quarta-feira, 3 de agosto de 2016

RICARDO III NÃO TERÁ LUGAR ou CENAS DA VIDA DE MEIERHOLD


                O russo Vsevolod Meierhold (1874-1940); ator, diretor e teórico de teatro; foi perseguido e eliminado (fuzilado na prisão) pela ditadura socialista por entenderem que ele não estava de acordo com os cânones do realismo social. Em Ricardo III Não Terá Lugar o dramaturgo romeno Matéi Visniec (1956) inspirou-se em fatos da vida de Meierhold para denunciar a ditadura de Ceausescu que vigorou em seu país de 1965 a 1989, criando uma virulenta crítica a todo e qualquer regime totalitário.

Meierhold

        É uma das peças mais instigantes de Visniec usando e abusando do meta teatro para mostrar os delírios de Meierhold durante os ensaios de Ricardo III de Shakespeare envolvendo seus pais, sua esposa, seu filho recém nascido (Camarada Bebê), o ator que interpreta Ricardo III, a comissão que irá liberar (ou não!) a sua encenação e o Generalíssimo (poder supremo, clara referência a Stalin e a Ceausescu). Todos o questionam sobre a maneira como está conduzindo a encenação fazendo com que ele se autocensure a todo momento.
        A jovem companhia Grupo Pandora de Teatro sediada no bairro de Perus enfrentou a difícil tarefa de levar essa peça à cena e o fez com excelentes resultados. É sempre entusiasmante quando vemos jovens de talento arriscando-se em empreitadas desse porte e saindo-se muito bem. O diretor Lucas Vitorino, assim como todo o elenco, está na faixa dos 30 anos e a companhia tem uma sólida de existência de 12 anos (iniciaram as atividades em 2004 com nada menos que O Senhor Puntila e Seu Criado Matti de Bertolt Brecht e têm em seu currículo cerca de dez títulos, todos significativos e condizentes com a realidade de Perus e do país).
        As várias personagens da peça são interpretadas por apenas cinco atores. Em papéis fixos o excelente Rodolfo Vetore sem sair de cena durante os 90 minutos da apresentação interpreta Meierhold com muita energia e demonstrando toda a sua perplexidade e o seu medo (estão sempre batendo na porta!), Filipe Dias (Ricardo III) e Thalita Duarte (a esposa de Meierhold). Marcio Gonçalves e Lucia Machado revezam-se com muita versatilidade nos demais papéis. As soluções encontradas pelo encenador para as personagens da Camarada Mãe, do Camarada Pai e do Camarada Bebê são muito criativas e por si merecem a ida ao teatro.


        A trilha sonora da peça é toda baseada na obra de Shostakovich (1906-1975), grande compositor russo igualmente perseguido pelo regime stalinista.
        É inacreditável e, eu diria, inconcebível que espetáculo dessa importância passe de maneira meteórica por São Paulo (foram feitas duas obscuras apresentações nos teatros Flávio Império e Alfredo Mesquita no início do ano e agora esta única apresentação no Itaú Cultural). A peça e o grupo têm porte para realizar temporada mais longa nos palcos da cidade e se tornarem conhecidos além dos muros do distrito de Perus, onde realizam importante atividade cultural na chamada Ocupação Artística Canhoba.

        Obs: O grupo usou a tradução literal do título em francês (Richard III n’Aura Pas Lieu), mas acho mais apropriada aquela usada pela Editora É que é Ricardo III Está Cancelada.

Referências:

        Páginas no Facebook: Grupo Pandora e Ocupação Artística Canhoba.
        Blog: grupopandora.blogspot.com.br
        Endereço: Rua Canhoba, ao lado do número 333 – Vila Fanton – Perus/SP
        Publicação: Efêmero Concreto – Trajetória do Grupo. Volume organizado por Lucas Vitorino e Thalita Duarte.


03/08/2016

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