Vida de espectador tem dessas coisas: eu estava no Rio de
Janeiro em maio e aproveitei para assistir ao maior número possível de
espetáculos. As opções para o meu gosto não eram muitas, haja vista o grande
número de comédias descompromissadas em cartaz. Aproveitei para assistir ao
musical Tim Maia – Vale Tudo, que não
tinha visto em São Paulo e reservei para a última noite o espetáculo Jacinta no Teatro Poeira. Na véspera,
por falta de escolha, fui assistir a um desses espetáculos comerciais e uma
senhora sentada ao meu lado comentou que Jacinta
era muito ruim, escatológica e que eu não perdesse o meu tempo para ir até
Botafogo testemunhar a péssima escolha que Andrea Beltrão havia feito ao
aceitar protagonizar peça tão chula! Fiquei assustado, pois se tratava de um
trabalho envolvendo nomes que respeito e admiro como Aderbal Freire-Filho,
Newton Moreno e a própria Andrea Beltrão, porém, me lembrei de que outra peça
envolvendo os mesmos e Marieta Severo (As
Centenárias) havia me desapontado. Como não sou cobra mandada e não sigo
conselhos nem de críticos, segui no domingo à noite para o Teatro Poeira, mas
confesso que guardava certo temor.
Mas vamos ao que interessa, ou seja, o espetáculo a que
quase declinei de ir e que tornou-se um dos melhores a que assisti neste ano: JACINTA.
Entrando no aconchegante teatro já gostei muito do espaço cênico
e do cenário de Fernando Mello da Costa, com os camarins dos atores à vista do
público e o local da banda no centro, ao alto. Quando os músicos entraram em
cena seguidos dos cinco atores e de Andrea Beltrão já senti que a coisa ia ser
boa. Para interpretar Jacinta, a atriz usa uma peruca longa e morena e fala com
sotaque lusitano durante todo o espetáculo.
A história é hilária e comovente: Jacinta, considerada a
pior atriz do mundo, faz uma apresentação para a rainha de Portugal com um
texto de Gil Vicente. O espetáculo é tão ruim que a rainha morre. Gil perde uma
mão e ela é deportada para o Brasil colônia (afinal, era para cá que eram
enviados os desterrados, os ladrões, os vagabundos). Nestas terras que têm palmeiras,
sabiás, mulatas ainda não Jacinta passa por tudo: é deflorada, vai
trabalhar com um grupo de mortos, quase é devorada por índios no Amazonas e faz
muito teatro, sempre com o maior fracasso, mas nunca desistindo.
A canção A Partida diz o seguinte: Há
lugares onde Jacinta representou, em que passados 400 anos, nunca mais se viu
teatro. Palmas para ela que ela merece./ Mas se com sucesso isso parece...Uma
verdade precisa ser dita. Nunca ninguém aplaudia. Estreava, e acabou-se o que
era doce. Os educados: Adeus,
distinta. Os grosseiros: Adeus, faminta. E todos: Adeus, Jacinta. E essa é
a saga dessa obstinada mulher que ama o teatro acima de todas as coisas e sonha
com o aplauso que quando chega ela não consegue ouvir.
Boa parte do espetáculo é cantada na forma do que o grupo
chamou de comédia rock. As músicas são de Branco Mello e Emerson Villani e se por
um lado comentam brechtianamente a ação, por outro se tornam de difícil
compreensão para o público, o que é lastimável, pois grande parte do conteúdo
do espetáculo está nas letras das canções.
(Este fato tornou-se mais grave com a mudança de um teatro de 80 lugares
no Rio para o Sesc Vila Mariana que tem
mais de 600 poltronas ). A música é
muito bem executada por um quarteto e interpretada com garra e emoção por
Andrea e os cinco excelentes atores que com ela contracenam. Vale destacar a
comovente velha palhaça de José Mauro Brant e a histrionice do sempre ótimo
Augusto Madeira. Há necessidade de um
enorme talento para representar a pior atriz do mundo e Andrea Beltrão o tem de
sobra, criando uma personagem que vai ficar para a história do teatro
brasileiro.
No ótimo programa da peça há um texto de Newton Moreno que
finaliza com a frase: Jacinta é nossa declaração de amor ao teatro e eu
complemento escrevendo que quem ama, faz e curte teatro ganha um manjar dos
deuses assistindo a Jacinta.
O CD com a trilha sonora do espetáculo interpretado pelo elenco está a venda no teatro pela "pechincha" (segundo Jacinta) de R$15,00. Vale a pena levar para casa!
O CD com a trilha sonora do espetáculo interpretado pelo elenco está a venda no teatro pela "pechincha" (segundo Jacinta) de R$15,00. Vale a pena levar para casa!
Jacinta se junta a
Cais ou Da Indiferença das Embarcações na lista dos melhores espetáculos
surgidos nos palcos paulistanos nos últimos tempos. Longa vida ao teatro com espetáculos
dessa qualidade. O público agradece.
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