terça-feira, 9 de agosto de 2016

ALTOS E BAIXOS


         Este texto foi escrito após a leitura da matéria “Já não era mais terça-feira, mas também não era quarta” de Tiago Ferro, publicada no número 119 da revista Piauí.

         Rua Palmari, Vila Ipojuca. Década de 1960.
         Nessa época eram muito comuns os bailinhos de fim de semana sempre na casa de uma das garotas do colégio onde as meninas bebiam refrigerantes e os garbosos rapazes tomavam Cuba Libre, Hi-Fi e aqueles mais ousados iam de Gin Tônica. Elvis Presley, Bill Halley e Ray Conniff rodavam na vitrola sem parar enquanto os pares dançavam e trocavam juras de amor que quase sempre duravam só até o próximo baile. Ninguém “ficava”, nem ia para motel. Eram só alguns beijinhos e mesmo assim sem abrir a boca!
         Foi num desses bailes que eu conheci uma garotinha graciosa e bonita com imensos olhos claros. De Sandra Regina Ferro, ela logo virou a minha amiga Sandrinha.
         Sandrinha morava numa bela casa na Rua Palmari e logo eu e meus amigos conhecemos a Dona Fernanda e o Seu Anacleto, seus pais, que sempre nos recebiam de braços abertos. Era muito comum dar um pulo por lá durante a semana à tarde para papear com a Sandrinha e degustarmos o café e os bolos da sorridente e gentil Dona Fernanda. No último dia do ano eu passava a passagem em casa e depois ia curtir o réveillon na deliciosa festa organizada pelos Ferro. Uma lembrança traumática dessa época é a tragédia de uma família que depois de estar conosco na festa sofreu um acidente fatal onde todos morreram. A alegria da festa foi subitamente torpedeada com a fatal notícia.
         O tempo passou e minha amizade com Sandrinha se estreitou, sendo que no seu baile de formatura do ginásio fui seu padrinho e agraciado com uma das valsas. Sim! Naquela época tinha valsa de formatura.


         Cheguei a conhecer alguns namorados dela e ela também conheceu minhas namoradinhas, sendo que sempre que nos encontrávamos eram aqueles papos, aquelas risadas e aquelas fofocas. Vestibular, faculdade, namoros mais sérios e fomos perdendo contato. Cheguei a conhecer o Antonio Carlos e ela também conheceu a Vera, que viriam a ser as pessoas com quem cada um de nós se casou. Depois disso o contato rareou.
         Tempos depois eu estava com a minha filha Mariana no Ibirapuera e acidentalmente cruzei com a Sandra que passeava com seu moleque, o Tiago. Encontro feliz, apresentamos as crianças que na época deviam ter cerca de três anos (eles têm mais ou menos a mesma idade).
         Vamos nos ver, vamos marcar um jantar... Foram os desejos trocados, mas nunca realizados. Passaram-se quase trinta anos sem a gente se encontrar.
         O acaso fez com que voltássemos a nos encontrar em um feirão de DVDs usados na locadora 2001 da Avenida Sumaré. Uma alegria enorme tomou conta de nós e prometemos não mais perder o contato e é o que temos feito até hoje.
         Filhos casados e netos fizeram nossas duas famílias aumentarem.
         Em 2012 eu defendi a minha dissertação de mestrado e tinha intenção de transformá-la em um livro. Tempos depois Sandra me deu dicas preciosas do que eu devia reordenar/excluir/incluir para que o texto se tornasse um livro atraente. Nessa ocasião fui carinhosamente acolhido em sua casa retomando o contato com o Antonio Carlos e conhecendo a Bionda e a adorável netinha Manu. (Isa, a netinha menor eu não cheguei a encontrar)
         A terra girou várias vezes, eu também ganhei a netinha Laura, lancei o meu livro e esporadicamente tinha contato com o casal Espilotro. Acompanhei a doença da Bionda e acompanhei de longe a tristeza deles com a sua morte.
         Em março deste ano fui cobrir o Festival de Curitiba. No dia 31 de março participei de coletivas de imprensa pela manhã e após o almoço voltei para o hotel para escrever matérias sobre o Festival. Quando abri o notebook me deparei com a terrível notícia da morte da Manu e a partir daquele momento meu pensamento não saiu mais do Tiago, da Mika (que eu não conheço), da Isa, do Antonio Carlos e da minha querida Sandra, ao lado de quem eu queria tanto estar, mas a distância e os compromissos me impediam.
         Cinco meses se passaram. Até hoje não me senti à vontade de fazer uma visita aos meus amigos. Limitei-me a longo papo telefônico com o Antonio Carlos logo que voltei de Curitiba. Respeitando ao máximo o processo de luto da família, mantive-me à distância.
         Hoje, dia 09 de agosto de 2016, caiu- me nas mãos a revista Piauí e li a emocionada matéria que o Tiago escreveu sobre a construção do luto pela morte da Manu. Em vários momentos da leitura me vieram lágrimas aos olhos e voltei a me irmanar na dor tão intensa vivida pela família e mais ainda na força que todos estão tirando dessa dor. Foi então que resolvi escrever este texto.
         Muitos anos se passaram e outros vão se passar com altos e baixos para todos nós. Alguns chegaram, alguns se foram e eu que por enquanto aqui estou, quero deixar um carinho para a Manu com essas palavras do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez (1881-1958) que encontrei nas páginas amareladas de um velho caderno:

         “...E eu partirei. Os pássaros continuaram cantando e meu jardim ficará com suas árvores verdejantes e com seu poço d’água. Em muitas tardes os céus serão azuis e os sinos da torre repicarão, como repicam esta tarde. Aqueles que me amaram, passarão, e a cidade explodirá de novo a cada ano. Mas meu espírito para sempre vagará nostálgico no mesmo recanto escondido de meu jardim florido”

LUZ!


08/08/2016

4 comentários:

  1. Bela homenagem à menininha que voltou a ser anjo. Sua missão seria curta e as saudades imensas.

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  2. Bela homenagem à menininha que voltou a ser anjo. Sua missão seria curta e as saudades imensas.

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Cetra querido de sempre... Eu também faço parte desses dias de tempos atrás, da casa dos Ferro, de uma convivência contínua dos adolescentes que o tempo e os atalhos distanciaram... Com você o reencontro no Festival de Teatro do SESC dos 80 e contato retomado... Com a mana Sandra, jamais interrompido.. Na alegria, nos festejos, nos velórios, nos sorrisos e nas despedidas... Delas e meus. Somos irmanados, sempre. Manu virou estrela. E brilhou feliz com esse teu texto. Beijos, querido.

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