segunda-feira, 17 de novembro de 2025

O MERCADOR DE VENEZA

 

Foto de Ronaldo Gutierrez 

Se nos piscarem, não sangramos?

Se nos fizerem cócegas, não rimos?

Se nos envenenarem, não morremos?

Se nos ultrajarem, não nos vingamos?

O discurso/desabafo do judeu Shylock pouco antes do final da peça, talvez seja o cerne de “O Mercador de Veneza”, essa potente obra de Shakespeare (1564-1616), ora revisitada e discretamente atualizada pelos olhos atentos de Bruno Cavalcanti, tradutor e adaptador do original.

Ali fica claro que a obra não é antissemita como muitos chegaram a declarar, pelo contrário, é um libelo contra o preconceito, no caso contra os judeus, mas poderia ser contra os negros, os homossexuais ou qualquer outro grupo que não se encaixe nos padrões da “dita” civilização branca.  Está aí a grandeza da obra de Shakespeare, que continua a dizer coisas e cutucando depois de mais de quatro séculos. Talvez por ter um final feliz, até um pouco forçado e artificial, a obra, escrita entre 1596 e 1597, é classificada como comédia, mas encerra temas bastante dramáticos que afetam a humanidade como vingança, guerra, oportunismo, ganância e o já citado preconceito.

A encenação de Daniela Stirbulov é límpida e muito fiel ao texto, utilizando o espaço do Tucarena como poucos espetáculos ali realizados conseguiram fazê-lo, valendo-se do prático cenário criado por Carmem Guerra, do excelente desenho de luz de Wagner Pinto e Gabriel Greghi e da dinâmica direção de movimento de Marisol Marcondes que não deixa o elenco ficar de costas por muito tempo para nenhum lado da plateia.

O elenco coeso e talentoso completa esse excelente espetáculo: Gabriela Westphal brilha tanto como Pórcia como a mesma travestida do juiz que muda o rumo do julgamento; Cesar Baccan interpreta o mercador Antônio, antissemita predador; Marcelo Ullmann é Bassânio, oportunista e ganancioso é amigo e algo mais de Antônio; Amaurih Oliveira tem garra e graça tanto como o Príncipe de Marrocos como Lorenzo; Rebeca Oliveira tem a brejeirice de Nerissa; Marisol Marcondes interpreta Jéssica, a filha de Shylock; Marcelo Diaz marca presença cômica como o empregado Lancelotte, assim como Thiago Sak como Príncipe de Aragão; Renato Caldas dá dignidade à personagem de Solânio, amigo de Antônio; palmas para Augusto Pompeo e Junior Cabral que emprestam suas potentes vozes para , respectivamente, o Duque e Graciano

E um parágrafo especial sobre Dan Stulbach: por meio de poucas falas com sotaque levemente carregado, muitos silêncios e gestual contido onde mãos e dedos têm grande destaque ele constrói a personagem de Shylock de maneira primorosa com muita verdade e humanidade. Mais um dos grandes trabalhos de ator desta rica temporada de 2025.

A ficha técnica revela o cuidado da produção na escolha dos profissionais que integram a montagem, cabendo destacar o nome do especialista shakespeariano Ricardo Cardoso, como consultor sobre a vida e a obra do bardo.

O programa impresso da peça, além de muito bonito, contém importantes textos sobre a obra.

Com grande afluência de público, o espetáculo deve estender a temporada até 2026, reestreando no mesmo espaço no final de janeiro.

Grande momento de nosso teatro!

NÃO PERCA 

17/11/2025

 

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