segunda-feira, 25 de julho de 2022

MACACOS

 

Se o impacto foi grande ao assistir a Macacos virtualmente em agosto do ano passado na Mostra de Teatro de Heliópolis, o mesmo ampliou-se sobremaneira neste julho de 2022 ao ver o espetáculo presencialmente.

Tenho sempre um prazer enorme em testemunhar o trabalho de jovens artistas. Com apenas 33 anos, Clayton Nascimento revela surpreendente maturidade ao escrever, dirigir e interpretar um espetáculo que beira a perfeição.

Inspirado no fato do jogador Aranha que foi xingado de macaco pela torcida gaúcha em 2014 e partindo do caso de Eduardo, filho de Dona Terezinha, mais um menino negro assassinado nas barrancas da periferia, passando pela morte de Bessie Smith que não pode ser atendida em um hospital de brancos após sofrer um acidente, Clayton vai do micro ao macro fazendo precioso levantamento histórico sobre as causas e os resultados da escravidão no Brasil.

Vestindo apenas uma bermuda confeccionada, segundo ele, com o mesmo tecido do século XVI usado pelas realezas africanas e sangrando seu corpo com marcas de batom o ator vai contando de maneira visceral a saga da raça negra no país. Clayton o faz em tom de forte denúncia, sem, porém, agredir o público presente na plateia, como costuma acontecer em alguns espetáculos realizados por movimentos negros. E essa mensagem antirracista atinge em cheio a todos, fazendo cada um refletir sobre o quanto é racista, mesmo que de forma inconsciente.

A mescla em dosagem certa de fatos históricos com fatos atuais ou imaginados é uma das preciosidades da dramaturgia que começou a ser escrita em 2015 a partir de profunda pesquisa realizada pelo autor. Como encenador, Clayton teve o cuidado de contar com as importantes colaborações de Ailton Graça como provocador cênico e de Aninha Maria Miranda que assina a criativa direção de movimento. E finalmente, como ator, Clayton Nascimento nos oferece um dos trabalhos mais ricos e pungentes vistos nos palcos paulistanos nos últimos tempos.

Macacos é uma criação da Cia do Sal, fundada por Clayton, que assim também mostra seu lado de produtor.

A montagem saiu consagrada do último Festival Teatro do Kaos (Cubatão), tendo recebido os prêmios de melhor espetáculo e de melhor ator pela comissão julgadora (da qual fiz parte) e de melhor espetáculo pelo júri popular.

Se para alguns parecer exagero todos os elogios que compõem esta matéria, sugiro fortemente que vão conferir o espetáculo em cartaz, gratuitamente, de quinta a sábado às 20h e domingo às 19h no Centro Cultural São Paulo, só até 31/07/2022.

Na sessão da próxima sexta feira, 29, será lançado o livro com a dramaturgia da peça. 

25/07/2022

 

 

 

 

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