quarta-feira, 2 de agosto de 2017

JULHO 2017: O livro, os bons espetáculos e o mais belo dos filmes.


         O mês de julho foi bastante gratificante para mim. O lançamento do meu livro O PALCO PAULISTANO DE GOLPE A GOLPE (1964-2016) levou mais de 150 pessoas à Casa das Rosas na muito fria noite do dia 19 e como espectador, tive o privilégio de assistir a ótimos espetáculos. Alguns deles foram comentados neste blog (O Dragão de Fogo, Patética, Hotel Mariana e Pescadora de Ilusão), mas houve muitos outros e por total falta de tempo não pude escrever sobre eles, faço então uma resenha daqueles que mais me surpreenderam:

- SÚTIL VIOLENTO – Produção da Companhia de Teatro Heliópolis, dirigida por Miguel Rocha. Bastante voltado para a expressão corporal, o espetáculo chega a lembrar dos laboratórios performáticos muito em voga nos anos 1970, dos quais O Terceiro Demônio do Grupo TUCA é o melhor exemplo. Elenco e músicos coesos e em sintonia com a proposta do encenador.

- IMORTAIS – A peça de Newton Moreno tem brilhante monólogo inicial realizado com toques de humor por Denise Weinberg onde sua personagem, uma velha que vai morrer, quer passar seus últimos momentos próxima à cova de seu marido. Infelizmente na continuação a peça não se mantém nesse nível. Direção de Inez Viana.

- A VOZ QUE RESTA – A peça é um intenso exercício de interpretação de Gustavo Machado representando homem carente tanto física como espiritualmente de sua amante Marina. Ele grava uma fita cassete para ela durante toda a ação da peça. Texto bem elaborado por Vadim Nikitin que também dirige o espetáculo. A iluminação de Aline Santini acompanha e ilustra o desespero do homem. A carência física atinge seu auge quando para amenizá-la o homem se masturba na forte e necessária cena final.

- CHORUME – Mais um texto inusitado de Vinicius Calderoni em uma encenação bonita e interessante do próprio autor onde os atores fazem deslocamentos bastante originais em cena contracenando com o cenário móvel de André Cortez e com a iluminação de Wagner Antonio.


- FOME.DOC – O roteiro de Fernando Kinas é uma antologia sobre a fome que inclui notícias de jornais, relatórios, Josué de Castro, Kafka e até O Comedor de Gilete, música de Carlos Lyra, popularizada por Ary Toledo. O extenso material resulta em espetáculo muito longo, apesar das ótimas interpretações da brechtiana Fernanda Azevedo que comenta com distanciamento cada palavra que profere e de Renan Rovida, este, uma excelente surpresa. Espetáculo sério, engajado e muito necessário para os dias que vivemos.

- NU DE BOTAS – Simpaticíssimo e gostoso espetáculo mostrando o universo de uma criança (Antonio Prata) com a descoberta das relações (a separação dos pais), do sexo e da morte. Elenco espontâneo com interpretações naturalistas. Direção de Cristina Moura.


- MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS – Remontagem da adaptação de Regina Galdino da obra de Machado de Assis que fez sucesso há 19 anos com Cássio Scapin. Agora quem veste a roupa de Brás Cubas com muita verve, ironia e graça é Marcos Damigo que tem porte, flexibilidade corporal e vocal. Ótimo trabalho.


- A MORTE DE IVAN ILITCHTour de force de Cácia Goulart vivendo Ivan Ilítch do vigor como juiz à decadência e agonia até a morte. A adaptação jaz jus à magnífica novela de Tolstoi. A peça que cumpriu temporada há alguns anos, foi apresentada apenas por duas vezes na Biblioteca Mario de Andrade e merece um retorno ao cartaz.

- PARA NÃO MORRER – A figura em cena lembra uma velha feiticeira sábia detentora dos segredos da humanidade focando sua atenção em mulheres guerreiras, militantes e resistentes presentes no livro Mulheres de Eduardo Galeano. A personagem tem o braço esquerdo e parte do lábio paralisados. Interpretação vigorosa da atriz curitibana Nena Inoue que tem o corpo nu coberto por vasta cabelereira.


- OS ATINGIDOS – Alguns dirão “Mais uma peça tratando da tragédia de Mariana?”... Mas seriam necessárias mais de uma dezena delas para denunciar essa barbaridade que só podia acontecer em um país onde imperam a impunidade e o descaso pelas vidas humanas. Enquanto Hotel Mariana nos pegava pela emoção, Os Atingidos o faz pela razão. Em ambos os casos fica explícita a denúncia necessária dos fatos ocorridos em 05 de novembro de 2016. O grupo esteve em Mariana e trouxe alguns objetos que têm papel importante na dramaturgia de cena. O texto de José Fernando Peixoto de Azevedo (também diretor) baseado em depoimentos recolhidos no local e nas notícias da mídia é bastante consistente. Elenco afinado e ótima utilização de recursos cinematográficos que dão caráter épico à encenação. O operador de vídeo tem papel tão importante em cena quanto os atores.


- ON LOVE – Espetáculo de Francisco Medeiros que se assiste com um sorriso (às vezes, amargo) nos lábios. São seis monólogos falando de relacionamentos amorosos em suas mais diversas formas. Três deles foram escritos pelo dramaturgo escocês Mick Gordon e os outros três foram criados pelos atores seguindo o mesmo modelo de Gordon. Interpretação espontânea e bem equilibrada dos três atores (Eloisa Elena, Claudio Queiroz e Júlia Moretti), auxiliados pelos adereços criados por Marisa Bentivegna (malas de madeira que contém roupas, plantas e bancos). Há um intermezzo coreografado que prepara a última cena que é verdadeiro balé. Ah, a magia do teatro! Um imenso tapete vermelho limita a ação do gostoso espetáculo onde o público fica no palco, bem juntinho aos atores.

         Com exceção de Sutil Violento (em cartaz na Casa de Teatro Maria José de Carvalho até 27/08), Chorume (em cartaz no Sesc Bom Retiro até 13/08) , Fome.doc (em cartaz no Centro Cultural São Paulo até 20/08) e Memórias Póstumas de Brás Cubas (em cartaz no Teatro Eva Herz até 29/09), todos os outros trabalhos já saíram de cartaz.

         A resistência da nossa gente de teatro emociona e nos faz ter forças para bradar EVOÉS pela cultura deste país que tanto dela necessita.


         Ainda neste mês assisti se não ao melhor, ao mais belo filme do ano: POESIA SEM FIM, do diretor chileno Alejandro Jodorowski. Raro e belíssimo e muito diferente de tudo que já vi na vida. Lembra Fellini nas reconstituições e no onírico, mas vai mais fundo no surreal . Assisti de boca aberta e me tirou do chão.

01/08/2017



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