Descrever
o espetáculo é difícil e explicá-lo tecnologicamente é impossível para um leigo
como eu.
O
novo trabalho de Christiane Jatahy aprofunda o diálogo do cinema com o teatro,
forma de trabalho que a encenadora utiliza há muito tempo e aprimora a cada
montagem.
Jatahy
não torna fácil a vida do espectador obrigando-o a distinguir se o que se vê no
telão é cena previamente filmada ou cena que está sendo captada na hora ou
ainda se é uma junção das duas, feito isso o espectador tem de optar por dirigir
o seu olhar para o que está sendo exibido no telão ou para a cena que está
acontecendo no palco. Finalmente, para a maioria do público, que não domina o
francês, resta a tarefa de ler as legendas em português. Uma vez transpostas
essas dificuldades, resta ao espectador apreciar uma das obras mais instigantes
surgidas em nossos palcos nos últimos tempos.
Menos
fácil ainda é a vida do elenco que tem de manipular objetos, móveis e câmera,
além de atuar, tudo em sincronia com a ação que se desenvolve no telão. Aqui,
tudo funciona à perfeição e é fundamental a direção de fotografia e montagem ao
vivo realizada por Paulo Camacho.
Se
há essa complexidade na forma, o conteúdo da encenação de Jatahy é bastante
claro ao denunciar toda espécie de formas de regimes e ambientes de extrema
direita por meio de uma releitura do enredo do filme Dogville de Lars
Von Trier. Neste caso, Graça é uma brasileira que opta por sair do Brasil
depois do resultado das eleições de 2018 e vai tentar viver na Dogville da
peça, sofrendo todas as pressões e humilhações que as atitudes fascistas lhe
reservam.
A
personagem procura por um final diferente e mais otimista daquele do filme (“Não
há, senhoras e senhores, um fim melhor pra nossa história? Tem de haver um que
é bom. Tem de haver” já dizia Bertolt Brecht ao final de A Alma Boa de
Set Suan), mas a intolerância mais uma vez sairá vencedora.
O
elenco da peça conta com excelentes atrizes e atores franceses e suíços, mas o
destaque fica com a excelente Julia Bernat, que atua nas peças de Christiane
Jatahy há muitos anos. Ela interpreta Graça, a protagonista, inspirada em
Grace, a personagem de Nicole Kidman no filme de Trier.
A
extensa ficha técnica mostra os cuidados da produção com a música, a cenografia
e os figurinos.
A
Hora do Lobo é a primeira peça da Trilogia do Horror montada por
Christiane Jatahy. Resta a esperança de que possamos assistir às outras duas
peças da trilogia o mais breve possível.
A
HORA DO LOBO está em cartaz no Teatro Anchieta apenas até 15 de outubro com
sessões de quarta a sábado às 20h e aos domingos às 18h.
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23/09/2023