se dizer, que a menina que não teve a mãe de volta e saiu em debandada pelo mundo, deixou um gosto de neve na garganta. Há de se entender que o parto, com seus corpos azuis e suas vidas pelas faces dos atores, deixaram um gosto de saudade. Saí com a nostalgia grudada nos cílios. Saudade de um tempo que ainda esta por chegar. Minha amada esposa esta grávida. Estava lá, também no ônibus, emocionada. Vi meu filho nascendo dentro do ônibus!

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    1. Que coisa linda Alex! Não sei se você vai ler esta resposta, mas seu comentário ficará registrado para sempre junto com a minha matéria, enriquecendo-a.

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  2. Adorei seu texto, Cetra! Leve e verdadeiro. Me emocionei de novo lendo e relembrando essa bela e delicada temporada. Muito obrigada pela presença!

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