CANTATA PARA UM BASTIDOR DE UTOPIAS
“Oh, qué día tan triste em Granada,
Que a las piedras hacía llorar
al ver que Marianita se muere
Em cadalso por no declarar!”
Garcia Lorca (1898-1936) escreveu Mariana Pineda em 1925 quando tinha 27 anos. É uma das primeiras
peças do poeta, mas que já contém muitas das qualidades das obras da maturidade
como o forte teor poético e a denúncia dos regimes tirânicos. A peça é
inspirada na vida de Mariana Pineda (1804-1831), heroína espanhola da causa
liberal. Na peça ela ama o rebelde liberal Don Pedro Sotomayor e borda a
bandeira do partido. É presa e enforcada por não delatar seus companheiros de
luta. O dramaturgo classificou sua peça como “romance popular em três estampas”.
Mariana Pineda (1804 - 1831)
Com o título Cantata
Para Um Bastidor de Utopias, a Cia. do Tijolo encena a peça na forma de uma
cantata com forte inspiração em Santa
Maria de Iquique do poeta e compositor chileno Luis Advis que narra o
massacre de operários das minas de salitre do Chile e que por sua vez segue as
linhas gerais de uma cantata clássica. Pelo que indica o programa as eficientes
músicas da cantata foram compostas por seis componentes do grupo e a bela música
que abre o espetáculo foi composta por Jonathan Silva.
Garcia Lorca (1898-1936)
Há um prólogo representado na sala de espera e a seguir o
público é convidado a entrar no teatro que representa o espaço do grupo La
Barraca de Garcia Lorca. Enquanto o público se acomoda, os atores preparam o
espaço e a peça será representada num palco. Cada ato (estampa) da peça é
interrompido por intermezzos que fazem uma ponte entre a história contada e a atualidade
(desde o assassinato de Lorca por razões parecidas àquele de Mariana Pineda,
até o Brasil de hoje: ditadura militar, presos políticos, desaparecidos, mortos
sem sepultura). Essas intervenções são pungentes e importantes, mas muito
longas, parecendo que o grupo não acredita no vigor da denúncia contida na peça
de Lorca e na potência dramática da mesma. Os intermezzos tornam-se mais extensos
do que a própria peça alongando o espetáculo para três horas de duração. Eu
diria que a direção de Rogério Tarifa e de Rodrigo Mercadante peca pelo excesso
de criatividade (o que não deixa de ser um elogio!).
Rogério Tarifa
Há um momento, quase no final, em que o público é
convidado a sentar em volta de uma mesa coberta com um pano vermelho para
compartilhar pão, vinho e experiências com o elenco. Na noite em que assisti ao
espetáculo fomos agraciados com o comovente relato de Vera Paiva sobre o
desaparecimento de seu pai Rubens Paiva durante a ditadura militar e as consequências
para toda sua família.
A cena final da peça (o enforcamento de Mariana) é
representada numa instalação externa ao espaço principal, onde há várias campas
com velas acesas nas quais poderão repousar aqueles mortos, até então, sem
sepulturas.
O espetáculo é emocionante e extremamente necessário, num
momento em que pressentimos movimentos que podem trazer de volta ditaduras e
regimes de exceção. Na bela canção do início do espetáculo há o refrão: “Alerta,
desperta, ainda cabe sonhar” com um implícito “e lutar sempre!”, pois como
disse Vera Paiva, a liberdade e a democracia se conquistam dia a dia.
Um último comentário sobre o ótimo elenco que brilha de
maneira homogênea, mostrando a força do coletivo da Cia. do Tijolo e a
preparação vocal do grupo, realizada pela talentosa Fernanda Maia.
Cantata Para Um
Bastidor de Utopias está em cartaz no Sesc Pompeia até 08 de setembro, de
quinta a sábado às 20h e domingo às 19h.
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