domingo, 2 de abril de 2017

RACE


        Prepare seu fôlego para os cortantes diálogos de Race, outra peça de David Mamet encenada pela Cia. Teatro Epigenia sob a direção de Gustavo Paso. Apresentada com o título original norte americano que pode significar tanto Raça como Corrida (ambos os títulos se adéquam à trama apresentada) Race faz parte da Trilogia Mamet proposta pela Cia. da qual já vimos a excelente montagem de Oleanna (*) e prepara-se para estrear no Rio de Janeiro Hollywood (Speed-the-Plow) no mês de maio.
        Um homem branco é acusado de estuprar sua amante negra. Deseja contratar uma firma de advocacia para defendê-lo, esta firma é representada por dois advogados (um branco e um negro) e pela assistente deles também negra. Enquanto em Olleana  o espectador dividia-se em dar a razão ora a uma e ora a outra das personagens, aqui seu raciocínio é exposto a desafio maior, pois a cada momento a razão parece estar com cada uma das quatro personagens. Mamet faz esse jogo de maneira brilhante e após 75 minutos de embate a peça termina sem oferecer respostas nem desfecho para o caso, mas com uma série de perguntas que vai tirar o sono do público. O dramaturgo não é maniqueísta e mostra que mais que uma questão de raça, o que rege a sociedade é a manipulação de quem está com o poder (e na peça a cada momento o poder está nas mãos de uma das  personagens). De qualquer maneira fica claro que o autor é absolutamente contra qualquer tipo de preconceito.
        A tradução cênica de Gustavo Paso para o brilhante texto de Mamet segue a linha do não maniqueísmo deixando o espectador à mercê dos argumentos das  personagens. Paso coloca o público disposto em duas plateias divididas pelo espaço cênico fazendo os atores representarem de perfil durante a maior parte do tempo o que provoca efeito perturbador, pois sentimos até o pulsar das veias das personagens. A bela trilha sonora de André Poyart remete a um ícone do final da década de 1970, o tema do filme Shaft de Isaac Hayes. O cenário de Gustavo Paso e os figurinos de Luciana Falcon são bastante discretos deixando o caminho livre para a atuação dos atores.
        E que atores! Pelo próprio desenvolvimento da trama cada ator tem seu momento de destaque. Leandro Vieira representa o simpático advogado negro, aparentemente aquele mais desprovido de preconceito. Clóvis Gonçalves é o acusado e o faz com as nuances necessárias à personagem. Heloisa Jorge é a jovem assistente, talvez a personagem mais ambígua da trama e a representa de modo exemplar sabendo mostrar energia na hora certa. Gustavo Falcão é o advogado branco arrivista e presunçoso e tem poderosa interpretação inscrevendo-se desde já num dos melhores desempenhos masculinos do ano; a personagem não lhe dá trégua por nenhum instante e ele se aproveita disso para mostrar sua energia e talento.
        Nesses tempos onde o ódio e a intolerância parecem dominar as relações entre as pessoas, Race mais que necessária, É OBRIGATÓRIA!
        E quando falamos em preconceito com negros, homossexuais, mulheres e pobres, é bom que não nos esqueçamos dos índios. Enquanto negros foram escravizados, índios foram dizimados. Heranças malditas deste país que o tempo vai demorar a apagar. LUTAR SEMPRE!

        RACE está em cartaz no Viga Espaço Cênico até 31 de maio. ABRIL: Segundas e sábados às 21h e domingos às 19h. MAIO: de segunda a quarta às 21h. NÃO DEIXE DE VER.

            (*) Leia matéria neste blog:
 http://palcopaulistano.blogspot.com.br/2015/06/oleanna.html

02/04/2017
       

        

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