Esse título comercialmente
atrativo, mas estranho, remete talvez ao ato do parto quando a criança escorre
para o mundo através do ventre da mãe.
Na verdade, o que importa nessa emocionante peça é a relação que escorre entre
mães e filhas.
O primeiro grande
mérito da dramaturga Daniela Pereira de Carvalho é inserir na ação principal
(relação entre mães e filhas) assuntos importantes como a homofobia, o processo
de adoção, o aborto e a posição da mulher na sociedade patriarcal. Convenhamos
que não é pouco.
O outro grande mérito
é a forma que ela encontrou de contar a história. Em recurso dramatúrgico
criativo, Daniela situa as ações em dois tempos distintos.
No primeiro, Elisa,
uma mãe de 70 anos (Guida Vianna) reúne-se com sua filha Antonia de 50 anos (Silvia
Buarque) para tentar quebrar o gelo presente na relação entre elas. A filha,
após um longo silêncio resolve contar que teve uma filha há 30 anos que deu
para adoção, fato que provoca uma reação violenta da mãe.
O segundo tempo se
passa 20 anos depois, Antonia agora com 70 anos (Guida Vianna) vai ao sul
conhecer Helena, a filha que entregou para adoção (Silvia Buarque) e esta
rejeita uma maior aproximação entre elas.
Essa troca de papeis
entre as atrizes e as interpretações das mesmas cria um benéfico distanciamento
que evita que o drama apresentado se transforme em um melodrama, mas ao mesmo
tempo faz com que a emoção floresça no público.
Guida Vianna, grande
atriz brasileira, infelizmente pouco presente nos palcos paulistanos, nos
brinda com duas interpretações estupendas: extrovertida e pró ativa como a mãe
Elisa e contida e calma como a filha Antonia.
Silvia Buarque tem
talento à altura de sua companheira de cena vivendo a contida Antonia na
primeira parte e a descontraída Helena na segunda.
Não se trata de um
duelo de talentos, mas sim de um jogo cênico onde uma atriz complementa a outra
nos diálogos ágeis de Daniela Pereira de Carvalho. Um verdadeiro privilégio
para quem tem oportunidade de testemunhar esses momentos do mais puro teatro.
A direção de Leonardo
Netto é focada no trabalho dessas grandes atrizes auxiliado pelo sugestivo
cenário de Ronald Teixeira formado por um vasto espelho ao fundo, cadeiras e
muita folha seca no chão. A iluminação de Paulo Cesar Medeiros direciona o foco
nos monólogos das personagens.
Talvez seja cedo para afirmar, mas arrisco dizer que estamos diante do melhor espetáculo do ano.
Vai ser difícil suplantar a qualidade da perspicaz dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho, da excelente tradução cênica de Leonardo Netto que nunca resvala para o melodramático e da presença luminosa em estado de graça de Guida Vianna e Silvia Buarque.
A
MENINA ESCORRENDO DOS OLHOS DA MÃE está em cartaz no SESC Pinheiros SOMENTE até
27 de julho com apenas três sessões por semana (quinta a sábado às 20h).
VOCÊ
VAI PERDER ESSE MOMENTO MÁGICO DE PURO TEATRO?
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