É difícil acreditar que Naum Alves de Souza, o autor das
líricas peças do ciclo memorialista No
Natal a Gente Vem Te Buscar (1979),
A Aurora da Minha Vida (1981) e Um Beijo, Um Abraço, Um Aperto de Mão
(1984) seja o mesmo deste recente Operação
Trem Bala, ora em cartaz no Instituto Cultural Capobianco. Não conheço a maioria das peças que o
dramaturgo classifica como ciclo urbano (só assisti a Suburbano Coração e a maioria dos outros títulos permanece inédita
em nossos palcos), mas creio que há necessidade de se criar outro título para,
talvez, o ciclo que se inicia com este cruel Operação Trem Bala.
Naum Alves de Souza - Foto de Sérgio Kenchgerian
Trata-se de uma comédia com toques de teatro do absurdo que
foca sua ação num casal de velhos (Arthur e Bluma) que têm em volta de si os
parentes abutres que os vilipendiam, vendem seus móveis e objetos de arte e
aguardam ansiosamente as suas mortes para dividir o que restar dos bens
materiais. Arthur e Bluma não são apenas vítimas dessa corja que os explora,
pois já foram exploradores tão ferozes quanto ela e ainda conservam valores
nada dignificantes ou humanistas ; ou seja, não há flor que se cheire em todas
as personagens da peça, entre elas, algumas que já morreram, outras com mais de
150 anos, um anjo da guarda interesseiro e até o diabo em “participação
especial”! A trama tem muitas reviravoltas e os quatro excelentes atores
desdobram-se em mais de uma dezena de personagens, que são apresentadas logo no
início da peça. A ação se passa na mansão em ruínas do velho casal, mas para os
dois, eles estão num trem bala concebido por Arthur (Um asilo? O caminho para a
morte?). Na última cena a peça adquire um tom lírico (que remete ao ciclo
memorialista citado acima) quando o velho casal começa a dançar e correr,
encaminhando-se para um túnel (a morte) que está no percurso do trem bala.
Final poético e bonito, que não se coaduna com o resto do espetáculo que é
irônico, cruel e mordaz.
A direção do próprio Naum é limpa e direta, assim como o
cenário (espaço cênico nu, com duas cadeiras de rodas e dois andadores, além
de uma maquete suportada por máscaras que contém uma ferrovia com o trem).
Conforme já escrevi o elenco é excelente, todos com
maquiagens e máscaras propositadamente exageradas. Saem de cena como uma
personagem, para entrar logo em seguida travestidos de outra personagem. Além
do dramático há um verdadeiro exercício físico durante a hora e meia que dura o
espetáculo. Marco Antônio Pâmio está cada vez melhor: lembro-me daquela que,
talvez, tenha sido a sua estreia no teatro: Romeu
e Julieta em 1984, dirigida pelo Antunes Filho, onde Pâmio interpretava
Romeu, com certa timidez e de lá para cá esse ator só tem crescido e atinge um
grau de excelência com a personagem Arthur (grau que eu acreditava já atingido
em Mediano). Mila Ribeiro tem uma
presença poderosa como Felipa, a segunda esposa de Arthur; Ana Andreatta está
ótima como Bluma e como a empregada da mansão e Fábio Espósito desdobra-se em
uma dezena de personagens, inclusive como anjo e como diabo.
Marco Antônio Pâmio com Giulia Gam em Romeu e Julieta (1984) Foto de João Caldas
Naum Alves de Souza escreve para estes tristes tempos de
individualismo e busca pelo poder e por bens materiais e seu espetáculo é
obrigatório para quem quer refletir sobre os mesmos.
Operação Trem Bala – de 02 de agosto a 29 de setembro no
Instituto Cultural Capobianco (Rua Álvaro de Carvalho, 97). Sextas e sábados às
20h e domingos às 19h.
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