Zé
Henrique de Paula e Fernanda Maia vêm se especializando em original maneira
brasileira de fazer teatro musical onde a forma é suporte para conteúdos
sociais e políticos importantíssimos. Foi assim com Brenda Lee e o Palácio
das Princesas e é agora com Codinome Daniel.
O
biografado neste novo musical da dupla é Herbert Eustáquio de Carvalho
(1946-1992), jornalista brasileiro que na primeira fase de sua vida atuou como
militante de esquerda no combate à ditadura civil-militar (daí seu codinome
Daniel na clandestinidade) e depois foi um ativista na luta pelos direitos dos
portadores de HIV/Aids.
A
peça tem início na casa dos pais de Herbert onde o jovem tímido convive com uma
família alegre e feliz. A seguir, a ação se transfere para Herbert/Daniel já na
clandestinidade após ter atuado como guerrilheiro. Ele continua tímido e
inseguro como na primeira cena e se torna mero coadjuvante ao imaginar
encontros com Wanda/Dilma Rousseff (1947-), Iara Iavelberg (1944-1971), Carlos
Lamarca (1937-1971) e Zequinha Barreto (1946-1971). A mudança abrupta de cena e
a continuidade das atitudes tímidas do personagem, não deixam claro para o
espectador a transformação do jovem no revolucionário/guerrilheiro. A meu ver,
a dramaturgia deveria dar conta desse processo.
O segundo ato começa
com o exílio de Herbert em Paris onde viveu com seu parceiro Claudio onde ele
trabalhou em uma sauna gay. Contaminado pelo vírus da AIDS, voltou para o
Brasil onde se tornou um militante pelos direitos dos portadores do vírus da
Aids e por lutar contra a “morte civil” imposta a eles. Fundou a Pela Vidda
e uma das cenas mais pungentes da peça acontece quando ele faz o discurso de
abertura dessa organização.
De emoção em emoção,
chega-se à última cena que se passa nas proximidades do Natal na casa de seus
pais. Mãe, pai, irmãos, cunhada e o parceiro fazem uma homenagem a ele, agora
bastante debilitado pela doença. O narrador (que representa James Green, o
biógrafo de Herbert Daniel) encerra a peça informando que três meses depois
Herbert morreu.
Nesse momento não dá
mais pra segurar, as lágrimas saltam aos olhos do público que aplaude
emocionado o afinado elenco.
Todo o elenco
interpreta e canta muito bem, mas alguns destaques precisam ser dados: Cleomácio
Inácio como Lamarca, Lola Fanucchi como Iara, Fabiano Augusto como o biógrafo
James Green, Davi Tápias como Herbert Daniel, principalmente no segundo ato e,
por último, para dar destaque maior: Luciana Ramanzini, sempre ótima como a
médica e a mãe (até um tique nervoso ela incorpora na personagem), mas
estupenda como Wanda/Dilma na mais emocionante cena da peça.
A cenografia de César
Costa iluminada pelo sempre competente Fran Barros serve de fundo para todos os
ambientes em que se passam as ações.
As músicas de
Fernanda Maia com letras de Zé Henrique de Paula executadas ao vivo, interferem
harmoniosamente na ação sem interromper as intenções dramáticas.
Em uma temporada
recém iniciada, Codinome Daniel já pode ser considerado um espetáculo a
inscrever-se entre os melhores do ano, além de tratar de dois momentos cruciais
da realidade brasileira: os desmandos e a crueldade da ditadura e os estragos
provocados pela Aids.
CODINOME DANIEL está
em cartaz no Teatro do Núcleo Experimental às sextas, sábados e segundas às 21h
e aos domingos às 19h.
Por se tratar de
espetáculo relativamente longo seria interessante que os espetáculos das 21h
começassem meia hora mais cedo para facilitar a vida dos espectadores que
dependem de condução.
24/01/2024