Foto de João Caldas Filho
Costumo
escrever a matéria de um espetáculo um ou dois dias após a ele ter assistido,
mas quando o deslumbramento é muito grande procuro dar um tempo, esperar a
poeira baixar e então voltar a ele, com menor perigo de adjetivar demais. Já
faz uma semana a que assisti Boca de Ouro
e ainda me sinto tocado pela beleza e perfeição da leitura de Gabriel Villela
para o texto de Nelson Rodrigues, que, assim como A Falecida, tem sólida estrutura dramatúrgica, seja na determinação
dos personagens, no desenvolvimento da trama ou no final surpreendente. Tudo
funciona no texto que faz perfeito retrato do subúrbio carioca e a encenação de
Villela, sem abandonar a estética do encenador, tem ar e ambiente que condizem
com o original de Nelson Rodrigues. Ao contrário de outras montagens do
diretor, são poucos os elementos em cena: várias mesas, cadeiras e copos simulando
cabaré da Lapa e uma poltrona no meio da cena que terá diferentes funções
durante a apresentação. O toque barroco, característico de Villela, fica por
conta dos figurinos coloridos e esplendorosos (cenário e figurinos são
assinados pelo diretor).
Nesse
cenário, sob a luz inventiva de Wagner Freire e ao som de músicas de diversas
épocas do cancioneiro popular brasileiro interpretadas por Mariana Elisabetsky desfilam
e agem as personagens criadas por Nelson Rodrigues.
Lavínia
Pannunzio, dona de imenso talento já comprovado em inúmeros trabalhos, merece
destaque especial como Guigui, a personagem que conduz a trama contando três
versões do assassinato de Leléco (Claudio Fontana, ótimo, lembrando vocal e
corporalmente de Luís Mello em Paraíso
Zona Norte (1989). Mel Lisboa cresce a cada nova interpretação, sua Celeste
tem ao mesmo tempo a sensualidade e a agressividade pedida pelo autor, além da
voz de poderoso alcance. Chico Carvalho empresta sua irreverência ao repórter
Caveirinha e diverte na pele da granfina Maria Luísa. Leonardo Ventura tem
ótima máscara como o velho corcunda Agenor, marido de Guigui, mas parece menos
à vontade no concurso de seios do que suas “companheiras” Cacá Toledo e
Guilherme Bueno. Malvino Salvador, buscando novos caminhos, se sai bem como o
protagonista. Mariana Elisabetsky tem bela voz apesar de indesejável trinado
nos momentos mais agudos. Jonatan Harold se incumbe do piano e de algumas
figurações. Louvem-se a coesão e o espírito de conjunto do elenco, além da
perfeita emissão de voz que torna o todo audível na complicada acústica do
Tucarena.
Na
trilha sonora cabem tanto clássicos (Cidade
Maravilhosa) como canções contemporâneas (De Frente Pro Crime) e até Bang
Bang (My Baby Shot Me Down) todas elas adequando-se e comentando a ação.
Boca de Ouro é espetáculo que beira a
perfeição. Villela conseguiu, de maneira criativa e talentosa, transformar a
tragédia carioca de Nelson Rodrigues em impactante melodrama expressionista,
sem trair a intenção do autor.
E
não se pode deixar de comentar sobre o inventivo uso dos dedais que exercem
várias funções durante a peça.
BOCA
DE OURO está em cartaz no Tucarena às sextas e sábados às 21h e domingos às
18h30.
ABSOLUTAMENTE
IMPERDÍVEL!
17/08/2017
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